Wine Expert do grupo Les Grands Chais de France revela os meandros dos vinhos
por Christian Burgos
Este ano, o mercado de Bordeaux parece estar em polvorosa. A campanha en primeur esteve no centro das atenções e vem suscitando discussões sobre o futuro dos preços praticados pelos châteaux e, obviamente, o impacto disso sobre o mercado atual. Seria um novo ponto de inflexão na história dos vinhos bordaleses?
A ADEGA aproveitou para tratar disso com Pierre Philipponnat, Bordeaux Wine Expert do grupo Les Grands Chais de France, que esteve no Brasil recentemente. Com mais de 15 anos trabalhando nesse intrincado mercado, ele revelou uma visão bastante ampla dos movimentos de mudança de Bordeaux ao longo dos anos e ofereceu uma perspectiva de diversidade dos rótulos bordaleses sobre a qual nem todo mundo tem ideia.
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Em uma conversa bastante elucidativa e abalizada, de quem trabalha para o maior grupo privado de vinhos da França, Philipponnat “desenhou” um enorme espectro de Bordeaux, que vale a pena ser conhecido. Ele, aliás, afirma que seu objetivo é fazer com que as pessoas conheçam essa diversidade, que vai muito além dos châteaux e denominações clássicas. Confira:
O grupo Les Grands Chais de France é muito grande, com muitos braços, muitas propriedades...
O mais importante é que ainda é uma empresa familiar. Então a filosofia é a mesma. É um pouco antiquado nesses termos, mas basicamente eles querem construir a empresa para o futuro, por isso o objetivo não é apenas ganhar dinheiro, mas dar algo à nova geração. Essa é a filosofia de Joseph Helfrich, que iniciou a empresa há 40 anos. Ele começou do nada. Provavelmente, há 40 anos, a ideia de exportar vinho não estava no nível de hoje, mas ele teve uma visão. Desde o início, disse que o objetivo é dar ao mundo o acesso à diversidade do vinho francês, basicamente. E esse é o valor mais importante e essa ainda é a filosofia do grupo até hoje. E foi por isso que desenvolveu a empresa com pessoas como eu, focando apenas nos vinhos de Bordeaux, ou pessoas que focam na Borgonha, ou pessoas que focam em marcas, e muitas outras coisas. E é isso que tentamos fazer no Brasil hoje. Nosso objetivo não é apenas fazer grandes marcas de grande sucesso; é passar aos nossos importadores a filosofia, mostrar o que é Bordeaux; eles escolhem, e discutimos o que é melhor para desenvolver aqui no Brasil, sem forçar nada.
O que vocês selecionaram para o Brasil em termos de marcas que a Casa Flora vai ter aqui?
Meu trabalho não é responder o que o Brasil precisa. Minha resposta é apenas colocar na mesa o que existe. E este mundo do vinho é complexo. Meu trabalho é explicar quais são as possibilidades de forma simples, e eles podem escolher. Faço algumas recomendações. Por exemplo, em Bordeaux, você tem que ter margem direita e margem esquerda, tem esses níveis diferentes de preço, tem uma parte de vinho que é de mercado aberto, outra parte que pode ser exclusiva. Esse é o meu trabalho: dar todas as opções na mesa e ajudar a fazer a escolha. Não é dizer que o Brasil precisa disso, empurrar e ir embora.
O que está acontecendo com o preço do Bordeaux neste momento com a campanha en primeur 2023?
Acho que todos se fazem a mesma pergunta. Acho que é um ajuste dos mercados. Simplesmente isso. Sim, mas tivemos um ajuste em 2020 e simplesmente voltou ao patamar anterior. E, neste momento, acho que é um ajuste para outro nível de preços, para reiniciar em um prazo mais longo. Durante o COVID foi um receio, então o preço caiu e, quando o mundo não acabou, tudo voltou. E agora é como se houvesse um novo nível de mercado em todo o mundo e devemos recomeçar de um ponto mais baixo...
Sim, globalmente, mas também há algo... Como a Ásia foi muito importante nos últimos 20 anos, estava impulsionando um pouco a demanda global. Bordeaux, como tradição, sempre foi vinho de exportação, desde o início, desde o período inglês. Então talvez eles tenham feito o que sempre fizeram para serem famosos: exportar o vinho para longe. Mas talvez estivessem longe das “artes do consumo”, que era a Europa e tudo mais. Então, quando a Ásia começou a normalizar, ajustar a demanda e o consumo, isso diminuiu lentamente a demanda global. O preço anterior não correspondia às demandas reais. Então o ajuste está aí.
É possível que colecionadores ou compradores de vinhos caros não se sintam confortáveis, ou tão confortáveis, em pensar o vinho como um investimento? A ideia de que vou comprar hoje porque amanhã vai ficar ainda mais caro? Você acha que talvez isso se perca de alguma forma?
