A história dos vinhos de Israel

Israel vem mostrando solidez na produção de vinhos e deixa de ser uma promessa

Alexandra Corvo Publicado em 16/10/2023, às 08h00

Se você é amante do vinho, o nome Rothschild provavelmente lhe traz coisas boas à mente, principalmente em se tratando de vinhos clássicos. E, para muitos, ele é um ícone da grande viticultura francesa, certo? Errado.

O barão Edmond de Rothschild é famoso e reconhecido por, por meio do incentivo à viticultura de um lugar muito querido para ele, ter construído todo um país. E esse país é Israel.

LEIA TAMBÉM: Califórnia celebra os 40 anos do Los Carneros AVA

"Naquele dia levantei a minha mão para eles, para os tirar da terra do Egito, para uma terra que já tinha previsto para eles, a qual mana leite e mel, e é a glória de todas as terras."
Ezequiel 20:6

A história de Israel é tão antiga quanto a do homem. São famosas as histórias bíblicas de consumo do vinho. A mais clássica, talvez, seja a de Noé. Em Gênesis 9:20-21, descreve-se como ele foi o primeiro a plantar a vinha e se embebedar, ficando nu dentro de sua tenda.

Há muitas referências do cultivo da vinha e produção de vinho na Torá. Abordando o tema mais cientificamente, tudo indica que o mar Negro, o Cáspio e o da Galileia, norte de Israel, foram as primeiras regiões a dominarem a produção de vinho. A vinha viajou de Canaã (hoje onde estão Israel, Líbano e os territórios palestinos) até o Egito, país que ficou conhecido por ser a primeira grande cultura da vinha.

LEIA TAMBÉM: Relação do vinho, o homem e a imortalidade

Nessa época, já se sabia da devoção dos judeus pelo vinho no desenvolvimento de sua literatura e leis. No Livro dos Números, (um dos cinco que compõem a Torá), conta-se que Moisés mandou homens para espionar Canaã. Lá encontraram um cacho de uva tão grande que precisaram apoiá-lo numa vara, sobre os ombros de dois homens, para conseguir trazê-lo.

Há registros arqueológicos de moedas com cachos de uvas gravadas nelas para celebrar vitórias como as de Bar Kochba (136 d.C.) sobre os romanos. As adegas do rei David (1040-970 a.C.) eram tão grandes que havia um oficial responsável por elas.

Adega da Barkan (nesta foto) e vinhedos (foto ao lado) do Domaine du Castel, de Eli BenZaken


Dos árabes à "loucura" do Barão Rothschild

A destruição do segundo templo, a dispersão dos judeus da terra e a conquista árabe a partir de 600 d.C. acabaram derrubando a florescente viticultura na terra de Israel. Muito tempo se passou e o século XIX viu algumas tentativas de estabelecimento da vinicultura, como as do inglês Moses Montefiore, dos rabinos Yitzhak Shor e Avrom Teperberg, ambos em Jerusalém.

LEIA TAMBÉM: Taverna de 5.000 anos é encontrada no sul do Iraque

Por volta de 1882, judeus da Europa do leste voltaram para Israel. Por causa da falta de basicamente tudo, os colonos de Rishon LeZion pediram ajuda financeira ao barão Edmond de Rothschild. É aí que a história de amor dele com essa terra começa. O barão decide patrocinar o estabelecimento de muitas comunidades que sejam auto-sustentáveis. Envia dinheiro e especialistas em viticultura para desenvolver a região.

Como as vinhas da Europa estavam sendo devastadas pela filoxera, as primeiras mudas levadas ao país, livres do pulgão, foram importadas da Índia. Plantaram Alicante Bouschet, Clairette, Carignan, Grenache, Muscat e Sémillon.

Em seguida, ele construiu uma vinícola em Rishon leZion e outra em Zichron Ya'acov, cidade mais ao norte e pela qual se apaixonou. Logo, levou seus experientes enólogos para supervisionar a produção.

