Latada, espaldeira, gobelet, guyot... Os métodos de condução têm diferentes influências e funções
Anderson de Césaro Publicado em 25/04/2019, às 14h30 - Atualizado às 16h32
Conduzir é sinônimo de transmitir, de guiar. Podemos conduzir uma pessoa, um veículo ou mesmo uma conversa. Geralmente, quando conduzimos, estamos, pensamos, ou tentamos estar no comando.
Estima-se que o homem e a videira estão coevoluindo desde 8.000 a.C. Nesse período de tempo, ele domesticou a videira silvestre, mostrando sua capacidade de selecionar e cultivar as espécies para aprimorar a qualidade e aumentar o rendimento dos frutos.
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No longo processo de domesticação e cultivo, o homem – vamos chamá-lo de viticultor – desenvolveu e aprimorou uma série de técnicas para ter as videiras sob seu controle e, com isso, espera lograr frutos aptos a uma perfeita vinificação. O viticultor quer conduzir suas videiras assim como o pastor quer conduzir suas ovelhas.
O que chamamos de condução da videira é o conjunto de inúmeras técnicas empregadas no cultivo. Esse conjunto inicia-se com o plantio da pequena vinha no solo e segue durante toda a vida do vinhedo, período de tempo que pode ultrapassar um século. Essas técnicas variam de região para região, e o fator preponderante é sempre o conhecimento. Esse conhecimento é adquirido principalmente pela capacidade de observar como a planta se comporta frente às variáveis impostas no ambiente.
Quando citamos sistema de condução da videira, logo pensamos no formato como o vinhedo é construído. Isso não está de todo errado, mas tecnicamente é mais adequado chamarmos o “formato do vinhedo” de sistema de sustentação da videira. Logo, isso faz parte do conjunto de técnicas que compõem o sistema de condução da videira, ou seja, a sustentação é apenas um dos inúmeros elementos da condução.
Para definir como conduzir o seu vinhedo, a principal pergunta que o viticultor precisa responder é: qual será a finalidade das uvas que irei produzir neste lugar? Esta pergunta é um pouco complexa e requer certa experiência sobre o local de cultivo e seu potencial, pois deve-se levar em consideração estudos conduzidos na região ou, na ausência destes, adaptar estudos de locais com solos e clima similares. Além dessas questões edafoclimáticas (solo e clima), deve-se considerar a disponibilidade de recursos financeiros, a disponibilidade de mão-de-obra especializada e, principalmente, as demandas e oportunidades do mercado.
Esse conjunto possibilita ao viticultor lograr desde abundantes produções até grande qualidade, mas, geralmente, esses dois parâmetros estão em lados opostos da balança; e o seu equilíbrio depende quase que exclusivamente da condução que é dada à videira.
Com isso, é possível identificar qual a melhor forma de conduzir um vinhedo em um determinado local, com uma finalidade específica, e, se as escolhas forem acertadas e bem conduzidas, o resultado poderá ser um vinho adequado à demanda.
Um vinhedo pode ser cultivado sob um sistema de sustentação (formato) complexo ou mesmo sem sistema de sustentação. Neste último caso, a videira é plantada diretamente sobre o solo, lançando seus brotos e frutos livremente. Isso só é possível em um clima extremamente seco, do contrário, os frutos não chegariam sadios ao ponto de colheita. A produção nesse sistema é extremamente baixa e o cultivo, praticamente antieconômico.
Também rudimentar é o curioso sistema em que as videiras apoiam-se e agarram-se em árvores. Essas videiras geralmente assumem grandes dimensões e frutificam pouco, rendendo poucos frutos e exigindo grande esforço humano para o cultivo e colheita.
Formato de sustentação do vinhedo é apenas um dos inúmeros elementos da condução
Para facilitar o entendimento, podemos pensar no sistema de sustentação da videira como um exoesqueleto que auxilia na sustentação de um corpo invertebrado. Esse corpo invertebrado (a videira, no caso) agarra-se ao exoesqueleto (sistema de sustentação) por meio de estruturas especializadas, as gavinhas, ou é amarrada a ele pelo viticultor. As gavinhas, por sua vez, ao tocarem um corpo qualquer, tratam de enrolar-se nele, possibilitando assim uma consistente sustentação à videira.
Na latada, ou pérgola, a vinha é sustentada horizontalmente sobre um pergolado e o rendimento é maior
Entre os sistemas de sustentação mais modernos e difundidos, podemos citar o Gobelet ou vaso, em que a videira é apoiada apenas por uma estaca e esta pode ser removida ao passo de uma década. Após esse tempo, a planta já terá engrossado seu pequeno caule e ele terá condições de sustentá-la. Ela assumirá o formato de um pequeno vaso. Esse sistema é difundido na árida Espanha. A produtividade geralmente é bastante reduzida.
