Raixo-X do ícone na safra 2017
Christian Burgos Publicado em 02/09/2019, às 17h13 - Atualizado em 03/09/2019, às 10h14
União de culturas Almaviva une França e Chile, Château Mouton Rothschild e Viña Concha y Toro
Quando escrevemos esta matéria, Almaviva 2017 estava a alguns dias de ser lançado na Place de Bordeaux. E seu diretor e enólogo, Michel Friou, nos apresentou a safra em um jantar exclusivo. Um dos enólogos mais técnicos que conheço, Michel tem uma personalidade multidimensional como seus vinhos. Ao mesmo tempo tímido e brincalhão, ele conjuga um profundo conhecimento com o genuíno interesse pela opinião dos outros.
Michel faz apenas 2 vinhos: Almaviva e seu "second vin", Epu (que por hora só é vendido no Chile e Brasil). Por isso, seu trabalho está definido pela profunda sintonia com seu vinho e seu vinhedo, e menos às experimentações e excentricidades. Apesar disso, sua mente curiosa estuda e analisa tudo que acontece no mundo do vinho, sobretudo no Chile. Para ele todos tem seu papel, e cada um deve realizar bem o seu. Nesse contexto, Michel enxerga os pequenos projetos como oxigenadores e catalisadores de mudanças importantes na indústria.
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Comparo a relação de Michel e seu Almaviva à de um piloto de Fórmula 1 pilotando uma máquina de ponta. O desafio está em manejar os milisegundos. Um trabalho que somente gente com este apego ao estudo, conhecimento e detalhe consegue executar com maestria. Isto não quer dizer ausência de riscos (até porque a natureza os provê com abundância), mas quer dizer enfrentar situações de risco de forma determinada, decisiva e amparado pelo conhecimento e experiência. E, num contínuo, incorporar o aprendizado no arcabouço de conhecimento e ferramentas.
Foi assim nas últimas 3 safras de Almaviva. 2015 foi o vinho Miss Universo, com tudo no lugar, equilibrado, beirando a perfeição de frutas cristalinas e taninos precisos. Um vinho polido e sem arestas, do tipo que nos faz suspirar. O 2016 foi um pouco mais rebelde, e com a beleza da rebeldia, muito fresco, vibrante e com taninos graniticos e profundos, a perfeição da imperfeição.
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Chegamos para degustar o 2017 pensando para qual dos dois lados iria. E ele não foi para nenhum dos dois... A explicação é simples: respeito ao terroir.
Almaviva é sempre Almaviva, mas lembre-se de que estamos falando de milissegundos, e que cada uma das três safras foi esculpida pelo clima de seu ano. 2015 um ano equilibrado como seu vinho, 2016 um ano frio e 2017 um ano quente. Assim, cada vinho foi pintado com as matizes que o clima entregou.
Segundo Michel, algumas pessoas dizem que 2017, além de mais quente, foi muito seco, mas ele argumenta que "se tomamos os dados de junho de 2016 a maio 2017 temos apenas 178 ml de chuva”. Mas, acrescenta, “se agregamos a chuva que caiu em abril e maio de 2016, chegamos a 300 ml, e isto formou uma reserva hídrica." Gostamos de datas de corte, mas a sabedoria de Michel nos lembra que a natureza vive um ciclo infinito. Quanto à temperatura, ele concorda que foram altas, e como sempre tem dados para corroborar sua análise: "a temperatura do ano foi 2 graus mais elevada que o promédio, o que é muito!"
Nesta safra, era aí que estavam os milisegundos a tirar. Um ano quente e muito precoce. "Colhemos o Merlot em 9 de março, três semanas antes do normal. E o primeiro Cabernet Sauvignon em 10 de abril. Terminamos a vindima em 27 de abril ao invés de fim de maio." Além de precoce, a safra teve o rendimento muito mais baixo "quase 40% menos nas vinhas antigas". Mas fique tranquilo que a média de 15 mil caixas de Almaviva está garantida. "Em um ano normal, Almaviva usa em torno de 55% das uvas, Epu 15% e vendemos 30% a granel. Esse ano, Almaviva usou quase 60% da produção" diz Michel.
Almaviva 2017, Almaviva, Chile VCT, Clarets e Devinum AD 95pts
Este ano o blend foi 65% Cabernet Sauvignon , 23% Carmenére, 5% Cabernet Franc, 5% Petit Verdot e 2% Merlot, com 14,5% de álcool.
O nariz é exuberante, com muita fruta que em boca se revela mais madura que no nariz, graças ao frescor de mentol, cassis e um moccha da madeira, típico de um vinho ainda jovem em garrafa. A boca é uma festa com muita fruta. Ameixa madura, opulenta e vibrante. O Merlot volta ao corte após anos, mas é o Petit Verdot que sela este vinho com sua maior participação histórica, contribuindo para a carnosidade, característica que marcam o meio e fim de boca. Além da explosão de frutas, a textura de taninos musculosos e ao mesmo tempo doces encantam neste vinho, juntamente com um perfil profundamente salino, que contribui para fazer de um vinho com esta força um grande parceiro da boa mesa. CB
- o cliclo da natureza não começa e nem se encerra em uma data do calendário. A chuva de um ano forma uma reserva hídrica que ajuda a colheita seguinte;
- em anos muito quentes, fazer menos remontagens é fundamental para controlar a extração e garantir elegância;
- a salinidade nos anos quentes é explicada fisicamente. Podemos ver que nos desertos o sal aflora. O mesmo acontece nos anos onde as chuvas (por insuficiência) não diluem e aprofundam o sal no solo.
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