Pai de vinhos singulares, ele comenta e degusta rótulos das últimas 20 safras da vinícola chilena
Redação Publicado em 23/08/2021, às 15h00 - Atualizado às 15h53
Felipe Tosso e Ventisquero comemoram vinte safras
As histórias de Felipe Tosso e da Ventisquero se entrelaçam de uma forma que é quase impossível as desvencilhar.
Ele foi o responsável pela primeira safra, no ano 2000, quando – após iniciar o projeto com os nomes Viña Lo Miranda e Viña Vial – o empresário Gonzalo Vial decidiu rebatizar sua vinícola, que, a partir daí, se tornaria uma das potências do Chile.
Ao assumir a Ventisquero, Tosso era recém-saído da Concha y Toro, tendo participado da criação de nada menos que Don Melchor e aprendido muito com o lendário Jacques Boissenot, na época consultor desse ícone da vitivinicultura chilena. Tosso, aliás, dá crédito a vários “professores”, como Pablo Morandé e também seu amigo John Duval, ex-enólogo da Penfolds até hoje consultor da Ventisquero.
Para celebrar as 20 safras da história de Ventisquero – que também são a sua história –, Tosso foi instigado a criar um vinho especial.
Felipe Tosso e John Duval, ex-enólogo da Penfolds e hoje consultor da Ventisquero
E fez algo bastante singular: um vinho que é literalmente uma homenagem a todo esse tempo e aprendizado, não só no nome, mas pelo fato de ser um corte com todas as safras desse período (ver resenha do “Homenaje” ao final). Para compreender esse vinho, ou melhor, essa história, ADEGA não apenas conversou com Tosso, mas provou com ele alguns dos ícones da vinícola em safras por ele selecionadas.
ADEGA: Como mudou sua visão do vinho de 20 anos para cá?
Felipe Tosso: Há 20 anos, o desafio era diferente porque, antes de tudo, partimos apenas de vinhedos próprios, e novos. Então o desafio era poder fazer bons vinhos. Eu já tinha trabalhado em linha de média e alta gama em Concha y Toro, mas lá tinha alguns vinhedos velhos, bem conhecidos, então foi uma questão de aprender tudo de novo, fazer um mapeamento, um trabalho muito duro para entender o que estávamos fazendo. O mais incrível é que quando tinha 30 anos, o ímpeto não é bem entendido, o desejo, a força, tudo isso talvez seja um pouco arrogante. Não tínhamos medo, nem respeitávamos nada. E sempre acreditamos que podíamos ser uma vinícola sem muitos limites. Mas foram outras épocas em que os vinhos e os álcoois tinham de ser grandes. Os vinhedos eram muito jovens, vinhos com muito mais taninos, mais extração, fortes e poderosos. Depois disso, de entender os vinhedos, o solo específico vai entrar nessa equação, entender as “pedras”, calcário ou granito... Hoje em dia, a reflexão sobre os vinhos que fazemos é que eles são puros de origem. Não misturamos Maipo com Apalta, não misturamos Casablanca com Leyda, não misturamos Atacama com Leyda, somos, nesse sentido, muito puristas. A origem é mais forte do que qualquer coisa que você faça. É mais forte que o estilo, é mais forte que colher mais maduro, menos maduro. De alguma forma, o terroir é muito mais potente. Há um antes e depois que se reflete no ano em que lançamos Enclave, Tara e GSM, em 2013. Foi uma linha muito diferente, muito disruptiva. Diria que depois de muito tempo, hoje vem de novo uma nova etapa, com experimentações, com alguns temas pequenos, vários outros projetos estão por vir. Deixamos os projetos amadurecerem um pouco e agora vamos apresentar novos que já estão em andamento, alguns dos quais já existem há cinco ou sete anos, mas não lançamos ainda porque tivemos que fortalecer o que já havia.
