Lalou Bize-Leroy é contra o termo winemaking e se considera guardiã dos vinhos
por Arnaldo Grizzo
Há muitos e muitos anos, o vinho mais caro do mundo é, e continua sendo, o mítico Romanée-Conti, do domaine de mesmo nome. Mas se você der uma olhada na lista dos 50 mais caros do planeta, certamente vai notar um nome recorrente: Domaine Leroy.
Atualmente, no top 50 do site Wine-Searcher (que mapeia preços de varejistas do mundo todo) há nada menos que 17 vinhos de Leroy. Isso mesmo, dezessete e quase todos com valor acima de US$ 3.000 por garrafa. O mais caro, seu Musigny, beira os US$ 20.000, pouco abaixo do Romanée-Conti. E, se considerarmos que a família Leroy é dona de metade do Domaine de la Romanée-Conti (DRC), somam-se aí mais nove rótulos no top 50, contabilizando mais da metade dos vinhos mais caros do planeta.
Nada mal, não? A história de sucesso da também conhecida como Maison Leroy remonta ao século XIX com François Leroy, que possuía a base de suas terras em Auxey-Duresses, mas tinha vinhedos também em Meursault, Pommard, Chambertin, Musigny, ClosVougeot e Richebourg. Na época, ele vendia seus vinhos por meio do Comptoir des Proprietaires de la Côte d’Or, mas, em 1868, decidiu criar sua própria empresa. Durante muito tempo, a família não se concentrou apenas no vinho, produzindo ainda licores e destilados, não só na Borgonha, mas também em Cognac e em Champagne.
Foi Henri, neto de François, quem convenceu os De Villaine, então herdeiros de parte do Domaine de la Romanée-Conti a não vender suas ações na empresa durante a crise dos anos 1920. Contudo, Jaques Chambon, que possuía a outra metade, quis vender e então Henri acabou comprando a parte dele em 1942. Dessa forma, Henri passou a sede dicar à propriedade, juntamente com os DeVillaine, transformando Romanée-Conti num grande sucesso.Henri, que faleceu em 1980, foi um grande visionário e empreendedor.
Desde muito cedo, passou a comprar vinhos de diversos proprietários e engarrafar com seu nome. Hoje, há mais de um milhão de garrafas que remontam a 1919 nas caves de Leroy, descrita como a grande “biblioteca” da região.
Em 1955, a filha de Henri, Lalou Bize-Leroy entrou no negócio da família. Incentivada pelo pai, ela prontamente se transformou na figura central do domaine e, a partir de 1974, passou a cogerir Romanée-Conti juntamente com Aubert de Villaine. Diz-se que, entre outras coisas, o gênio difícil levou ao fim dessa “parceria” em 1992, quando ela foi retirada da gestão do DRC após um voto contrário de sua própria irmã, Pauline Roch-Leroy.
Na época, a Maison Leroy era responsável pela distribuição dos vinhos do DRC em quase todo o planeta e havia um mal-estar causado por uma possível concorrência entre os rótulos de DRC e Leroy.A partir daí, contudo, Lalou passou a se focar nos vinhos do Domaine Leroy e sua propriedade particular, o Domaine d’Auvenay.
Assim como seu pai, ela expandiu o negócio comprando diversas propriedades nos mais renomados terroirs da Borgonha. Ao todo, o domaine tem hoje cerca de 21 hectares d evinhedos, sendo nove parcelas em GrandCrus (Chambertin, Clos de Vougeot, Closde la Roche, Corton-Charlemagne, Corton-Renardes, Latricières-Chambertin, Musigny, Richebourg e Romanée-Saint-Vivant) e mais sete em Premier Crus.
Lalou é considerada uma figura controversa assim como também extremamente relevante para a história do vinho borgonhês. Ainda nos anos 1960, ela passou a organizar grandes degustações com críticos de vinhos em sua casa, como uma forma de ajudar a dar publicidade para seus produtos.
Em 1988, o domaine passou a ter um novo sócio, Takashimaya, uma loja de departamento japonesa que adquiriu um terço da empresa. E desde 1988, Lalou também decidi deixar a agricultura biológica nos vinhedos familiares e passar tudo para a cultura biodinâmica. Dessa forma, além dos preparos e observância dos astros, Leroy não planta clones. Quando uma vinha morre, ela é substituída por uma seleção massal do próprio vinhedo.
Sua devoção ao terroir é tamanha que Lalou afirma ser capaz de reconhecer a origem das uvas só de prová-las.Em uma entrevista à Forbes, ela pontuou: “Não existe winemaking (vinificação) e não existe winemaker (enólogo)!”. Segundo ela, o termo “maker” (que seria algo como “produtor”, em português) não se enquadra na Borgonha, pois não é possível “produzir o vinho”. “Nós somos guardiões. Nós olhamos, observamos, tomamos algumas decisões, mas são as uvas que vêm primeiro – elas nos guiam. Nosso trabalho é olhar, observar e tentar entender. Esse é nosso trabalho, nosso papel. Sim, nós tomamos decisões, mas realmente não fazemos (make) nada”, garante. Sua relação com o lugar é visceral e sua forma de produzir (ela provavelmente não gostaria que usasse esse termo, então o melhor talvez seria originar) vinhos é a mais natural possível.
Graças à sua determinação em refletir o lugar, há cerca de 30 funcionários em tempo integral cuidando dos vinhedos entre maio e setembro. Suas fermentações, obviamente, ocorrem somente com leveduras indígenas e, quando há safras complicadas, os rendimentos são drasticamente reduzidos.
Já houve casos de o domaine fazer apenas pouco mais de 100 barricas em um ano.Octogenária, Lalou continua atuante e ferrenha defensora da biodinâmica e do terroir da Borgonha. Em entrevista recente ao site LesEchos, ela resumiu: “Richebourg, Saint-Vivant, Musigny, Chambertin, Corton-Charlemagn e não falam da mesma forma, é nossa missão fazer com que as suas vozes sejam ouvidas. As uvas são médiuns da mensagem da sua terra, que gravou em sua carne os estigmas da rocha, o perfume de suas vinhas em flor e as forças do cosmos. Vinificar é tentar compreender esta transmutação da planta em líquido vivo, a alquimia, uma tremenda lição de vida”.