LEIA TAMBÉM: Michel Rolland cria blend com uvas de 5 países diferentes

Por causa do calor, Edmond Binyamin (seu nome judaico) mandou construir outra vinícola totalmente subterrânea, concluída em 1896. A essa altura, o pai do barão tinha certeza de que ele havia enlouquecido. O gasto total com sua empreitada no novo país até aquele momento era de 12 milhões de francos, enquanto o Château Lafite, em Bordeaux, comprado por seu pai, havia custado apenas 4 milhões.

Em 1885, a Carmel Wine Company foi criada para comercializar os vinhos produzidos nas bodegas do barão. E Edmond seguiu em frente. Instruiu o químico Meir Dizengoff para que coordenasse a construção de uma fábrica de vidro para as garrafas. Dizengoff foi, mais tarde, o primeiro prefeito de Tel-Aviv.

Nos anos 70, estudos mostraram que a região de Golã, no extremo norte do país, era promissora para a produção de bons vinhos.

LEIA TAMBÉM: Os melhores espumantes de Prosseco degustados pela Revista ADEGA

A contribuição de Edmond de Rothschild para a formação do estado de Israel não parou aí. Além de Dizengoff, os Primeiros Ministros Ben Gurion, Levi Eshkol e Ehud Olmert - todos nomes proeminentes na política israelense - trabalharam nos vinhedos quando jovens. A primeira linha telefônica no país foi instalada para a vinícola.

As primeiras instalações elétricas também, todas encomendadas pelo barão, que está enterrado na pequena e simpática cidade de Zicron Ya'acov, onde hoje é a sede da Carmel. O nome da cidade de Binyamina, ali ao lado, é uma homenagem a ele.

A segunda revolução do vinho israelense

Durante a virada do século, os principais mercados para o vinho israelense eram Rússia e Estados Unidos. Mas, com a Revolução Russa e a Lei Seca norte-americana, a então florescente vitivinicultura do país se viu sem ter para onde exportar. Até os anos 1970, o vinho lá feito era voltado para liturgia. Produzido em grandes volumes, sem interesse maior, doce e feito com uvas não viníferas, a indústria estagnou.

Vinhedos de Margalit, na Alta Galileia, região de clima mediterrâneo


Nos anos 70, estudos mostraram que a região de Golã, no extremo norte do país, era promissora para a produção de vinhos de qualidade internacional. Em 1983, Golan Heights Winery lançou uma primeira série de vinhos de qualidade internacional, desafiando outros produtores a investir na viticultura de alto padrão.

As uvas mediterrâneas: Grenache, Carignan, Petite Sirah, entre outras, foram acompanhadas por plantações de Cabernet, Merlot, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling e Gewürztraminer.

Muitos israelenses que estudaram fora, principalmente nos Estados Unidos, voltaram ao país decididos a aplicar seu conhecimento em Israel. Yair Margalit é tido como um dos pioneiros. Professor de química em UC Davis e autor de três livros referência em Davis sobre técnicas de enologia, ele largou a carreira de cientista e, em 1989, lançou sua primeira safra. Seus vinhos, da região da alta Galileia, são o cume da elegância do vinho israelense.

LEIA TAMBÉM: Fique atento com vinhos armazenados em garrafas transparentes

Muitos estudaram fora e depois voltaram para Israel para aplicar seus conhecimentos na viticultura. Um dos pioneiros é Yair Margalit, depois vem Eli BenZaken, um restaurateur que aprendeu a fazer vinho por um livro. Não só seu vinho Castel é um dos mais impressionantes do país, como ele mostrou o potencial da região das colinas de Jerusalém ao mundo.

Assim, o boom das vinícolas artesanais definiu um novo estilo de produção no país: o de produção minúscula e qualidade altíssima.

Margalit, Castel, Golan Heights (com a linha Yarden), Château Golan, Clos de Gat, as linhas top da Carmel e Yatir trazem novos ares para a antiga viticultura: os vinhos de butique. Este conceito em Israel é para vinícolas que produzem até 100 mil garrafas ao ano. E veio para ficar.

Terroir

Israel é pequeno, mas tem todas as condições dos grandes países para produzir vinhos de qualidade, com uma variedade incrível de micro-climas. O extremo norte, em Golã, na fronteira com o Líbano e a Síria, tem clima de altitude, muito ensolarado, com ventos frescos e grande amplitude térmica dia e noite, bem como verão e inverno - quando chega a nevar.