Vinhedo da Ventisquero no pequeno Vale de Apalta no Chile
Há essa dicotomia como uma espécie de Novo e Velho Mundo, de um lado estar sempre falando de novos projetos e do outro aprimorando o que já se faz? Como você gere isso, consolidando vinhos que já são conhecidos e criando novas coisas?
Nosso último lançamento havia sido Enclave da safra 2010. Não fizemos nada por sete anos até Obliqua, que era um projeto que estava dando certo, mas era apenas um projeto. Em um ponto tínhamos 17 projetos ao mesmo tempo. Tudo que vamos lançar são coisas que a gente tem pensado há muito tempo, fazem parte de projetos que existem e que já experimentamos nos vinhos que já temos. A beleza do Velho Mundo é que você faz algo e se concentra muito naquilo, muitas vezes em uma ou duas variedades. Eu poderia viver de Cabernet puro, aqui tenho 30 terroirs diferentes de Cabernet. Poderia simplesmente me dedicar a isso, e seria muito bom. Mas acho que o Novo Mundo exige mais para um enólogo, pois precisa ser bom em tudo – mas se não pode ser bom em tudo, e, sim, deve-se ter uma boa equipe. A personalidade é a sua cultura e, no Chile, criar é algo que faz parte da cultura hoje. Você tem que tem que delegar mais e, em Ventisquero, cada enólogo tem sua especialidade. Minha concentração de ideias principal está em Apalta e Maipo. Sou um fã de Pinot Noir, mas não sou o melhor produtor de Pinot Noir. E por isso quem faz é Alejandro [Galaz, da equipe da Ventisquero], por exemplo.
Vamos começar a provar? [A degustação começa com os Grey Carménère 2001 e 2018]. Como os vinhos eram pensados naquela época?
Lembro-me que viajava muito a Bordeaux, tinha estado em Napa, e acreditava que os vinhos tinham que ser para a vida toda. Hoje não faço um Grey Carménère para que tenha 20 anos em garrafa. Faço para que tenha 10 anos e que você beba agora ou em três ou quatro anos, buscando mais a beleza da pureza da fruta. Lembro-me que os primeiros Grey, nos primeiros cinco anos, não dava para beber o vinho, pois era muito, muito forte. Mas era uma época. Sempre digo que, em 2003, quando nasceu Florencia, minha primeira filha, mudou minha maneira de ver a vida e mudou meu paladar. E esse também é o ano em que John Duval [consultor] se junta a nós. Passei a viajar mais a outros lugares. Quando você abre a cabeça, seu paladar também começa a se educar. Antes, meu paladar era basicamente Bordeaux e Napa, e Cabernet chileno.
Você selecionou a primeira safra e última engarrafada, 2018. Quais as diferenças?
A safra 2001 não é um ano quente, é normal. Foi um ano seco, normalmente quente. Já 2018 é um ‘ano de livro’ no Chile, daqueles anos lindos. Para o meu gosto, em toda a minha história, diria que 2018 é o ano climaticamente mais perfeito que já vi. É como se amadurecesse tranquilo, com tempo certo de colheita, sem chuva. Enfim, o nosso trabalho é interpretar todos os anos e conseguir manter o estilo para que o terroir se expresse bem. O 2001 era 100% barrica francesa, muito mais concentrado (hoje tem 35% de barrica nova). Ele perdeu seu aroma primário, é claro, mas ainda tem estrutura, imagine como a gente fez bem naquela época para que esse Carménère ainda tenha bons taninos. Grey Carménère sempre veio da mesma parcela, o bloco 5, um vinhedo de 23 anos, que na época já me parecia o mais equilibrado da área.
Voltando ao Carménère, agora falando do Obliqua, de onde ele vem?
