Terroir Brasil

Uma forma para as borbulhas do Brasil

Qual o estilo do espumante brasileiro? ADEGA conversou com enólogos que atuam no país para descobrir a resposta

por Por Eduardo Milan

Não é novidade que o Brasil vem produzindo vinhos de qualidade internacional de maneira geral. Não é tarefa difícil provar tintos e brancos de qualidade feitos aqui. Entretanto, ainda é pelos espumantes que nos destacamos mais, cabendo ressaltar que, mesmo assim, a qualidade é ainda heterogênea.

De fato, é isso que constatamos em nossas frequentes visitas a regiões produtoras, degustações de novos rótulos lançados – tanto por grandes vinícolas, quanto por novos pequenos produtores e, especialmente nas provas para o “Guia ADEGA – Vinhos do Brasil”, que já vai para sua quinta edição.

Que vários espumantes brasileiros têm qualidade, não há o que se discutir. Todavia, o espumante brasileiro tem ou deve ter um estilo próprio? Qual seria esse estilo? Ter um estilo marcado é positivo? ADEGA esmiuçou o assunto, não exatamente para obter respostas taxativas, mas para levantar dados que sirvam como alimento à discussão e ao debate.

Abarcar um continente

Antes de mais nada, o Brasil tem proporções continentais. Assim, geografia e clima são também bastante diversificados, permitindo que haja cultivo de uvas em uma série de regiões que apresentam diferentes condições de clima, solo, temperaturas etc.

A vitivinicultura, que se iniciou no Rio Grande do Sul, hoje está presente também em outras áreas do território. Não é só no Sul do país, mas também no Planalto Catarinense e o no Vale do São Francisco, no Nordeste, que atualmente se produz espumantes. Há, inclusive, novos experimentos começando a surgir também no Sudeste.

Obviamente, esse mosaico de condições se reflete no espumante produzido. Ouvidos por ADEGA, Juliano Perin, enólogo da Chandon e atual presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Luciano Vian, da Don Giovanni, Alejandro Cardoso, da Décima e da Estrelas do Brasil, e Miguel Almeida, da Miolo, concordam que, por conta dessa multiplicidade de fatores, não existe um único estilo de espumante brasileiro.

A legislação que trata do assunto limita-se a normatizar expressamente a classificação dos espumantes nacionais conforme seu teor de açúcares totais (de nature a doce). Fora desse aspecto – e exceto pelas disposições especiais da DO Vale dos Vinhedos e das IPs Pinto Bandeira e Altos Montes – no Brasil pode-se produzir espumantes, teoricamente, a partir de quaisquer cepas e mediante o método de elaboração – tradicional ou Charmat – escolhido pelo enólogo, de acordo com critérios próprios.

“Cada decisão tomada pelo produtor e/ ou pelo enólogo muda a história natural de qualquer vinho, surgindo, logicamente, um estilo diferente”, afirma Miguel Almeida. De fato, Juliano Perin pontua que são vários os fatores que podem influenciar o estilo como: a variedade da uva, o processo de vinificação, a opção ou não pela fermentação malolática, o uso de vinhos de outras safras na composição do vinho-base e o tempo de contato com as leveduras, por exemplo.

Todo esse cenário – diversidade de terroirs e inexistência de “amarras” para vinificar – confere grande liberdade e, certamente, permite que vinícolas e enólogos façam experimentações e explorem tanto seus vinhedos quanto suas cantinas de forma ampla, de modo a produzirem espumantes conforme os idealizam.

Mas, mesmo assim, existe um fio condutor ligando a produção nacional de espumantes: a regularidade na qualidade, ano a ano, aliado ao foco dos produtores em atender diferentes perfis de consumidor. E, alguns tipos principais podem ser identificados: espumantes de perfil mais jovem, leve, fresco e limpo, e espumantes de perfil mais clássico, mais maduros, complexos, volumosos e longevos, além dos espumantes moscatel.

Características comuns

Juliano Perin resume bem, afirmando que “uma característica comum aos espumantes nacionais é que a maioria possui um agradável frescor em boca”. Semelhante é o pensamento de Luciano Vian, que sustenta que, de forma macro, o espumante brasileiro tem uma característica marcante, que é a fineza e a elegância com que se apresentam, limpos no aroma, com notas aromáticas bem definidas e boca com grande cremosidade.

“Esse seria o estilo mais presente em nossos espumantes. Por outro lado, não temos normas quanto às variedades usadas e nem quanto ao tempo mínimo de cada processo, isso acaba gerando múltiplos estilos, que muitas vezes atendem um determinado grupo de consumidores”, afirma. Alejandro Cardoso completa ao dizer: “O que determina esses estilos é a que mercado ou a que consumidor queremos chegar, assim temos a possibilidade de ter um espumante para cada momento. Isso é um luxo!”.

Essa liberdade é exaltada por Miguel Almeida, que pensa ser importantíssimo os consumidores brasileiros continuarem a acreditar e a valorizar esse vinho e todos os outros vinhos brasileiros. “Quanto ao estilo reconhecível, julgo mais importante para os produtores e/ou enólogos a manutenção da percepção inconsciente da qualidade do espumante nacional por parte dos brasileiros.

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Mais do que uma moda volátil, jovem ou complexo, os dois ou mais espumantes têm de ser bons!”, alega. Porém, essa mesma liberdade é positiva até quando o espumante brasileiro mantiver parâmetros de identidade, podendo ser reconhecido pelo consumidor. Como bem assinalou Vian: “Precisamos marcar e sermos reconhecidos por um estilo de produto. Isso naturalmente vai conduzir os produtores a buscarem esse estilo.

Por muitos anos permanecemos tentando “imitar” produtos de outras regiões ou países, sendo que a matéria-prima, a uva, é produzida aqui. Hoje os espumantes estão trilhando seu próprio estilo, que está alicerçado sobre o terroir-país, que é exclusivo do Brasil, e nosso estilo, mesmo que com as disparidades, que tem agradado consumidores nacionais e internacionais.

Temos nosso estilo de produto; precisamos padronizar o processo, para que cada vez mais produtos tenham esse padrão de estilo”. Perin completa: “Mais do que ter um estilo de espumante definido, acredito que seja interessante trabalharmos para consolidar cada vez mais a marca ‘espumante brasileiro’, zelando sempre pela sua qualidade.

Assim, acho que a marca será cada vez mais reconhecida e fortalecida, o que, em última instância, busca-se incessantemente”. Assim, mesmo dentro da possibilidade de multiplicidade de tipos e estilos, seguindo o exemplo do que aconteceu em famosas regiões produtoras mundo afora, é provável que essa liberdade atual leve o Brasil a definir as melhores cepas para cada uma das regiões produtoras, o que, de certa forma, já foi feito na do Vale dos Vinhedos, por exemplo.

A busca por um padrão superior de qualidade vem trazendo a necessidade de se ressaltar características verdadeiramente comuns e reconhecíveis na boca e no nariz que irão possibilitar dizer, com o passar dos anos, que esse ou aquele espumante – independente se for de perfil mais jovem, clássico ou maduro – é ou não do Brasil, ou melhor, de determinada região do país. Coisas que só o tempo dirá.

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