Fusão definitiva dos Miolo, Benedetti e Randon abre um novo panorama na vitivinicultura nacional
por Christian Burgos
O grupo Miolo vem pavimentando os caminhos da indústria vitivinícola nacional na ultima década e servindo de modelo para tantas outras vinícolas. Adriano Miolo foi o primeiro produtor brasileiro a ocupar as páginas de entrevista de ADEGA e, desde nossa primeira edição, acompanhamos os passos desse “gigante” da produção nacional, nem sempre amado, mas respeitado por todo o mercado.
A promessa de crescer cinco vezes, chegando em 2020 com o faturamento anual de R$ 500 milhões, poderia ser tomada levianamente por qualquer grupo que não tivesse partido de menos de R$ 1 milhão no ano 2000 para R$ 100 milhões de faturamento em 2010 (um crescimento impressionante, de 100 vezes em 10 anos).
Diante da divulgação da fusão das empresas do grupo para a Miolo Wines S/A anunciada no último dia de outubro, ADEGA encontrou com os irmãos Adriano e Alexandre Miolo para uma conversa a fim de trocar ideias sobre o mercado e compreender a sucessão de fatos, positivos e negativos, que conectam a pequena vinícola Miolo de antes do ano 2000 ao seu tamanho e poder atual.
Mudança crucial
Podemos identificar 2009 como o ano de grande transformação. Inicialmente, em março, formou-se a Miolo Wine Group, uma propriedade conjunta das famílias Miolo, Randon e Benedetti, responsável pela distribuição dos vinhos produzidos pelas vinícolas das três famílias. No fim do ano, veio o grande salto, não sem percalços e riscos, com a aquisição da Vinícola Almadén, já em conjunto.
Assim, uma nova visão se estabelecia, visto que, segundo Adriano Miolo, “até aquele momento, a empresa ainda se misturava com a família” e seus sócios eram empresários que estavam anos à frente de sua empresa. Nesse momento, iniciou-se um processo de profissionalização extrema que, aos olhos do mercado, afastava o poder decisório da família com a contratação de um CEO, diretores e gerentes. A companhia inchou e não acertou o passo, mas, algumas vezes, empresários tomam as decisões por um motivo para depois perceber que, errando, acertaram outro alvo.
Empresa cresceu 10 vezes em 10 anos, saindo de menos de 1 milhão em 2000 para 100 milhões de reais em faturamento em 2010. Próxima meta: 500 milhões
Neste caso, a companhia inchou para não perder o valor daquilo que estava comprando e que dobrava seu tamanho. Duplicidades, sobreposições e ineficiências foram construídas, toleradas e até necessárias para garantir que haveria braços além dos necessários para tocar a empresa e, ao mesmo tempo, organizar a fusão.
Nessa fase, ficou claro que o processo de profissionalização nos moldes adotados não era positivo, e nova reestruturação foi feita, colocando novamente os membros da família na responsabilidade de dirigir a empresa, mas com sistemas de gestão e controle modernos; fruto da experiência dos empresários João Benedetti e Raul Randon, este último um dos mais destacados empresários do Rio Grande do Sul e do País, fundador do Grupo Randon.
Miolo Wines S/A é a associação final das cinco empresas – Vinícola Miolo (Vale dos Vinhedos/RS), Projeto Seival Estate e Vinícola Almadén (Campanha/RS) e Vinícola Ouro Verde (Vale do São Francisco/BA), além da comercializadora Miolo Wine Group
Novos planos
Com a fusão atual, a Miolo otimiza suas estruturas, ganha escala e se prepara para os planos dos próximos anos, em que pretende saltar dos atuais 1.200 para 2.000 hectares de vinhedos próprios e dos 12 milhões para 20 milhões de litros de vinhos e espumantes.
Uma arrojada reorganização produtiva e de portfólio pode ser acompanhada desde a compra da Almadén. Este produto sofreu um “extreme makeover”, com redesign e ganho de qualidade (como comprovaram as surpresas que tivemos em ADEGA nas degustações às cegas). Muito além da modernização de rótulos e do fechamento em tampa de rosca, a grande transformação aconteceu no estilo do vinho, que migrou para o seco e que, contrariando o senso comum, ganhou muito mais adeptos do que sua versão “docinha”, demonstrando que o mercado ansiava por um produto abaixo dos R$ 15 com a qualidade de vinhos tradicionalmente mais caros.