É o vinhedo mais alto em uma montanha basicamente de origem granítica, é pedra pura. Antigamente, tudo ia para a linha Vertice. Obliqua tem estrutura quase que de Cabernet, tem um tema muito mineral. Ele não quer esconder que é Carménère, mas é um Carménère de pedras. É preciso entender que as pedras são diferentes dependendo do lugar. Acho que há muito mais para descobrir com a Carménère. E há uma mudança em como pensar o vinho também.
O que mudou com John Duval na equipe?
Além de ir todos os anos para a Austrália, ele disse: ‘Você precisa ser jurado de concursos de vinhos’. Os concursos abrem sua cabeça. O mundo dos provadores de concurso é muito interessante, porque geralmente não é de enólogos. Eles têm outra visão. O enólogo trabalha, pelo menos muitos deles, a partir do erro. O jornalista, o enófilo, o sommelier, vocês vêm o vinho a partir da beleza do vinho. Nós somos os arquitetos, os construtores. Então o enólogo tem uma visão ruim porque, como ele constrói, é como um arquiteto olhando para uma casa: ‘É linda, mas olha, colocou muito concreto’. Participar dos concursos me ajudou a entender o vinho a partir da beleza do vinho, do lado do consumidor. Nós, enólogos, somos muito críticos dos nossos próprios vinhos.
Quais outros enólogos influenciaram em sua carreira?
Em 2006, trabalhei em Puente Alto com Pablo Morandé, com Eugenia Diaz, que também estava lá, e com Jacques Boissenot. Pablo Morandé me ensinou muito a degustar. Quando estive com Jacques, eu era auxiliar de auxiliar na Concha y Toro. Ele me ensinou a degustar de uma forma que é a ‘primeira impressão’ – principalmente para fazer blends. E com John Duval é exatamente a mesma coisa: gosto e pronto. São aqueles gênios que sabem e já vão começando a fazer os vinhos na cabeça. E Jacques era assim, chamávamos ele de marciano. A degustação termina, vai ao terraço e fuma um cigarro. Genial.
Vinhedos da Ventisquero no deserto do Atacama
Sobre os Cabernet Sauvignon: como eles são pensados?
Enclave é um vinho que fazemos com um pensamento muito mais de Bordeaux chileno. Sem querer ser Bordeaux, claro, mas pensando num blend. Aqui o Cabernet tem 85%, por outro lado, em Grey tem 96%. Grey é muito mais Cabernet e Enclave está buscando muito mais complexidade, com dois grandes vinhedos que são San Juan de Pirque e El Principal, uma mistura 50/50. Se provar, vai ver que existe uma linha uniforme de estilo.
Com o tempo, houve mudanças em datas de colheita, por exemplo?
John dizia que o enólogo precisa sair de férias em janeiro, porque tem que estar pronto para a colheita em fevereiro. Eu dizia: “No Chile, não faço colheita até o final de março, abril, então vou em fevereiro”. Hoje o mundo mudou e tento sair de férias no começo de fevereiro. Porque, às vezes, colho na primeira semana de março coisas que normalmente colhia no final de abril. Hoje, na dúvida, colho mais cedo. Pode haver mais tanino, pode ser um pouco mais verde, mas não posso perder o frescor. Antes a maturidade era tudo, era o mais relevante. Hoje em dia já não é mais, é uma mudança de mentalidade, na forma de fazer. Hoje não quero perder a fruta, a acidez natural, porque a acidez vai me dar o futuro, terei mais senso de terroir. Colhendo maduro, o terroir começa a desaparecer. Em anos quentes como 2014, a gente colhe muito cedo para não perder a origem.
Diz-se que os grandes vinhos são os que vencem o tempo, mas como equilibrar isso? Como ser capaz de envelhecer e ter bons vinhos jovens ao mesmo tempo?
