Em termos técnicos, o terroir exige um esforço de entendimento, mas tudo pode ser resumido em uma boa taça de vinho
Guilherme Pinz Publicado em 18/07/2022, às 07h15 - Atualizado em 13/01/2025, às 07h30
Plantamos videiras para fazer sucos e vinhos há mais de 5.000 anos, e isso significa que tivemos várias experiências positivas e negativas no processo.
Isso implicou na evolução dos aspectos tecnológicos e no conhecimento mais apurado das coisas que se relacionam a este mundo fascinante. Não cabe elencar aqui elementos históricos dessa evolução, mas há um termo que continuamente movimenta empolgadas e acaloradas discussões no mundo vitícola: o terroir.
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Uma pequena palavra que tem origem linguística no latim e expressa/explica de uma maneira bem simples a configuração de um determinado espaço geográfico para a produção de um gênero agrícola. Este termo é aplicado a outros cultivares, mas, ao longo do tempo, colou nos aspectos da vitivinicultura.
Em termos técnicos, o terroir realmente exige um esforço de entendimento, pois envolve um universo de variáveis físicas e bióticas para se consolidar. Essas variáveis estão vinculadas ao contexto da geologia, geoquímica, solos, água, clima e à própria planta da uva.
Cada planta se sente melhor no lugar que mais lhe agrada; assim como nós, humanos, que escolhemos um lugar para morar e ali vivermos e nos abastecermos das coisas que precisamos para nos mantermos vivos. E este lugar é o terroir em que ela efetivamente se adapta.
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Este terroir correto é o que lhe dá a possibilidade de melhor se desenvolver. Naquele local, a própria planta desenvolve um sistema radicular que se adapta conforme a necessidade de suprir suas carências nutritivas.
SINGLE QUINTA – Produzidos sob as mesmas normas seguidas pelos Vintage, entretanto a partir de uvas provenientes de um único vinhedo.
Esse processo de assimilação do substrato estimula um start bioquímico que libera e formata a estrutura da característica organoléptica futura do vinho. Ou seja, traz o DNA do substrato do local com toda a cartela de elementos químicos desde a rocha até a fruta; numa espécie de “estrada química-orgânica”.
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Outrossim, particularmente, cada varietal capta e processa os elementos necessários para o seu desenvolvimento (de sua família). Isso implica que cada um precisa estar no seu ambiente de terroir correto para o seu pleno desenvolvimento.
Temos que ter em mente que o fator terroir é nada mais que uma relação de troca entre a planta e o local onde ela está plantada. Essa relação envolve mudanças iônicas, açúcares, seiva, água, minerais, aminoácidos e outros tantos. E essas são diferentes conforme o contexto local.
Por exemplo, locais onde existem rochas calcárias no substrato devem liberar mais cálcio e magnésio para a planta. Locais onde existem granitos tendem a liberar mais potássio e alumínio. Locais onde existem rochas vulcânicas (basalto) tendem a liberar mais ferro e manganês, e assim sucessivamente.
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Essa relação de troca ocupa espaços geográficos distintos – que podem ir de poucos metros a dezenas de metros quadrados, nunca a centenas. Esses espaços se devem à formação dos solos oriundos do “apodrecimento” das rochas. Esse processo gera uma gama de minerais e elementos químicos que ficam disponíveis no solo, e eles se compartimentam em espaços não muito grandes. E aí entra o termo microterroir.
Em uma simplificação e generalização, os distintos terroirs no planeta estão sobre quatro grandes compartimentos geológicos (rochas):
Todas as regiões vitivinícolas no mundo estão sobre um ou outro compartimento acima listado. Cada compartimento gera vários tipos de solo devido à alternância de minerais que ali na rocha existem, formando “bolsões” geoquímicos. Cada compartimento possui a tendência de disponibilizar elementos químicos padrões em cada um deles, ou seja, é possível saber com isso o tipo de rocha que existe lá embaixo só com a identificação dos elementos químicos disponíveis no solo.
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Ainda, o solo pode ter as seguintes granulometrias (tamanho dos grãos minerais). Abaixo você encontrará a textura, a granulometria em mm e suas definições populares:
Mas os solos podem ter inúmeras denominações mundo afora. Se alguém quiser ir mais a fundo, sugiro pesquisar a “Classificação Brasileira de Solos – Embrapa (2006)”.
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Então, quando estiverem visitando um determinado terroir, sugiro utilizar a seguinte lógica:
Compartimento ígneo: solos pobres e pouco espessos no geral. Solos ricos e espessos nos basaltos somente. Possuem muito silício, alumínio, potássio, magnésio e sódio (são os predominantes, com o ferro predominando nos basaltos). São elementos que facilitam a circulação de nutrientes pelo cilindro vascular da planta. Isso implica em transmitir aos vinhos estrutura, complexidade, mineralidade e aromas de elementos naturais vegetais e terrosos. Esse estilo de solo é encontrado em Yarra, na Austrália, Colchagua, no Chile, e na Serra da Mantiqueira. Busque os Sauvignon Blancs e Syrahs dessas regiões e confira as características organolépticas.
Compartimento metamórfico: solos pobres e pouco espessos, que possuem muito ferro, magnésio, alumínio, cálcio e boro (predominantes). São elementos que favorecem muito os aromas frutados, a complexidade e definem a estrutura de um vinho. De maneira geral, intensificam a presença da cadeia de ácidos e polifenóis. O solo metamórfico é encontrado em locais como a Toscana, o Priorat e o Vale do Maipo, no Chile. A Sangiovese é uma das castas que trazem a complexidade do solo.
Compartimento sedimentar: locais onde há calcário têm solos espessos e ricos. Nas outras rochas, os solos são pobres e pouco espessos. Predominam o cálcio, manganês, silício e alumínio. Também aqui esses elementos facilitam a circulação de nutrientes pelo cilindro vascular da planta. Propiciam uma destacada mineralidade e marcante estrutura aos vinhos. Esse estilo de solo é encontrado no Vale de Uco e na Borgonha.
Compartimento de depósitos sedimentares: é o mais complexo de todos devido ao fato de ali no substrato conter de tudo um pouco. Essa complexidade do solo leva aos vinhos uma complexidade organoléptica e estrutura marcantes. Geralmente possuem solos argilosos a pedregosos espessos e muito ricos. Há grandes regiões vitivinícolas nesses locais. Para se “prever” os vinhos, pode-se ver a predominância de tipos/pedaços de rocha que existem no perfil do solo. Se tiver pedaços de calcário, deve acontecer algo parecido com o compartimento de rochas sedimentares, por exemplo.
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Claro que outros elementos podem – e vão – influenciar no vinho, trazendo características marcantes e, por vezes, similares. Mas o solo é, sem dúvida, um dos fatores principais.
Assim, busque na sua próxima degustação fazer esse comparativo e veja, na prática, a influência do solo sobre o vinho.