Peru e Chile que até hoje discutem a origem da bebida e também quem faz o melhor produto
por Por Cesar Adames
Assim como Cognac e Tequila, o Pisco sempre esteve associado a um país de origem. Neste caso, dois. Peru e Chile que até hoje discutem a origem da bebida e também quem faz o melhor produto.
Para tentar explicar um pouco essa história, é bom lembrar que, no princípio de tudo, a bebida surgiu quando não existia nenhum dos dois países. Tudo era um grande pedaço de terra controlado pelo Império Inca que se estendia do que hoje é o Equador até o centro do Chile. Em 1532, Francisco Pizzarro chegou a esse território e, três anos mais tarde, fundou a cidade de Lima, também conhecida como Cidade dos Reis, tornando-se posteriormente a capital do Vice-Reinado do Peru em 1542. Sob domínio espanhol, a cidade foi de suma importância, pois todas as riquezas passavam por lá antes de seguirem para a Espanha.
Com a chegada dos missionários espanhóis, vieram as primeiras videiras plantadas sempre próximas às igrejas para garantir o vinho utilizado no ritual das missas. Em 1546, chegou ao Peru, Francisco de Carabante, sacerdote espanhol que trouxe as primeiras variedades viníferas. Dois anos depois, ele viajou através do porto de Talcahuano e aportou em La Serena, cidade costeira do Chile. O primeiro viticultor a plantar uvas viníferas foi Don Francisco de Aguirre, um cruel conquistador que se dedicou ao plantio em Copiapó.
As excelentes condições climáticas e de solo produziram safras abundantes que atendiam a toda população, com sobra. Foi daí que surgiu a ideia de destilar o excesso, elaborando uma bebida cristalina e aromática. O problema foi que o Vice-Reinado de La Corona não permitiu sua comercialização.
A solução encontrada foi a venda clandestina ou o envio para outros locais através do porto de Pisco, na cidade de mesmo nome, que hoje pertence ao Peru. Esta, então, é uma das possibilidades do surgimento do nome utilizado até os nossos dias.
Com a história do Pisco chileno, contudo, muitos documentos originais se perderam nos séculos XVI e XVII durante os vários terremotos pelos quais a região passou. A cidade de La Serena, no Chile, fundada em 1544 e fundamental na evolução do destilado, também foi incendiada e saqueada duas vezes pelos índios.
O Vale de Elqui tem média de 300 dias de luminosidade ao ano
Pisco é produzido nos vales de Elqui e Limarí, no Chile, onde está a “La Ruta del Pisco”
Ainda assim, o Pisco é considerado bebida nacional do Chile, sendo produzido a 300 quilômetros ao norte de Santiago, nos vales de Elqui e Limarí, onde se pode percorrer a “La Ruta del Pisco” e conhecer as principais pisqueiras do país.
Para elaborar Pisco, a lei determina cinco variedades: Moscatel de Alexandria, Moscatel Rosada, Moscatel de Austria, Pedro Jiménez e Torontel. As castas Moscatel Rosada e de Alexandria têm maior potencial aromático, mas menor rendimento. Já a Pedro Jiménez e Moscatel de Áustria têm produção maior e uniforme, fazendo com que sejam as mais plantadas. Além dessas cinco uvas principais, é possível utilizar Moscatel de Frontignan, de Hamburgo, Negra e Amarela.
O Pisco pode ser destilado duas ou três vezes, e depois armazenado em barricas de carvalho americano que dão um toque Premium, como Cognac, Whisky e Tequila. Por lei, todos os piscos devem ter repouso mínimo de 60 dias em tanques de aço inox ou de madeira. Já os envelhecidos devem ter, no mínimo, seis meses para poder usar na garrafa o termo “guarda”, e um ano para receber o nome de envelhecido.
O Chile ainda utiliza uma forma antiga de classificar seus piscos por teor de álcool. Dessa forma, temos o Pisco corrente ou tradicional com 30º; o Pisco Especial com 35º; o Pisco Reservado com 40º; e o Gran Pisco com 43º. Apesar de ser uma medida corrente para os chilenos, que já estão acostumados, isso pode induzir o consumidor a comprar sempre os piscos de menor teor alcoólico por acharem que os demais seriam mais agressivos no paladar.
O Pisco é uma bebida que permite a criação de vários drinques, mas, o mais clássico e emblemático é o Pisco Sour (com sumo de limão, pimenta e clara de ovo). Ainda assim, no Chile, há um grande consumo de Piscola, mistura de pisco com refrigerante à base de cola.
Cinco uvas são as mais usadas no Pisco: Moscatel de Alexandria, Moscatel Rosada, Moscatel de Áustria, Pedro Jiménez e Torontel
Drinque mais clássico e emblemático é o Pisco Sour, mas também há o Piscola
A ideia de uma rota do Pisco surgiu em 2003 seguindo um modelo de sucesso mexicano da “La Ruta del Tequila”. O projeto foi desenvolvido em parceria com Capel e Mistral, duas das principais produtoras do país, que trataram de abrir suas destilarias para os turistas e oferecer outros serviços como um Museu do Pisco, degustações dirigidas, restaurantes e lojas.
Para quem vai ao Chile, o roteiro ideal é pegar um voo de Santiago até La Serena (de carro são 5 horas) e de lá visitar as duas destilarias. Capel fica a 45 minutos de La Serena e Mistral, a duas horas.
A Cooperativa Agrícola Pisqueira do Vale de Elqui foi criada em 1934 como Cooperativa Sociedade de Produtores de Elqui por 30 agricultores que arrendaram duas plantações na cidade de Paihuano, onde hoje a maioria dos associados tem suas plantações. Em abril de 1938, ela se transformou em Cooperativa Agrícola Pisqueira Elqui Limitada, que deu origem a sigla Capel, com o objetivo de centralizar a produção e venda em uma só estrutura. Atualmente, tem cerca de 1.300 cooperados e utiliza um sol como logotipo simbolizando a média de 300 dias de luminosidade ao ano no Vale de Elqui, o que é perfeito para o desenvolvimento das videiras.
Outro gigante produtor de Pisco é a Companhia Pisquera de Chile S.A, que nasceu em março de 2005 da associação da Companhia Cervejeiras Unidas (CCU) e da Cooperativa Agrícola Control Pisqueiro de Elqui e Limarí Ltda, que já produzia a marca Control. Outra marca criada em seguida foi a Mistral, uma homenagem à prêmio Nobel em literatura, Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, que escolheu o pseudônimo de Gabriela Mistral e nasceu em Vicuña, cidade próxima de La Serena. Além das marcas Control e Mistral, a CCU também produz os piscos Campanario, Ruta Norte, La Serena, Tres Erres e Horcon Queimado.
Por fim, vale lembrar que a família francesa Marnier Lapostolle trouxe para o hemisfério sul seu know-how na produção de destilados, já que produz o famoso licor Grand Marnier. Seu Pisco chama-se Kappa, nome que vem da constelação Kappa Crucis descoberta pelo astrônomo francês Nicolas Louis de Lacaille em 1751. É um ultra Premium, destilado duas vezes, com produção limitada a 5 mil caixas por ano.