Conheça os símbolos, a história e os vinhos de um dos mais celebrados produtores de Châteauneuf-du-Pape, o inconfundível Clos de l’Oratoire des Papes
Arnaldo Grizzo Publicado em 21/11/2022, às 05h55
Uma espécie de abóboda que representa a tiara pontifícia usada pelos papas no século XIV. O desenho do oratório dedicado a São Marcos – ainda existente meio às vinhas. A medalha do Papa (anti-Papa de Avignon, na verdade) Bento XIII. Por fim, o nome de Léonce Amouroux.
Tudo isso em um rótulo – típico da Art Deco – estampado abaixo do clássico alto relevo das chaves papais cruzadas que ostentam a garrafa tradicional da denominação Châteauneuf-du-Pape. Todos esses símbolos formam um conjunto emblemático que está em um dos vinhos mais celebrados dessa região, o inconfundível Clos de l’Oratoire des Papes.
Sua história remonta ao século XIX. Em 1880, Edouard Amouroux recebeu um lote de vinhedos após seu casamento e, dessa forma, nasceu o chamado Clos des Oratoiens. Ele foi assim nomeado devido ao oratório localizado em meio à parcela de vinhas. Construída no século XVIII, esta pequena capela dedicada a São Marcos, padroeiro dos viticultores e protetor das vinhas contra as intempéries climáticas, é ainda hoje destino de procissões religiosas anuais.
Em 1926, Léonce Amouroux, filho de Edouard, criou a Maison Amouroux e decidiu renomear o seu vinho como “Clos de l’Oratoire des Papes” em homenagem aos Papas que tinham erguido o seu palácio de verão no século XIV no alto da aldeia que posteriormente recebeu o nome de Châteauneuf-du-Pape.
Desde o ano 2000, contudo, a propriedade da viúva de Léonce, com cerca de 20 hectares de vinhedos, foi comprada pelo grupo que adquiriu as operações da família Ogier, outro nome importante da região. Assim, Clos de l’Oratoire des Papes passou ao grupo AdVini, que nasceu ao redor das aquisições da Vignobles Jeanjean com sede no Languedoc. A pedido da família, o nome de Léonce Amouroux permanece no rótulo até hoje.
Desde 2008, no Clos de l'Oratoire des Papes, as vinhas são trabalhadas de acordo com os princípios da agricultura biológica. Por quatro anos, a propriedade decidiu parar definitivamente com o uso de fertilizantes para usar seu próprio fertilizante 100% natural. Ele é produzido por um criador de uma vila vizinha que coleta esterco de ovelhas, cavalos e vacas. Em média, entre 7 e 10 toneladas de esterco compostado são usados a cada três anos nos solos do Clos.
O cuidado no cultivo e gestão das plantas também tem a ver com a herança de vinhas que Clos de l'Oratoire des Papes quer manter. Suas parreiras são de seleção massal e foram produzidas a partir de estirpes de vinhas velhas selecionadas pela sua própria qualidade e pela grande variabilidade genética. As mudas são enxertadas manualmente usando o método inglês de enxerto de fenda, uma técnica que garante um melhor fluxo de seiva na planta.
Com o tempo, o tamanho das videiras foi adaptado a cada lote. A ideia não é restringir a parreira, mas deixá-la viver e crescer. E para combater as ervas daninhas, são praticados métodos alternativos. São semeadas misturas de várias espécies vegetais, como gramíneas, leguminosas e crucíferas entre as fileiras.
Formam-se assim grandes corredores biológicos constituídos por árvores, heras, arbustos e muitas outras espécies vegetais. No final de fevereiro e início de março, um pastor com suas ovelhas é chamado para “aparar” os excessos e concomitantemente adubar o solo.
“O que é preciso são solos vivos, vinhas bem nutridas e nunca traumatizadas para ter uvas em perfeitas condições que darão vinhos vivos e vibrantes”, diz Eduardo Guerin, diretor técnico de Clos de l'Oratoire des Papes, que também cuida dos vinhos de Ogier.
A sede de Clos de l'Oratoire des Papes é um edifício que remonta à época dos Príncipes de Orange, no século XVI. Dois séculos depois, a diocese de Avignon decidiu estabelecer uma residência para os seus monges no lugar e transformou-o em Priorado. No século XIX, o local foi reaproveitado para armazenar sal de uma mina, mas posteriormente foi abandonado.