Depois, temos a latada ou pérgola. Neste sistema, a videira é sustentada horizontalmente sobre um pergolado aproximadamente dois metros acima do solo. Isso permite que o viticultor aproveite melhor pequenas áreas, possibilitando o cultivo de outras frutas e legumes à sombra das videiras, melhorando a produtividade das pequenas propriedades.
Permite também que os frutos se mantenham distantes do solo e bastante protegidos da radiação solar direta. As colheitas têm rendimento abundante, porém requerem grande emprego de mão-de-obra.
A espaldeira é o sistema mais moderno e mundialmente difundido. Nele, a videira assume o formato de uma pequena cerca, geralmente com até dois metros de altura. Os brotos são dispostos verticalmente em posição ascendente. Esse sistema é bastante prático, facilita o manejo e permite até mesmo mecanizar todo o cultivo. Também permite que uma maior superfície foliar nutra os cachos, favorecendo assim rendimentos equilibrados e qualitativos.
Esses quatro sistemas de sustentação apenas ilustram a variada gama de possibilidades de sustentação da videira. Existem inúmeras outras variações que dão origem aos mais curiosos sistemas, e todos possuem certas vantagens e desvantagens.
Outro elemento muito importante que compõe a condução da videira é a poda. Ela divide-se em poda de inverno, ou seca, geralmente feita durante o período de dormência da videira, e em poda de verão, ou verde, geralmente feita durante o período em que a planta está em plena atividade vegetativa.
A poda de inverno define como será a arquitetura da videira e condiciona o vigor, pré-determinando colheitas mais abundantes ou mais qualitativas. É feita geralmente entre o final do inverno e o início da primavera, e promove a remoção de grande parte dos brotos do ciclo anterior, gerando uma renovação da planta, preparando-a assim para o novo ciclo vegetativo. Conforme a variação dessa poda e a região em que é praticada, ela se torna conhecida por um nome, por exemplo: guyot simples, guyot duplo, guyot triplo, guyot quádruplo, mendoncino, royat, royat duplo, cordão, cazenave, arqueto, arqueto duplo, cabeça, esporonada, bordalesa etc.
Independentemente do tipo, geralmente a poda invernal é um momento de grande concentração e introspecção para o viticultor, afinal aqui se está iniciando um novo ciclo, tanto para a videira quanto para ele.
As podas em verde compreendem a remoção de brotos, a retirada de folhas e o raleio de cachos – apenas para citar as três principais atividades. Elas são secundárias e vão complementar a poda de inverno, e manter a videira dentro dos objetivos propostos, mas não por isso são menos importantes e determinantes para a qualidade dos frutos.
Dependendo da região e do tipo, as podas podem ser conhecidas como guyot, mendoncino, royat, cordão, cazenave, arqueto, cabeça, esporonada, bordalesa etc
Na remoção dos brotos ou desbrota, selecionam-se os brotos de adequado vigor e sanidade, e eliminam-se os excedentes e deficientemente expostos ao sol. Essa prática promove uma acomodação das folhas e frutos da videira no sistema de sustentação, dando uma adequada formatação da planta. Pode ser feita em vários momentos do ciclo vegetativo, mas é importante que a primeira seleção e remoção dos brotos seja feita antes de eles atingirem 15 centímetros de comprimento, favorecendo assim o desenvolvimento dos brotos remanescentes.
A retirada de folhas é a poda em verde mais conhecida e difundida, pois a desfolha é uma atividade relativamente simples e que promove uma adequada exposição dos jovens cachos à radiação solar, favorecendo muito a melhora qualitativa do produto final. O raleio de cachos nada mais é do que selecionar os melhores e mais bem expostos e eliminar os excedentes, doentes ou defeituosos, favorecendo uma completa maturação dos remanescentes. Essa atividade é feita semanas antes da colheita e sempre implica em menor rendimento e aumento do potencial enológico das uvas.
Assim, citamos apenas alguns exemplos de interações na condução da videira, sendo que infindáveis outras intervenções são possíveis.
Não podemos nos esquecer de que a videira é uma planta trepadeira, perene, de ciclo anual e caducifólia, ou seja, perde suas folhas no período invernal e entra em dormência até que a temperatura do ambiente volte a aumentar promovendo a nova brotação.
Isso permite que certos erros possam ser corrigidos nos próximos ciclos e que acertos possam ser aprimorados. Mas o regime climático de um ciclo pode ser bem diferente no outro e isso exige que o viticultor esteja sempre atento para conduzir suas videiras com a mesma destreza que um velejador maneja as velas do seu veleiro.
Essa complexa possibilidade de interação torna o vinho uma bebida fascinante, única e cultural. Para saber se o homem e a vinha estão bem integrados, podemos observar se o vinho de uma determinada região é mais elegante e equilibrado quando elaborado com uvas provenientes de videiras jovens ou de vinhas velhas. Quanto melhor e mais evoluída essa interação, melhores os resultados ao longo do tempo.