Em seus três séculos de história, Beychevelle sempre esteve ligado aos grandes nomes da França
por Carolina Almeida
Seja pela fama, seja pela tradução literal, os grandes Châteaux franceses são comumente ligados à nobreza e a uma longa história de poder, em que o vinho simboliza algo maior. E dentro dessa premissa, o Château Beychevelle não é exceção.
Primeiro, porque ele é um Château na acepção da palavra, ou seja, um castelo. Ao longo de três séculos, a propriedade esteve diretamente relacionada com a alta sociedade francesa e foi por isso que nasceu o nome Beychevelle, que é uma adaptação de "Baisse-Voile", "bacha velo" em gascão (e vela abaixada, em português).
Reza a lenda que, durante o reinado de Henrique III (de 1551 a 1589), quando o feudo era controlado pelo primeiro Duque de Epernon, Jean-Louis Nogaret de La Valette (que também tinha os títulos de Grande Almirante da França e Governador de Provence, entre outros, e fazia parte do grupo de "queridinhos" do rei, conhecidos como Les Mignons), os navios que passavam em frente à sua propriedade eram obrigados a baixar as velas, em sinal de respeito e obediência ao duque. Essa história é contestada por alguns, uma vez que, estando perto do porto de Bordeaux, com ou sem a presença de um nobre, as velas seriam abaixadas de qualquer maneira, mas foi assim que o nome ganhou forma.
Tudo isso aconteceu em meados do século XVI, mas a história do Château é um pouco mais antiga. Durante a Idade Média, na época dos grandes feudos, a propriedade estava nas mãos das famílias Grailly e Foix, detentoras de alguns dos títulos máximos da nobreza. Nessa época, o local era conhecido como Château de Médoc e seus principais mercados eram a Inglaterra, Flandres e os países germânicos.
Em meados de 1500, o bispo François de Foix-Candale casou sua sobrinha Marguerite de Foix-Candale com La Valette e lhes deixou o feudo, mas o duque parecia pouco se importar com os negócios do vinho. Seu filho, Bernard, também Duque de Epernon, foi quem iniciou a construção do Château e sob sua tutela foi finalizada a parte central do castelo. Porém, Bernard seguiu os passos do pai e, ao morrer, deixou uma coleção de dívidas, o que obrigou a propriedade a ser vendida, indo, no final das contas, para as mãos de outro duque, de Rendan, antes de ser vendida para a família Abbadie, de tradição parlamentar.
RÓTULO
Por conta da honrosa história com o Duque de Epernon, o rótulo do Beychevelle carrega a história da propriedade e mostra um navio abaixando sua vela. O navio tem um dragão talhado na proa, não se sabe o porquê. Mas, na cultura chinesa, o dragão é símbolo que une a ideia de virilidade, sorte e felicidade. Por isso, não é surpresa que atualmente cerca de 60% da produção do Château seja destinada à China, que conhece o Beychevelle não por seu nome, mas por ser "o vinho com o barco dragão".
Renascido
Foi sob os cuidados dessa família que aconteceu a grande geada de 1709, período mais frio em 500 anos, em que quase todos os vinhedos foram destruídos após três semanas ininterruptas de frio congelante na Europa. Passado o inverno, os Abbadie replantaram todas as vinhas e cuidaram para que elas crescessem o mais saudável possível.
Depois deles, o novo dono do Château foi o conselheiro parlamentar François de Brassier, Barão de Lamarque e Beychevelle, e seu filho François Armand, que completaram, em 1757, o projeto dos antigos donos. Eles deram o acabamento final ao castelo, que ainda hoje é conhecido como o "Versalhes de Médoc", reintegraram as partes desmembradas por Jean-Louis Nogaret de La Valette e passaram a se dedicar integralmente à viticultura. Além disso, foram os responsáveis pela construção do porto de Beychevelle. Durante a Revolução Francesa, período em que muitas propriedades foram destruídas, por trabalho ou por sorte, o Château permaneceu intacto.
Diz-se que os navios que passavam em frente ao Château baixavam suas velas em sinal de respeito, daí seu nome
Findados os contratempos, o Beychevelle finalmente encontrou seus anos dourados a partir de 1824, quando passou a ser comandado por Pierre- -François Guestier, negociante bordalês e Par de França, que se esforçou ao máximo para devolver ao vinho o status que possuía no passado. Seu trabalho foi recompensado quando, em 1855, a propriedade foi classificada como Quatrième Cru. Depois disso, houve a I Guerra Mundial, que de problema passou a ser vista como o impulso para o Château crescer ainda mais. O fechamento de mercados e a escassez ocasionada pela guerra foram superados pelo "Versalhes de Médoc", que viu seu prestígio ir às alturas, seguido por uma explosão de preços e encomendas.
Vinhedos
Seus vinhedos, que somam 90 hectares de vinhas, estão localizados ao sul de Saint-Julien, a apenas alguns quilômetros de distância do rio Gironde. Das vinhas (62% Cabernet Sauvignon, 31% Merlot, 5% Cabernet Franc e 2% Petit Verdot), que têm idade de 28 anos, resultam dois rótulos: o primeiro vinho, Château Beychevelle, cuja produção é de cerca de 25 mil caixas por ano, e o segundo, Amiral de Beychevelle (normalmente 12.500 caixas). Além desses, há um terceiro rótulo, Brulières de Beychevelle, feito a partir de uvas vindas de uma pequena plantação em Saint-Julien.