Em níveis como Pangea e Enclave, especificamente, e Obliqua, talvez, penso os vinhos para o futuro. Entendo que eles, quando são lançados, podem ser bebidos porque chegam já muito bons, mas a experiência destes vinhos não é para agora, é para mais tarde. Quando abro garrafas velhas, vejo o prazer da história. Sempre digo que o terroir é mais forte e o que a gente tenta fazer não é errar. Mas quando vou para Grey, não faço isso. É um vinho muito bonito, é feito como um premium, mas a sua construção não é para toda a vida. É um vinho para consumo mais rápido, embora seja de gama alta. Deve-se lembrar que, no início, Grey era o nosso ícone, era o nosso topo de gama.
Você trabalhou muito com Cabernet Sauvignon. Há sempre uma busca por um Cabernet de alta gama?
Há diversas expressões de um Cabernet. Sou bastante conhecido por fazer Cabernet, o que mais fiz na vida, de longe, como qualquer enólogo chileno. Mas houve um tempo de rebeldia, que não queria fazer mais um grande Cabernet, por isso lançamos Pangea, Vertice, Heru. Pangea e Vertice foram vinhos que nos encontraram. Fomos aos nossos vinhedos e reconhecemos onde eles estavam. Enclave é o único vinho em que procuramos um conceito. Descobrimos o que pensávamos que era e então aprendemos com aquele terroir. Porque os vinhos não são nossos. Enclave então é muito mais intelectual. Separamos todos os solos, fizemos 30 vinificações diferentes e reconhecemos as melhores. Vimos todos os Cabernet do Chile e decidimos qual era o que mais gostamos, o que achamos que um grande Cabernet chileno deveria ser. E não vai ser só Cabernet, vai ser um blend, muito intelectual. Hoje já faz parte do nosso estilo, do terroir, e graças a isso saímos em busca de ter mais produtores, para ter mais uvas de fora e nos ‘libertamos’. Acho que essa etapa do Enclave fez muito bem para a vinícola, que reconheceu que nem tudo é seu.
Vinhedo da Ventisquero em Casablanca
No começo, Ventisquero se vangloriava de produzir vinhos somente com seus próprios vinhedos, a mudança ocorreu aí?
Acredito que aqui o aprendizado com o John foi muito forte. John Duval não tem um único vinhedo próprio. Penfolds Grange, um grande ícone, compra uvas até US$ 20 por quilo, e reconhece os melhores Syrah da Austrália. Portanto, é também um caminho, e isso para mim é fantástico, pois você aprende muito. Ter a sua própria vinha ajuda, mas não necessariamente você é capaz de fazer tudo muito bem. E há o fato de não sermos tão jovens como há 20 anos e de não querermos esperar 15 anos para atingir a maturidade de um vinhedo. Acho que chega um momento em que você também tem que ver quais são os seus limites. Nós não podemos fazer tudo.
A história do Syrah de Pangea está ligada a John Duval obviamente, mas como surgiu?
Em 2004, eu não entendia nada sobre Syrah. Apesar de não ter certeza, queria lançar, mas John não. Então é um vinho que tem algo de rebeldia, porque eu disse: ‘John temos que lançar, termine um blend e vamos fazer o que for preciso, 3, 4, 5 barricas, tanto faz, vamos começar algo’. Então 2004 é um vinho que tem aquele lado romântico do ímpeto. E naquela altura parecia muito verde. E John é exatamente oposto ao verde, ele gosta de vinhos grandes, mas não gosta de verdeal. Hoje, todos estes anos depois, este vinho não mostra qualquer tom verde. Lindo. Eu diria que o Pangea mais atípico de todos foi o de 2004 até hoje.
O terroir desse Syrah é diferente?
É um vinhedo em Apalta basicamente de granito laranja, que têm quartzo e muito ferro, e isso dá a mineralidade – que talvez seja o que poderíamos comparar com alguns terroir que de granito, não laranja, mas amarelos, de algumas partes do norte do Rhône. Pangea é um conjunto de pequenas vinificações. Sua complexidade está dentro da mesma variedade. E essa é a beleza de quando você é monovarietal: ser capaz de entender que a mesma variedade dá cores diferentes.
