"Temos que estar abertos a redescobrir alguns vinhos"

Francisco Guedes Almeida, herdeiro do Grupo Aveleda, revela os bastidores da sucessão e desafios de uma empresa familiar com mil anos

por Christian Burgos

Em um almoço em março tive a oportunidade de reencontrar Francisco Guedes Almeida (nos Estados Unidos mais Guedes que Almeida, pela similaridade com a palavra Al Qaeda). Já havíamos nos encontrado um ano antes no tradicional almoço que importantes vinícolas de Portugal realizam em São Paulo na abertura da Expovinis.

Fiquei impressionado com aquele desenvolto jovem de apenas 27 anos, nascido em Portugal, na cidade do Porto, e que falava Português com sotaque carioca e sem o sotaque de Portugal.

Filho de diplomatas, Francisco é fluente em cinco idiomas, e passou muitos anos de sua vida fora de seu país natal, tendo morado na ex-Iugoslávia, Bélgica, Brasil, Estados Unidos e depois Itália, onde se graduou em jornalismo, antes de fazer o mestrado em vinhos.

#R#

Você trabalhou como jornalista. Como mudou para o mundo do vinho?
Trabalhei como jornalista na Itália e depois a convite do grupo Ogilvy fui trabalhar como assessor de imprensa em Portugal. Um de meus clientes era uma vinícola do Alentejo. Eu tinha outros clientes como indústrias e hospitais, mas me interessava mesmo pela vinícola. Neste ponto, cheio de dúvidas, pensei em falar com meus tios - que eu adoro - e que estão à frente da Aveleda.

Você falou com eles? Como aconteceu?
Fui falar com eles e eles disseram: "Que bom ver sua motivação, mas porque você acha que pode agregar algo à empresa? Qual sua oferta de trabalho?". Eu falei que queria fazer uma gestão da relação com a mídia, um reposicionamento da marca Aveleda.

E foi bate e pronto?
Nada. Fui sabatinado e eu não sabia responder metade das perguntas. Então eles disseram: "Olha não é por mal, mas esta aqui não é a Santa Casa de Misericórdia." Me explicaram que a empresa tem um protocolo familiar. Ninguém da família pode entrar sem ter 2 anos de experiência fora e candidatar-se à uma posição em aberto. Também me avisaram que se não fosse admitido não deveria ficar retraído, é normal. Um protocolo familiar escrito.

Quantos primos trabalham com você?
Dois primos trabalham comigo. Um, filho de meu tio Antônio, trabalhou em Bourdeaux e depois foi para Aveleda, onde começou a replantar castas novas como Alvarinho e alugar terrenos por 40 anos, de forma a termos controle da produção de A a Z, sem precisar comprar mais terras. Meu outro primo concluiu o MBA em Barcelona e trabalhou por 3 anos e meio em um banco português.

E como foi seu início?
Iniciei como adjunto da administração, o que até hoje não sei o que é. Mas estava sob o comando da nova diretora de marketing, e assim participei da formulação da nova imagem Aveleda. Muito dinâmica, no princípio achamos que ela estava louca quando propôs vinhos a preços superiores. A Aveleda não estava acostumada. Ela defendeu que os vinhos tinham qualidade e que contávamos com Denis Dubourdieu. A administração reagiu, meus tios podem ser mais velhos, mas estão acordados.

Há quanto tempo a Aveleda está na sua família?
A Aveleda tem uma história enorme, com mais de 1.000 anos na família. 1671 é a data gravada na capela como o casamento de um Guedes com uma senhora Barbosa, e também foi a primeira vindima com registros de produção para consumo próprio.

Como foram do consumo próprio às exportações?
No século XIX, Manoel Pedro Guedes, meu tataravô, apesar de muito conservador, implementou muitas idéias novas. Replantou as vinhas, e como prefeito fez com que a estrada do comboio passasse pelo centro da vinícola, conseguindo transporte gratuito para o vinho seguir para o Porto. Meu bisavô Fernando começou a produzir sobretudo vinhos brancos, e fez com que os vinhos fossem do Porto para Moçambique, Angola e todo lado.

Com tantas gerações, como a propriedade não seguiu o destino de parcelamento nas heranças, como era costume em Portugal?
Meu bisavô Fernando teve sete filhos. Um deles, meu avô Roberto, mal acabou o serviço militar, foi trabalhar com o pai e ficou com o comando dos negócios. Ele prometeu para seu pai que iria constituir uma sociedade familiar para não dividir a terra. Aveleda permanece a maior propriedade na região norte.

São quantos hectares?
São 200 hectares. É nada, se comparado com primos meus que tem 5.000 hectares no Alentejo. Os sete irmãos tinham partes iguais, mas havia alguns mais interessados que outros. As irmãs de meu avô casaram em Lisboa, lá ficaram, e seus filhos já não quiseram saber da Aveleda. Na empresa ficaram meu avô e o irmão. Mais tarde o irmão de meu avô ficou com uma empresa gêmea da Aveleda chamada Sogrape.