Na época da compra da Almadén, todos na Miolo percebiam as centenas de hectares de vinhedos como o grande ativo da compra, mas o tempo revelou a Adriano “que a marca Almadén, apesar de anos sem receber investimentos, era muito forte, um valor que não aparece nos números”. Também nesse período, linhas como a Fortaleza do Seival foram abandonadas para concentrar foco nas marcas mais fortes e marcar o espaço de cada uma no portfólio da empresa.
A construção das instalações vinícolas na Quinta do Seival e a transferência de muitos dos vinhos do Vale dos Vinhedos para lá também ocorrem nessa fase, e resultaram em clara melhoria da qualidade dos espumantes.
Adriano ressalta que “o grupo contará com três marcas fortes. A Miolo fortalecerá seu conceito de marca de vinhos Premium. A Terranova, com conceito jovem e inovador. E a Almadén será potencializada no seu conceito de excelente relação custo-benefício”.
A empresa comercial, Miolo Wine Group, foi um ensaio da futura fusão, em que se identificaram todos os conflitos do negócio – como participação não equitativa nos diversos projetos, conflitos de marca e mesmo de portfólio. Além disso, se por um lado os Miolo tinham algo a aprender no quesito profissionalização de gestão, as famílias Benedetti e Randon tinham o que aprender com os Miolo sobre a indústria do vinho.
Finalmente os sócios reconheceram que, tendo varias empresas e projetos grandes, o período de namoro havia passado e era hora organizar o grupo, afinal de contas Miolo e Benedetti já eram sócios na Ouro Verde desde 2000 e a relação com Randon começou em 2001 com o projeto RAR.
Consultoria
Especialistas como a Price Waterhouse Coopers, que assessorou a Pernod Ricard na venda da Almadén, foram contratados para apoiar essa nova etapa. Adriano ressalta que a consultoria adquiriu muita informação e conhecimento do mercado de vinho na negociação da Almadén e que isso foi fundamental para estruturar um grande projeto de vinhos e montar um grupo que integrava não só a área comercial, mas todo o processo produtivo e os ativos que apresentassem sinergia, se complementassem e fossem capazes de ser incorporados racionalmente.
Nessa avaliação decidiu-se, por exemplo, que os ativos da vinícola Lovara não comporiam a Miolo Wines S/A. Adriano ressaltou que a vinícola butique, que continua sendo atendida pelo novo grupo, é um resgate histórico, “a casa onde se reúne a família e que o negócio de vinho dos Benedetti é a Miolo Wines S/A”. O mesmo aconteceu com os vinhedos do RAR.
Além da Price foram contratados consultores de planejamento estratégico, uma empresa especializada em sucessão familiar (que já trabalhou para a Randon), e que formavam um grupo multidisciplinar que contava até com psicólogos, num esforço de quase dois anos.
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Capital aberto?
A associação final das cinco empresas – Vinícola Miolo (Vale dos Vinhedos/RS), Projeto Seival Estate e Vinícola Almadén (Campanha/RS) e Vinícola Ouro Verde (Vale do São Francisco/BA), além da comercializadora Miolo Wine Group – otimizou as estruturas, como ressalta, rindo Adriano, ao lembrar que “agora não gerimos cinco caixas, mas apenas um, e estamos organizados para gerir uma empresa que em cinco anos passou de 50 para 650 funcionários.”
Do ponto de vista de mercado, ou se tornavam um grupo organizado grande, capaz de fazer frente à nova realidade de gestão ou, ao invés de cinco projetos, deveriam se dividir em unidades ainda menores para acomodar os diversos braços das famílias no modelo de pequena produção e atenção ao enoturismo.
Com a fusão, uma das possibilidades é que futuramente a empresa possa abrir capital em bolsa
Segundo Adriano, no meio desses modelos existe muito pouco espaço para modelos alternativos e o mercado brasileiro deve consolidar-se em três grandes empresas nacionais e tantas outras pequenas vinícolas. Em que pese a realidade de nosso mercado, a Miolo Wines S/A almeja tornar-se um dos três maiores grupos vitivinícolas da América do Sul. Embalado nesse exercício de pensar grande, ADEGA provoca perguntando se em breve veremos a primeira vinícola nacional abrindo capital na Bolsa de Valores e escutamos: “antes de 2020…”