Um brinde com Bordeaux 2005

ADEGA comemora três anos celebrando a "melhor safra da história" na famosa região viticultora francesa

por Marcelo Copello

Luna Garcia

Quando fundamos ADEGA em 2005 tínhamos em mente um conceito muito simples: ao invés de tentar trazer o leitor para o mundo do vinho, colocar o vinho no mundo do leitor. Para tanto, falamos do vinho através de valores humanos, tão perenes quanto a videira, tão eternos quanto a presença desta bebida na história da civilização.

Ficamos felizes ao notar que nossa mensagem foi captada e que ADEGA se tornou, em alguns meses, a maior revista de vinhos do Brasil. Recebemos cartas questionando como armazenar os exemplares, como quem pergunta a melhor maneira de conservar vinhos de guarda. Constatamos, com orgulho, que cada "safra" de ADEGA é "de guarda", lida, degustada, consultada e colecionada.

É uma tradição que enófilos comemorem seus aniversários com vinhos do ano de seu nascimento. Assim, comemoramos nossos três anos com a safra de 2005, que, em Bordeaux, foi uma das melhores da história desta que é a mais importante região produtora do planeta. Para "soprar as velinhas", escolhemos um tema mais que perfeito - "Bordeaux 2005".

O mundo do vinho faz uma ode a Bordeaux 2005
A safra de 2005 em Bordeaux está causando tremenda sensação entre produtores, consumidores e a mídia especializada. Os adjetivos se esgotam, "maravilha", "perfeição", "melhor do século", "melhor da história". Mas será que não é isso que sempre dizem de uma nova safra? Nem tanto. Nas palavras de Robert Parker: "Bordeaux 2005 é a melhor safra dos meus 30 anos de carreira". "O cara" acredita mesmo nisso, tanto que promoveu recentemente uma degustação com 18 Bordeaux daquele ano, ao custo de US$ 2 mil por pessoa.

Fala-se que, há muito tempo, não se via uma safra não apenas excepcional para alguns vinhos, mas perfeita em todas as sub-regiões de Bordeaux, para tintos, brancos secos e doces, da margem direita (Pomerol, St. Emilion etc) e esquerda (Médoc, Graves etc). Segundo James Suckling, editor da Wine Spectator, alta qualidade com esta uniformidade não era vista desde 1989.

As comparações são muitas. Enólogos locais lembram grandes anos como 1945, 1961, 1982, 1990 e 2000, por exemplo. A safra mais rememorada é, contudo, 1982, por ter sido também um ano quente, de vinhos concentrados, como 2005. Outros comparam aos 2000, com a ressalva de que 2005 se igualaria a 2000 na margem esquerda, mas a superaria na direita.

Um ponto em comum em todos os comentários é que haverá um grande número de vinhos excepcionais, pois não apenas os grandes nomes farão fermentados fora de série. Fala-se que o enólogo que não fizer um bom vinho em Bordeaux na safra 2005 é simplesmente incompetente! Mas, por que esta safra foi tão boa? Vejamos:

O que faz uma grande safra?
Bordeaux 2005 foi o que poderíamos chamar de "safra de manual", sem pragas ou calamidades, sol permanente (mas sem excesso de calor), e chuva na hora e quantidade certas. Segundo Bill Blatch, conhecido negociante de vinhos de Bordeaux e especialista na climatologia da região, a matéria-prima naquele ano foi a melhor que a natureza poderia oferecer.

Chuva
No que diz respeito ao índice pluviométrico, 2005 foi muito seco, com 476 mm no ano, o que significa 48% menos água que a média dos últimos 30 anos. Foram 11 meses com nível abaixo da média histórica (com exceção de abril, justamente quando a chuva é bem vinda para a brotação!).

São Pedro esteve de muito bom humor em 2005 e abriu a torneira em momentos precisos. O ano teria sido seco demais, se não fosse pelas providenciais chuvas em abril na brotação; em maio para a floração; no final de julho (27-28) para iniciar a fase do "pintor" (quando o bago muda de cor); em 8-12 de setembro para refrescar o Merlot antes de sua colheita; e o mesmo em 25 de setembro para a colheita do Cabernet Sauvignon. A região de Sauternes também não foi esquecida pelas bênçãos do porteiro do céu e teve sua chuva providencial em 31 de agosto, para estimular a formação do fungo Botrytis cinerea.

G Schouten de Jel/SXC
Chuva foi providencial em momentos-chave, como na fase do "pintor"

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Sol
O sol brilhou forte este ano todo na região de Bordeaux, resultando em vinhos mais alcoólicos. As noites em agosto e setembro (meses que antecedem a colheita) foram, no entanto, frescas, mantendo boa acidez nas uvas. Sem este frescor noturno, teríamos uma safra de baixa acidez, como a de 2003.

Temperatura
Mesmo ensolarado, 2005 nunca foi quente demais, com apenas 0,6ºC de temperatura acima da média. Só junho (2,7ºC) e outubro (3ºC) ficaram ligeiramente acima do padrão, coisa rara para um ano seco e ensolarado.

Rendimento
Os rendimentos (quantidade de uvas por hectare) foram muito baixos em 2005, o que significa vinhos mais concentrados. Nos Cru Classés da margem esquerda, o rendimento ficou entre 30-42 hectolitros por hectare e, na margem direita, foram 40-50 hl/ha, contra 45-55 de 2004.