Vinho é feito para ser bebido. Investimento é apenas uma consequência do capitalismo e do dinheiro no mundo. Então as pessoas que têm dinheiro disseram: “Tudo bem, a demanda está crescendo, a produção ainda é a mesma, então o preço está subindo”. Você tem um sistema especulativo. Mas globalmente o que é importante é voltar para as pessoas que estão bebendo o vinho. Então, se perdermos alguns investidores, não será um problema para o mundo do vinho.
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Não sei quantos vinhos eles estavam comprando, quantos mercados eles estavam movimentando. E se perdermos essas pessoas, o que acontece?
Se você tiver um ajuste no preço, ficará mais reconectado com as pessoas que amam o vinho. E elas bebem os vinhos. Se você falar apenas da China, foi uma super oportunidade e ainda será um mercado muito bom para vinhos de Bordeaux, definitivamente. Mas a certa altura foi mais um investimento do que algo para beber e descobrir os vinhos. E, neste ponto, isso é um problema. É por isso que você tem um ajuste. Portanto, você sempre precisa de colecionadores, não de investidores.
Precisamos de colecionadores e não de investidores, mas uma das desculpas que dou para mim mesmo para comprar vinhos caros é que é um bom investimento. Até este momento, de alguma forma, isso funcionou. No final, estou bebendo vinhos que comprei no início e digo: “Bem, realmente fiz um bom trabalho. Comprei isso, agora o preço seria esse, então fiz um bom trabalho e estou bebendo bem sem gastar tanto dinheiro.” De alguma forma, perdi a desculpa este ano...
Mas se você olhar 20 anos antes, a lógica ainda está aqui. Portanto, não creio que um ajuste de uma safra mude as regras. Mas se pudermos estar um pouco mais reconectados com a realidade do vinho, do produto, acho que é bom voltar um pouco atrás.
Uma das coisas de que gosto é do vintage que vocês estão trazendo, porque é um vintage que está pronto ou quase pronto para beber. É esta a ideia?
Sim, 2014 é a safra para beber hoje. Mas também temos uma tendência em Bordeaux de que os vinhos estão prontos para beber cada vez mais jovens. Por exemplo, Saint-Estèphe normalmente você tem que esperar muito tempo, mas, com uma nova vinificação e tudo mais, você consegue ter acesso. Então, para dar diversidade, também foi uma boa escolha, porque você tem a oportunidade de provar diferentes safras, diferentes idades de vinho. Podemos ver que este vinho tem evolução, aromas; já este é mais jovem. É possível experimentar estas duas formas de beber vinho. Existem diferentes maneiras de beber.
Mesmo as safras mais jovens você já não precisa esperar.
Provei mais de 351 rótulos en primeur este ano. Muito vinho pode ser bebido hoje. Estou impressionado.
Tenho sentido isso em todo o mundo. Acho que os bons vinhos já estão prontos para beber. Bem, talvez não seja o mesmo prazer que você terá se esperar um pouco, mas não estará em uma situação ruim abrindo uma garrafa agora e bebendo...
Mas o sabor também está mudando um pouco. Mesmo os grandes châteaux estão usando cada vez menos madeira, procuram cada vez mais frescor. É muito forte, todo mundo está falando sobre isso. Todo mundo.
Fazemos muitas degustações com os clientes, com compradores de vinho e com outros críticos. E muitos deles ainda não mudaram a forma de ver o vinho. Você acha que o consumidor e a imprensa já entenderam essa nova forma de perceber e produzir, e o novo estilo do vinho?
Estou muito ligado às propriedades e estou em Bordeaux, então falamos sobre isso todos os dias, e já faz 15 anos. Sim, todo mundo está em busca de mais frescor, mais bebibilidade. E fico sempre impressionado, porque algumas das grandes propriedades do passado dizem: “É o meu estilo, esse foi o meu sucesso durante anos. Não vou mudar minha filosofia”. Mas agora eles estão se movendo. A quantidade de barricas ou barricas novas e tudo mais está mudando. Alguns châteaux eram 100% barricas novas sempre. E agora eles dizem: “Faço 50% em barricas novas”. Não tenho certeza se há 20 anos eles faziam isso.
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Às vezes fico frustrado porque fazemos uma degustação vertical com os consumidores e eles gostam mais de safras como 2003, vinhos que são mais “doces”, cheio de madeira. Eles ainda adoram isso...
Existe uma dicotomia.
Estou tentando entender se essas pessoas se acostumaram ou apenas têm esse gosto. Não sei se é geracional, não sei o que está acontecendo, mas estou tentando entender... Você tem ideia do que está acontecendo agora com o consumidor? Os consumidores antigos gostam mais dos vinhos que costumavam beber?
Sim, definitivamente. Talvez não seja a resposta mais científica. Mas a experiência do gosto é o que todos procuram no vinho. E pode-se dizer que prefiro frescor e fruta. Mas fico sempre feliz em provar um vinho velho, talvez de estilo mais antigo. Porque ir e voltar entre dois estilos dá mais prazer.