Em 2014, foi realizada uma reforma completa e hoje o Priorado é dedicado à vinificação e envelhecimento dos vinhos Clos de l'Oratoire des Papes. São três caves dedicadas a cada um dos vinhos: a do vinho branco com cubas em forma de tulipas, a do vinho tinto com cubas troncocônicas de 75 e 100 hectolitros, e a da cuvée Les Chorégies com seus tonéis de 18,7 hectolitros especialmente projetados para serem alojados pelo Priorado. As caves foram escavadas em um solo com mais de 15 milhões de anos e estão ligadas ao corpo do edifício por um túnel usado antigamente pelos monges.
O vinho branco do Clos de l’Oratoire des Papes é produzido com uvas Grenache Blanc, Bourboulenc, Clairette e Roussanne em cachos inteiros. É uma prensagem “champenoise”, muito delicada, que dura entre 7 e 8 horas em vez de 2 horas em média, com o objetivo de obter o mosto mais puro possível. Parte da vinificação é realizada 80% nas oito cubas de concreto em formato de tulipa e 20% em barricas de carvalho francês de 300 litros. O Clos de l’Oratoire des Papes branco é envelhecido em uma cave de 6 metros de profundidade. O envelhecimento é feito sobre borras e pratica-se a bâtonnage na barricas.
A vinificação do Clos de l’Oratoire des Papes tinto ocorre em uma cave no coração do edifício do Priorado que consiste em 11 cubas troncocônicas de carvalho francês de 75 e 100 hl. Ele é um blend dos quatro terroirs da denominação com predominância de Grenache, mas com aportes de Syrah, Cinsault e Mourvèdre.
A cofermentação tem o objetivo de misturar variedades de uvas de diferentes tipos de solo dos terroirs de Châteauneuf-du-pape. Segundo Guerin, a Syrah plantada em terrenos argilosos equilibra a Syrah de solo calcário, por exemplo. A combinação de solos de seixos e os ditos “safre” é fundamental para esta cuvée, pois os seixos são a assinatura de Châteauneuf-du-Pape e conhecidos por dar mais volume de álcool, frutas confitadas e potência ao vinho, enquanto os safres, muitas vezes tornam os vinhos mais delicados, com taninos sedosos, frutas negras e com maior finesse.
Os primeiros 12 meses de envelhecimento são realizados em barricas de carvalho, seguindo-se para cubas de cimento durante seis a nove meses. Os vinhos passam dois invernos amadurecendo nas caves e o engarrafamento ocorre na primavera.
Além do branco e do tinto, Clos de l'Oratoire des Papes produz uma cuvée de parcela única chamada “Les Chorégies”, cuja tradução seria “as corégias”, que são os antigos teatros romanos. É uma parcela de vinhas velhas plantadas na década de 1960 em solos compostos por seixos e safres. Grenache, a principal variedade desta cuvée, representa 90% do blend.
O vinhedo, na verdade, está dividido em quatro parcelas. A primeira se chama “Lagrande”, localizado em La Crau Est com uma área de 1,6 hectare. A segunda, “Pignan”, virada a noroeste, estende-se por 1,3 hectare. “Saintes-Vierges” é plantada com Mourvèdre e representa 3% da mistura. Syrah, com 7% do blend, vem de “LaBigote”, com 1,3 hectare.
A colheita é feita à mão e os cachos são meticulosamente selecionados. A Grenache preservada inteira é levemente esmagada. A Syrah é parcialmente desengaçada e delicadamente extraída. Ambas são vinificadas exclusivamente em tonéis de carvalho de 18,7 hl, uma singularidade em Châteauneuf-du-Pape.
“Eles nos permitem maximizar a superfície de troca entre a casca e o mosto, trazendo estrutura e complexidade à cuvée”, diz Guerin. A fermentação alcoólica dura de 8 a 10 dias. Uma longa cubação, que pode chegar a 7 semanas, permite produzir vinhos com taninos delicados. O envelhecimento dura 12 meses em barricas de carvalho francês, depois 8 meses em cubas de concreto antes de o vinho repousar na garrafa por pelo menos 18 meses.
Da mais profunda tradição de Châteauneuf-du-Pape, Clos de l'Oratoire des Papes é um símbolo da essência do vinho local, que vai muito além dos ícones representados em seu emblemático rótulo.
Este tinto é elaborado com as cepas Grenache, Syrah, Mourvèdre e Cinsault de vinhas de cerca de 40 anos de idade. Apresenta cor vermelho rubi intensa e aromas complexos de frutas vermelhas e negras com nuances de especiarias, que são muito elegantes. Em boca, sua alta acidez bem equilibrada com corpo médio e taninos marcantes, porém bem macios, além da longa persistência, são os pontos extraordinários desse tinto.