Os solos são de basalto vulcânico e tufo, um tipo de calcário firme, mas quebrável, com excelente drenagem. Além de Golan Heights, estão Tabor, Dalton e Château Golan.

A alta Galileia tem clima mediterrâneo, mais seco e mais fresco em altitude, com alguns vinhedos a 800 metros. A poucos metros da costa, região conhecida como Samaria, perto de Zicron Ya'acov, o clima é típico mediterrâneo, com verões quentes e ensolarados. Margalit, Tishbi, Binyamina e parte dos vinhedos de Carmel ficam nessas zonas.

Aos pés das montanhas de Jerusalém (Sansão), há um clima mais quente, um pouco úmido para a produção de qualidade, mas Carmel, Barkan, Karmei, entre outras, produzem vinhos muito interessantes.

Já nas colinas da Judeia, em volta da cidade de Jerusalém, o clima mediterrâneo é resfriado pelas altitudes e os solos calcários, conhecidos pelas construções da cidade, aparecem bastante. Muitas vinícolas butique, 25 precisamente, de altíssimo nível, encontram-se aqui: Castel, Clos de Gat, Flam e Ella Valley, são os destaques indiscutíveis.

Talvez os vinhedos mais impressionantes do país, pela peculiaridade de solos e clima, estejam no deserto do Negev. O verão chega facilmente a 45°C. São vinhedos irrigados com alta tecnologia, onde uvas bordalesas e mediterrâneas dão vinhos ricos, quentes e cheios da personalidade que só vinhedos no deserto podem oferecer.

O grande destaque aqui é vinícola Yatir, que produz um Syrah respeitável, assim como Cabernets e Merlots impressionantes.

Vinícolas butique de altíssimo nível estão na região das colinas da Judeia, perto de Jerusalém


O legado do barão Edmond Binyamin de Rothschild permanece junto com seu túmulo em Zichron Ya'acov. Na entrada da cidade, a pintura com sua imagem, alta, observando a cidade de um janela, mostra o agradecimento a este homem tão importante e querido, que soube reconhecer o potencial daquele lugar.

Israel mostra que fez a lição de casa: são produtores que estudam, conhecem o mercado internacional, exploram bem suas regiões e não estão para brincadeira.

O aparecimento vertiginosamente crescente de vinícolas de qualidade nos últimos 20 anos deixa uma conclusão: Israel está definitivamente dentro do panorama internacional dos grandes vinhos do mundo.

KOSHER OU NÃO KOSHER?

Nem todo vinho israelense é kosher. E muitos vinhos kosher são produzidos fora de Israel. As grandes vinícolas israelenses costumam produzir vinhos segundo as regras do kashrut, mas a maioria das pequenas, não.

  1. Definitivamente, as regras para a produção destes vinhos estão muito alinhadas com as técnicas viticulturais que visam qualidade.
  2. Outras regras originaram-se na tradição religiosa judaica.
  3. Só se pode produzir vinhos com vinhas com mais de quatro
    anos;
  4. Não se pode produzir outros vegetais ou frutas dentro dos
    vinhedos;
  5. Após a primeira colheita, deve-se deixar o vinhedo descansar a
    cada sete anos (ano sabático);
  6. Todas as ferramentas e utensílios para a produção do vinho
    devem ser kosher e manter-se limpos;
  7. Quando as uvas chegam na vinícola, apenas judeus observantes
    do shabat (descanso semanal) podem manusear o mosto,
    vinho ou qualquer equipamento. Como muitos israelenses não
    o são, geralmente estas tarefas são realizadas por ortodoxos;
  8. Todo material utilizado na vinficação (leveduras) e clarificação,
    devem ser kosher;
  9. Uma quantidade simbólica do vinho, representando o dízimo,
    pago na época do templo de Jerusalém, deve ser jogada para
    fora dos tanques ou da barrica onde estão sendo produzidos.

Fonte: Rogov's Guide to Israeli Wine 2009. ed. Toby.

Vinhos Rothschild Israel Jerusalém Edmond de Rothschild