Alguma vez houve pressão para seguir alguma tendência?
Nunca recebemos pressão direta, nem o proprietário nem o gerente geral. Obviamente, é importante ter reconhecimento porque nos ajuda a gerar uma marca em um mundo globalizado. Mas acho que a beleza do clássico é que existe um jeito clássico que continua a existir, e sempre existirá. E hoje há espaço para o novo, o louco e diferente, que também é bonito. Mas o clássico ensina a se focar, ensina o rigor, ensina a compreender, ensina a trabalhar mais do que antes. Hoje está cheio de novos jovens talentos fazendo coisas diferentes. Sou jovem ainda, tenho 51 anos, mas vejo enólogos de 30 anos que estão ‘empurrando o carro’, em uma época que acho muito mais interessante do que antes, mais difícil, porque há mais competição.
Vinhedos de Pinot Noir no deserto do Atacama
Pode-se dizer que Tara seria o mais experimental dos projetos?
Em Tara temos uma história em evolução. Vimos antes um lado mais clássico do Cabernet e Carménère, e talvez também mais conhecido, e, para mim, Tara sempre tem um lado do meio selvagem, extremo, um pouco hippie. Em Tara Chardonnay já usamos 100% aço inoxidável, depois um pouco de fudres, ovos de cimento, já tivemos a obsessão de limpar a turbidez. Hoje vinifico em uma vinícola experimental, pequena, de garagem. Uma parte nova do projeto Tara é que plantamos um pouco de Cabernet Franc e Garnacha. E estamos trabalhando para ver os resultados. Tara tem um conceito muito claro, não usa madeira nova, não carrega em enxofre, nem nada, a experiência principal é a mais próxima de um vinho natural possível. Isso parte do trabalho com os extremos do terroir, a filosofia principal que nunca perdemos. O Chardonnay tem sempre tem o conceito de uma mini solera, com 5 a 10% de vinhos da safra anterior, mas, mais do que uma mini solera, um pouco de mesclas.
Enfim, como chegou a esse Homenaje?
Ao provar, você vai perceber que tudo o que experimentamos antes está nesta garrafa. Ele é só de Cabernet e Syrah. Ou seja, é basicamente uma mistura de vinhos Pangea e Enclave. Os anos em que não tive Enclave, que vão de 2001 a 2010, tem Cabernet de Grey. Na garrafa, há pouco da história de Grey, Pangea desde 2004 até agora, e há um pouco de Syrah de Grey. Cerca de quatro garrafas de cada ano. É uma homenagem aos 20 anos de Ventisquero. Abrimos cerca de 2 mil garrafas. Demoramos um mês para fazer esta mistura. Nunca demoramos tanto em um blend.
Como nasceu essa ideia?
A história é muito, muito maluca. Martín Silva, meu chefe, disse: “Felipe, o que vamos fazer para comemorar 2020?” Minha primeira visão foi: “Vamos pegar algumas caixas de nossas safras antigas”. Pedi todas as safras de todos os vinhos antigos e comecei a provar todos. Já havíamos feito algo parecido anos atrás para um vinho celebrando os 80 anos de Don Gonzalo Vial [dono de Ventisquero], que nunca foi lançado no mercado, apenas para a família. Abrimos uma das poucas garrafas às cegas e todos adoraram. Hoje não lembro exatamente o que fiz (tenho anotado os percentuais), mas tem todas as safras, das barricas de 2018 a 2020 e de vinhos engarrafados de 2001 a 2017. Sabemos que a maior percentagem é de vinho velho e a principal percentagem de vinho está entre 2010 e 2015. Tem um pouco de Cabernet Franc, Carménère e Petit Verdot, pois Enclave tem essas três variedades, mas são 50% vinhos com base de Cabernet e 50% Syrah.
Vinhedo Obliqua da Ventisquero
É um vinho para hoje ou para o futuro? Alguma chance de fazer colocar algo assim em linha?