Luna Garcia
O enólogo que não fizer um bom vinho em Bordeaux na safra 2005 é simplesmente incompetente!

Em comparação com 1982, uma safra excepcional e notoriamente concentrada, a média foi de 80 hl/ha, cerca do dobro de 2005. Como resultado, 2005 teve grande concentração, muitos taninos, mas sem perder frescor e acidez.

Em Sauternes, o fenômeno foi o oposto. Tivemos bastante vinho este ano pelo simples fato de que a qualidade dos cachos foi perfeita e poucos foram descartados. O rendimento dos Cru Classés ficou entre 15-25 hl/ha.

Melhores práticas de vitivinicultura
Não podemos esquecer que, a cada ano, as práticas de viticultura se aprimoram, assim como a tecnologia de vinificação. Desta maneira, existe uma tendência de que cada safra seja melhor que a anterior, basta que o clima ajude - o que não faltou em 2005.

Estilo dos vinhos
Dadas as condições climáticas únicas, o estilo dos tintos deverá ser de líquidos concentrados, com muitos taninos refinados, fruta supermadura, sem perder a pureza e definição. Não se enganem, não será um Bordeaux em estilo Novo Mundo, pois sua acidez típica se manteve, dando grande frescor e a notória longevidade dos vinhos da região.

Os brancos não ficaram atrás, com muita fruta e grande acidez. Os Sauternes também devem impressionar.

Alguns críticos descrevem os Sauternes 2005 como um meio caminho entre os supermaduros 2003 e os estruturados e equilibrados 2001.

Única ressalva
A secura de 2005 gerou uvas menores que o padrão, aumentando a proporção de casca em cada bago, e, assim, a quantidade de cor e taninos nos vinhos, além do caráter de fruta madura e doce. Isso aconteceu principalmente com a Merlot. Esta característica é positiva, mas, se a natureza foi perfeita, o homem pode manipular a matéria-prima de várias maneiras. A única ressalva quanto à qualidade e estilo dos vinhos finais é que os produtores que buscam grande concentração terão que tomar cuidado para não acabarem com caldos sobremaduros, principalmente os que usam mais Merlot, como Château Pavie, que já foi alcunhado de "vinho da discórdia".

Nova discórdia?
Há cerca de quatro anos, quando foi lançado, o Château Pavie 2003 suscitou uma ruidosa divergência entre os críticos Robert Parker e Jancis Robinson, ficando conhecido como "vinho da discórdia". Segundo Parker, um grande vinho (nota 96/100) e segundo Robinson, um fermentado "ridículo", "bombado" (nota 12/20). O Château Pavie 2005 trilha o mesmo caminho, pois obteve notas igualmente discordantes. Enquanto o especilista americano deu 98+, a inglesa mais uma vez foi dura em seus comentários e ficou nos modestos 14,5 pontos.

Robert Munch/FLICKR

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As revistas Wine Spectator, Decanter e Revue du vin de France parecem se alinhar com Parker, com notas 100 (máxima), 5 estrelas (máxima) e 9,5, respectivamente. Tudo isso elevou o preço de uma garrafa deste vinho a cerca de 600 euros na origem.

Os nota 100
Em grandes safras como esta, sempre gera expectativa quais vinhos alcançarão a nota 100 de Parker e Wine Spectator. O "guru de Baltimore" não poupou elogios aos Bordeaux 2005 como um todo, mas foi econômico nas notas máximas, agraciando somente os Châteaux Ausone (St. Emilion) e L'Eglise Clinet (Pomerol), ambos da margem direita. Nenhum dos Premier Cru Classés passou dos 98 pontos. Parker confirma que as grandes compras de 2005 estão nos "big little wines".

A revista americana Wine Spectator distribuiu nove notas máximas para os Châteaux: Ausone (St. Emilion), L'Evangile (Pomerol), Haut-Brion (Pessac-Léognan), Haut-Brion Blanc (Pessac-Léognan), Lafleur (Pomerol), Léoville Las Cases (St. Julien), Margaux (Margaux), Pavie (St. Emilion) e Pétrus (Pomerol). Para eles, a margem direita também saiu ganhando com cinco das notas 100.

Mercado, preços e notas da crítica
Bordeaux 2005 deve bater recordes de preços, por vários motivos. Não só por sua qualidade excepcional dos vinhos, mas pela demanda sem precedentes, com novos consumidores, milionários e ávidos por adquirir esta tão decantada safra, como russos, japoneses, chineses e outros asiáticos.

Os grandes Châteaux terão preços exorbitantes, mas, como a qualidade é generalizada em 2005, a dica é partir para compras dos menos famosos, pois terão qualidade excelente e preço menos "salgado". Espera-se que mesmo vinhos mais simples tenham boa guarda, de cinco, ou até dez anos talvez. Nos grandes vinhos, a notória longevidade de Bordeaux prevalece, ultrapassando os 20 anos de guarda.

Celebrando com ADEGA por muitos anos
Bom saber que a safra de ADEGA é longeva e que poderemos comemorar todos os anos, por muitos anos, com grandes vinhos, que deverão ainda melhorar muito com o passar do tempo. Assim, queremos crescer muito ainda, ler, escrever, degustar, aprender, mostrar, contar e, principalmente, partilhar nossa paixão pelo vinho, renovada a cada safra e a cada exemplar. Em nome de toda a equipe, obrigado!

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