E até a geração de vocês?
Aveleda seguiu investindo, morreu meu avô, veio meu tio Antônio, que continua CEO da empresa. Meu tio Luis era o diretor comercial e morreu há 10 anos. Quando ele morreu, meu tio mais novo, Roberto, ingressou na empresa. Ele foi um dos primeiros em Portugal a tirar o Enseade e é o CFO da empresa.

#Q#

Aveleda permanece uma empresa familiar?
Sim, pertence apenas ao ramo da minha mãe e seus irmãos em partes iguais. Temos crescido, somos os maiores produtores da região de Vinhos Verdes e 3ª vinícola em Portugal, com quase 15 milhões de garrafas anuais, produzidas em 4 DOCs.

Então, uma nova geração está trazendo um novo posicionamento?
Estamos fazendo um reposicionamento tendo na qualidade a base de tudo. Mas eu acho que a geração de minha mãe foi a geração da mudança. Sua geração arriscou, abraçou sugestões, investiu, alugou terrenos. Adoram ouvir idéias novas e nos aceitaram.

Dois franceses tiveram papel importante na Aveleda não?
Sim, em 1940 um enólogo francês chamado Eugene Elly veio da Borgonha, estava prestando serviços no Douro e cruzou os vinhedos em setembro. Ele surpreendeu com as vinhas arrumadas e foi falar com meu avô. Após uma interessante conversa, meu avô contratou os serviços do enólogo e alocou 300 pipas de vinho - um volume alto - para ele implementar o que estava sugerindo. As uvas vinham da parcela Casal Garcia e o vinho assim foi batizado.

E agora mais uma vez um francês...
Aveleda produz 92% de vinhos brancos e Dubourdieu é o pai dos vinhos brancos modernos. Li e gostei muito da entrevista dele em sua revista. A gente queria saber no que podia melhorar e ele achou nossos vinhos interessantes e promissores. Há mais de 10 anos ele vem a Aveleda, 3 a 4 vezes por ano.

Quando você inicia sua apresentação de vinhos sempre agradece comoventemente ao Brasil. Por quê?
Importantíssimo. Quando Portugal perdeu as colônias em 1975, perdemos um mercado cativo. Aquilo era Portugal. Onde havia gente que falasse a mesma língua e tivesse hábitos culturais e gastronômicos parecidos com os nossos? O Brasil continha uma grande comunidade portuguesa que aceitou Casal Garcia de braços abertos. Para nós foi uma injeção de ar fresco. O Brasil, pode-se dizer, nos apoiou num momento dificil e é nosso sétimo principal mercado.

divulgaçãoVocê fez aula para falar aqui no Brasil sem sotaque Português?
Não. A aula é assistir novela...(risos) É fácil. Para mim é Português com açúcar.

No rótulo dos vinhos da linha Follies vi figuras muito diferentes. O que são?
Follia é uma dança tradicional dos meios rurais do início do século XV. Tinha a propriedade de deixar a mente fora do corpo. No período do romantismo, a burguesia passou a construir coisas românticas, follies. Eram devaneios artísticos sem nenhuma explicação funcional. Na Aveleda muitos antepassados os construiram. Cada rótulo é uma folly que existe em Aveleda.

Um destes follies é uma Torre das Cabras...
Em Aveleda um antepassado pensou que as cabras não pertenciam a planície. Isto seria uma neura para elas, e então construiu a torre das cabras para elas terem uma montanha. E elas vivem lá até hoje. São cabras anãs. Fora de Aveleda só vi na África do Sul.

Como assim?
Eu estava fazendo mestrado em vinhos e viajando pelo mundo quando passei neste lugar na África do Sul. Liguei na hora para meu tio dizendo: "estou num sítio que me sinto em casa. Tem uma torre das cabras como eu nunca vi. Só vi na Aveleda." E meu tio disse: "Você está em Fairview." Este produtor fazia queijo de cabras e quando visitou Aveleda na década de 60 pediu permissão para construir uma na sua propriedade. Temos a carta dele até hoje.

O que é a nova geração de Vinhos Verdes?
Portugal forma muitos enólogos que vão trabalhar fora e voltam cheios de idéias. Na região de Vinhos Verdes temos algo diferente do resto, um vinho leve, marcado pelo frescor e crocância. A nova geração de Vinhos Verdes aposta em vinhos brancos, com cepas muito aromáticas como o Loreiro, de corpo como o Alvarinho e diferenciadoras como Trajadura. São vinhos com mais aroma, e mais capacidade de envelhecimento, porém não mais que 5 anos. Estamos falando de um branco verde.

Aveleda está indo na direção de vinhos de maior valor agregado?
Sim, é isto que mais aparece na imprensa. Mas o faremos sem nunca perder nossa base de produzir vinhos bons e acessíveis, e que gozam de grande prestígio.

Como jornalista, como você vê isso?
Sei que os jornalistas não gostam de escrever destes vinhos. Querem experimentar coisas exclusivas e insólitas. Mas devo lembrar a evolução da vinificação em todo o mundo, e que os vinhos estão mudando para melhor. Temos que estar abertos a redescobrir alguns vinhos.

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