Quando fiz o blend, achei que ia ter muito mais evolução, mas depois o vinho pareceu muito jovem. É a primeira vez que fazemos algo tão único. Não posso repetir este vinho, não tenho como repeti-lo. É uma celebração, e este é um conceito que queremos manter. Não é um conceito que eu queira fazer todo ano.
Este é um vinho bem mais conceitual, sem tanta relação com o terroir...
Tenho um lado criativo superforte. Se não fosse enólogo teria sido arquiteto, ou cozinheiro, ou coisa assim. Para mim, enologia tem esse lado de criatividade. A beleza deste vinho é que aqui está a história de Ventisquero. Aqui estão as 20 safras, pelo menos três garrafas de cada safra. Se fosse misturar pensando apenas como enólogo, provavelmente não seria 50% Cabernet e 50% Syrah. É um jogo em que você nem sempre se sabe o que acontecerá. Não filtramos e não filtrar, para mim, faz parte da história do terroir, que não pode ir embora em uma filtração. Não há nada que eu veja mais intelectual do que isso, que é a história da família, a história da vinícola, que é a mensagem.
Que conselhos teria dado para si mesmo 20 anos antes?
Ficaria encantado em ter ido comprar uvas mais velhas imediatamente para alguns vinhos. E teria adorado ter plantado mais uvas mediterrâneas antes. Essas duas coisas eu gostaria de ter feito um pouco antes. Demoramos muito para tomar certas decisões. Adoraria ter tido uma vinícola independente em Apalta no começo. Acho que muitas coisas teriam mudado.
Assumiria um projeto diferente hoje?
Para mim seria muito difícil trabalhar em outra vinícola. Você teria que aprender tudo de novo. O aprendizado do terroir é muito lento. Nisso penso muito no Velho Mundo, em que você está em um lugar, um terroir, e está focado, já reconhece cada canto, cada parcela, são muitas horas de trabalho, de caminhar na vinha, de provar a uva. Seguir assim é bom.
Ao provarmos os 11 vinhos selecionados pelo enólogo Felipe Tosso para essa entrevista, é possível traçar um elucidativo panorama da evolução, tanto dele próprio como enólogo quanto da vitivinicultura chilena nos últimos 20 anos.
Vinhedo Trinidad, daqui sai alguns vinhos da linha Grey
Os tintos dos anos 2000 mostraram-se muito vivos e em plena forma, sendo consequência de uma busca por maior concentração, extração e madurez de fruta quando foram elaborados – o que era a tendência na época e que teve seu auge entre o meio da década de 2000 e o início da década de 2010.
Já, quando partimos para os vinhos das safras mais recentes, as notícias são ainda melhores. Há uma mudança no perfil de fruta, buscando maior frescor e profundidade, culminando em um estilo mais fluido, equilibrado e mais pronto para beber quando os vinhos ainda estão jovens. Isso se torna mais claro quando se compara os dois Enclave (2011 e 2014) e os dois Pangea (2004 e 2014). Mesmo num ano mais quente como foi o de 2014, os dois vinhos mostram estilos mais frescos, menos concentrados e com maior nitidez de fruta (o que é muito bem-vindo), em comparação aos exemplares das safras mais antigas.
Durante a prova, surpreenderam: a vivacidade dos Grey 2001; a evolução positiva em garrafa do Pangea 2004; a precisão do Enclave e do Pangea da safra 2014; a qualidade de fruta fresca e viva tanto do Grey Cabernet, quanto do Carménère, ambos da excelente safra 2018; a personalidade única, que reflete o lugar também único de onde vem, do Tara Chardonnay, que é o deserto do Atacama; e, por fim, o blend de safras e de vinhos do intrigante e difícil de enquadrar Homenaje, um tinto que fascina pela harmonia entre evolução e vivacidade, instigando sempre a mais um gole.
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