Quando comecei em 2005, foi o boom dos vinhos potentes. Adorava esses vinhos. Estes eram os que tinha na minha adega há muito pouco tempo. Mas recomecei reformulando a forma como vejo os vinhos desde 2010. Então, agora tenho outra forma de ver, mas tem muita gente que ficou presa. Vejo que estamos voltando ao passado em termos de estilo, mas de uma forma com muito mais conhecimento, para podermos fazer um estilo um pouco mais clássico de uma forma muito melhor...
Ah, sim, definitivamente. Não creio que seja o mesmo vinho de 20 anos antes.
Como você vê que a tecnologia ou o conhecimento técnico estão afetando a forma como as pessoas produzem vinho hoje em dia?
Se voltarmos 30 anos, o objetivo era fazer volume. Agora, globalmente, todos, mesmo que seja um produtor de vinho barato, querem ter qualidade. O foco mudou totalmente, mesmo para os grandes châteaux. Então, a filosofia é a mesma, e é verdade que a técnica evolui mesmo. Você vê isso quando visita as caves. Tudo é mais preciso.
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Você acha que esse tipo de aumento de preços e de “premiunização” ajuda as pessoas a terem disposição para investir mais na qualidade?
A evolução das técnicas é boa para todo o mundo do vinho. Alguns châteaux têm dinheiro para investir muito e, quando o fazem, eles também comunicam isso. Então dá para justificar o preço. Mas a influência da evolução da técnica foi para todos.
Tenho uma opinião pessoal de que este é um dos momentos mais interessantes da história para quem gosta de vinho, porque há vinhos muito bons nos mais diferentes níveis de preços em todo o mundo... Você vê dessa forma?
Vejo desta forma e posso dizer algo que não é muito popular, mas acho que uma categoria de vinho muito barato, que afeta ter novos consumidores, causa problema para a remuneração das pessoas que estão a fazer vinhos. Os vinhos baratos estão diminuindo em termos de volume. Portanto, é uma boa notícia, porque isso significa que as pessoas pagam mais pelos vinhos. No final, a revolução que fizemos em 30 anos parou de fazer volume para fazer qualidade. Agora as pessoas que estão no mercado procuram qualidade e não volume. E isso é bom para todos. Mas o mercado tem que ser ajustado em termos de produção.
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Você acha que Bordeaux está um pouco atrasado em sua capacidade de comunicação com consumidores mais jovens?
Bordeaux é muito grande, complexo e diversificado demais para dizer que está fazendo isso ou está fazendo aquilo. Você tem uma propriedade supermoderna fazendo coisas muito vanguardistas e tem uma muito tradicional, tem todos os níveis de preço. Bordeaux sempre foi muito poderoso por causa de sua diversidade. Mas também às vezes comunicar é complexo.
Talvez seja um problema meu, mas sempre que ia a Bordeaux costumava visitar os clássicos. E então voltamos e comunicamos isso. Não comunicamos esses produtores novos, fazendo coisas diferentes. E não sei se o consumidor brasileiro se conectaria com essa mensagem de um Bordeaux inovador. Acho que, no Brasil, as pessoas vão para Bordeaux como se estivessem indo para uma terra sagrada e para se conectar com o passado, com a cultura etc. Mas você está me contando de outro Bordeaux que não conheço...
Você tem 5.000 châteaux. Há aqui uma diversidade; você tem quase tudo, desde muito clássico, muito inovador, terroirs diferentes, e essa é a riqueza. Os 200 châteaux mais famosos ajudam-nos a falar de Bordeaux. Sempre foi uma locomotiva e ainda é muito importante. Mas você não pode resumir Bordeaux nestes 200. Então meu objetivo é sempre usar essa locomotiva para empurrar os outros. São 64 denominações diferentes.
E na sua empresa, na parte de négociant, como seleciona os vinhos que vai comprar?
Você tem que colocar em uma equação. Qual é o nível de preço do mercado hoje? A demanda? E depois tem que selecionar. Gosto disso, estou interessado nisso, ou acho que isso será o futuro. Discutimos muito sobre o vinho branco de Bordeaux, porque está crescendo em todos os lugares. Isso faz parte da equação. E no nosso portfólio temos que cobrir o que o mercado precisa, mas temos que incluir coisas que acreditamos que crescerão ou acreditamos porque são boas, por causa da filosofia etc. Somos o maior proprietário privado de châteaux na França e investimos muito. Nossa filosofia é cobrir toda a gama de produtos, todas as denominações. Por exemplo, temos 30 châteaux em Bordeaux, cobrindo todas as denominações, todos os níveis de preços, e tentamos impulsionar a tradição e a modernização de Bordeaux. Isso é o mais importante. E também manter-se em contato com os clientes, não perder isso, dar essa diversidade de que estou falando. A riqueza de Bordeaux é a diversidade. Se você se concentrar em uma coisa, perderá o interesse. O vinho é diversidade. Sem diversidade, é impossível.
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