Trabalhadores que participaram da colheita na Serra Gaúcha foram explorados e submetidos a condições análogas a escravidão
por Christian Burgos
Não deveria ter que começar este texto assim, mas somos terminantemente contra a exploração de trabalhadores em qualquer indústria. Acreditamos que a sustentabilidade não é sobre o meio ambiente e envolve a relação com os seres humanos em nossa “terroir”.
Ficamos revoltados com a descoberta de trabalhadores em situação análoga à escravidão participando no nosso universo vitivinícola no Brasil. Foi o estopim para reações acaloradas que iam de demandas justas e bem intencionadas de consumidores por esclarecimentos até movimentos agressivos de aproveitadores politizando e simplificando um tema sério.
Como sempre que algo importante acontece no vinho fomos acionados com questionamentos de leitores e de players de nossa indústria. Muitos pediam nossa opinião. Decantamos o tema um pouco para continuarmos fiéis aos nossos valores de sempre: servir e informar ao leitor, ajudando a cultura do vinho e o comportamento ético do mercado.
Não podendo apenas balizar nossa avaliação em opiniões, ouvimos fontes primárias sobre o assunto e decantamos a informação, que apresentamos aqui na forma mais direta o possível, para você tecer sua própria opinião.
Vergonhosamente trabalhadores que participaram da colheita na Serra Gaúcha foram explorados e submetidos a condições análogas a escravidão.
Esses trabalhadores foram aliciados na Bahia pela empresa Oliveira & Santana e foram resgatados durante um flagrante realizado em conjunto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pela Polícia Federal e pela Polícia Rodoviária Federal.
Os procuradores relataram, após entrevistar as vítimas, que os trabalhadores eram alojados em condições precárias, onde recebiam comida imprópria e eram impedidos de partir por conta de dívidas que contraíram com o empregador. Essas dívidas incluíam o transporte até o Sul, e também o que compravam num único estabelecimento permitido, que cobrava preços abusivos. Como se isso fosse pouco, ainda foram agredidos com spray de pimenta e aparelhos de choque. Um grupo conseguiu fugir e pediu socorro.
Tudo isso é inaceitável, revela um nível de sordidez revoltante e exige justiça.
Aliás, a justiça tem agido com a seriedade e sobriedade esperada, garantindo antes de mais nada o resgate destes trabalhadores, participando da regularização dos pagamentos e transporte de volta à Bahia.
Entre a cacofonia de opiniões e algumas notícias que tomou conta das redes sociais, fomos escutar o que disse o Vanius Corte, gerente do Ministério do Trabalho de Caxias do Sul, na Rádio Gaúcha.
Ele esclareceu que “este ano a gente tem enfrentado muitos problemas nesta safra da uva, existe um problema de falta de mão de obra para trabalhar nessa atividade. Neste momento aparecem os pilantras com essa oferta. Não é o primeiro caso que a gente identificou nessa safra, mas é sem dúvida o mais grave”.
A empresa agenciadora Oliveira & Santana aliciava os trabalhadores na Bahia com a falsa promessa de que iriam receber até R$ 3.000 por mês com toda a despesa de alimentação e alojamento garantidos.
A Cooperativa Aurora esclareceu que pagava R$ 6.500 para a Oliveira & Santana por trabalhador por mês.
Segundo Vanius Corte, estes produtores eram disponibilizados não só para as vinícolas, mas também para produtores de uva. Nos produtores, os trabalhadores faziam atividades relacionadas à colheita e nas vinícolas participavam da atividade de descarga de uva na cantina.
Segundo Vanius, as empresas devem ter um controle muito eficiente sobre quem está trabalhando terceirizado e sobre que empresa terceirizada estão usando. Eles identificaram até o momento 3 vinícolas que tiveram trabalhadores agenciados por esse atravessador. E esclarece que, o primeiro responsável por fazer o pagamento é o atravessador, se ele não paga, o tomador do serviço pode ser responsabilizado, não sendo responsável direto, mas é subsidiário nesta obrigação financeira.
A entrevistadora Mari Araújo pergunta objetivamente se as vinícolas são co-responsáveis criminalmente e Vanius diz: “Não, não. as vinícolas são responsáveis pelo pagamento dos que trabalharam para eles, esses trabalhadores precisam ser pagos”.
Vanius diz “nesse ano já tínhamos identificado muitos problemas, fizemos 24 fiscalizações em produtores de uvas. Nestes identificamos 170 trabalhadores sem registro em carteira e interditamos 2 alojamentos. A gente já estava vendo que a situação estava complicada, mas não achávamos que fosse nessa dimensão. Uma coisa é não ter registro em carteira, uma infração grave, mas a outra é ser submetido a esse tipo de tratamento”.
Na entrevista Vanius aponta que este atravessador já está preso e que a investigação está em curso. Clique aqui e escute a entrevista na íntegra.
A Salton nos disse que contrata outras duas empresas terceirizadoras na época da colheita, e utilizou pela primeira vez a Oliveira & Santana. Foram 14 trabalhadores, em dois turnos de 7 trabalhadores. E durante o trabalho eram tratados exatamente como os demais colaboradores da empresa, tanto no que tange à uniformes e equipamento de proteção, como alimentação e descanso.
Um membro da família Salton disse que souberam da situação pela imprensa e ficaram chocados, assim vão reavaliar o protocolo de contratação de terceirizados para que isso nunca mais volte a acontecer.
Hoje pela manhã acorreu um coletiva de imprensa que contou com a participação do fiscal do Ministério do Trabalho, Rafael Zan.
O site NB Notícias, que acompanhou a coletiva, noticía que Rafael Zan esclareceu que a principal investigação recai sobre a empresa Fênix Serviços de Apoio Administrativo (antiga Oliveira & Santana), cujos alojamentos aconteceram os principais problemas de trabalho análogo à escravidão.
As vinícolas não tinham ligação direta com os maus tratos, e mantinham atenção adequada aos trabalhadores enquanto atuavam em seus espaços.
Em produtores de uvas fiscalizados, havia situações onde trabalhadores dormiam em colchões no chão, mas muitos trabalhadores, entrevistados pelos fiscais, disseram que preferiam ficar nas propriedades rurais ao invés de voltar ao alojamento.
Quem grita que não compra mais vinhos de empresas que usam trabalhadores terceirizados na colheita provavelmente vai conseguir tomar muito pouco vinho, de qualquer lugar do mundo. E isso vale também para a maçã, laranja, morango, muitos legumes e até café…
A verdade é que o uso de mão de obra temporária durante a colheita da uva é uma prática necessária e comum no Brasil e no mundo. Quem pensa um pouco compreende que durante o período da colheita a mão de obra necessária no campo e na vinícola se multiplica exponencialmente, pois a natureza dita o amadurecimento da uva e tudo acontece num espremido período de tempo da colheita até elaboração.
A investigação está em curso, então e produzimos esta notícia com as informações levantadas até o momento. Sempre que possível colocamos os links com as fontes originais para que você possa acessá-los e formar sua própria visão do tema.