Redação Publicado em 03/08/2020, às 12h00 - Atualizado às 12h20
Para melhor sentir os aromas é preciso aspirar o vinho com delicadeza e não com intensidade
Você conhece laranjas, certo? Tanto que provavelmente já serviu suco de laranja-lima para as crianças pequenas (pois é mais doce e menos ácido). Talvez goste quando, na padaria, o suco de laranja-pêra está bem fresco. Ou ainda peça sua caipirinha com saquê e lima-da-pérsia. Quiçá aprecie a chegada do verão e, com ele, as laranjas-bahia, grandes, suculentas, de casca grossa e umbigo de fora.
Você percebeu que, mesmo sendo todas laranjas, cada uma tem sabor singular, acidez única e um aroma particular. Com as uvas, é a mesma coisa. Algumas são boas para comer (Rubi, Itália, Thompson), outras são boas para fazer suco (Isabel, Bordô) e outras ainda são ideais para fazer vinho, como a Merlot, a Cabernet Sauvignon, a Chardonnay e a Pinot Noir.
Infelizmente, poucos assuntos complicam mais a vida de quem aprecia vinhos do que entender os cheiros (também chamados de aroma e buquê). Tanto que algumas pessoas chegam a rotular quem reconhece algo além do cheiro de álcool e de uva de enochato.
O nariz e a memória
Armazenamos mais informações em nosso cérebro do que utilizamos em nosso dia-a-dia. Com os aromas é a mesma coisa: somos capazes de associar o cheiro de algum lugar à casa de um parente, de lembrar de um antigo amor somente pelo perfume e de não gostar de um alimento apenas pelo aroma que ele tem.
Todos esses cheiros fazem parte da nossa memória afetivoolfativa e são revividos por nosso cérebro em uma questão de milésimos de segundo. Quando degustamos um vinho, obrigamos o cérebro a buscar aqueles aromas em nossa memória.
Para facilitar a vida de quem degusta profissionalmente e tem, muitas vezes, de atribuir notas e pontuação aos vinhos, os aromas são classificados e, portanto, seguem um padrão para que qualquer degustador – seja ele chinês ou polonês – fale a mesma língua.
Aromas seguem um padrão e são classificados para facilitar a vida do degustador
A ciência explica
Resultado da transformação do açúcar natural das uvas em álcool através da fermentação, o vinho tem seus aromas, em parte, resultantes desse processo. Celito Guerra, enólogo pesquisador da Embrapa, explica que os aromas primários dos vinhos são provenientes de compostos químicos voláteis como os carotenóides, terpenóis e pirazinas. “O termo ‘primários’, nesse caso, quer dizer os aromas de cada variedade de uva e do suco que ela produz, que será o mosto a ser fermentado. Essas uvas contêm compostos orgânicos voláteis”, diz Guerra. Isso quer dizer, por exemplo, que, em muitos vinhos Cabernet Sauvignon, quando as uvas são colhidas mais verdes do que deveriam, a pirazina (um dos produtos orgânicos da uva) pode não completar seu processo químico, dando ao vinho um aroma de pimentão verde (a pirazina existe no pimentão de cozinha, mas, nesse caso, este cheiro o identifi ca quando fresco).
Aromas podem ser primários (vêm das uvas), secundários (da fermentação) e terciários (surgem com o envelhecimento do vinho)
Os aromas que os degustadores reconhecem não resultam, portanto, de ideias aleatórias, mas, sim, de compostos orgânicos bem conhecidos. A divisão dos aromas para a degustação obedece a uma regra básica: aromas primários – aqueles que vêm das uvas; aromas secundários – oriundos do processo de fermentação; e aromas terciários – formados na maturação e envelhecimento do vinho.
Reconhecendo os principais aromas
Existe uma dica importante que poucos degustadores passam adiante: aspirar com muita intensidade os aromas na boca da taça só vai trazer para sua narina o cheiro de álcool. Ele é, sim, o mais forte e o mais volátil. Por isso, aspire com delicadeza, sempre.
No caso dos espumantes, a taça não deve ser girada. Esse movimento, que equivale a colocar uma colher no refrigerante, faz as borbulhas desaparecerem, e são precisamente as bolhas que permitem aos aromas dos espumantes alcançarem nossos narizes. Se for difícil identifi car o buquê do espumante, pode ser porque o vinho está gelado demais (isso fecha os aromas) ou por ser muito sutil, feito com uvas pouco aromáticas (as uvas brancas são divididas em aromáticas e não aromáticas). Ajuda tampar a taça com a palma da mão por alguns segundos e depois aspirar novamente.
O fato de uma uva ser classificada como “não aromática” não tem nenhuma influência na qualidade fi nal dos vinhos. Tal classificação, aliás, não quer dizer que não tenha aroma algum, apenas que seus cheiros são menos pronunciados. Chardonnay, Riesling e Pinot Grigio são exemplos de nãoaromáticas, e Moscato e Sauvignon Blanc, das aromáticas.
Ao degustar, tente relacionar os cheiros à sua memória olfativa. Quanto mais você repetir essa experiência, mas fácil perceberá os aromas nas degustações futuras
Antes de degustar, leve em consideração alguns detalhes: o local deve estar livre de outros cheiros, como os de desinfetante e insenso. Para fumantes, são necessárias algumas horas sem o cigarro para que as narinas voltem a captar os aromas e pode ser até mesmo necessária a troca de roupas, pois elas retêm o odor do tabaco.
Evite consumir café, chá preto e leite por duas horas antes da degustação e não use perfume e nem creme para as mãos. Depois, verifique se as taças estão com algum aroma. Certas vezes, quando guardadas ainda úmidas em armários de madeira, elas cheiram a madeira. Limpe-as com um pano branco e um borrifador com medidas iguais de água e álcool.
Lembre-se de que sentimos os aromas de duas maneiras: a direta, pela aspiração através das narinas; e a retronasal, percebida quando engolimos a bebida (percepção comum quando se está resfriado).
Para auxiliá-lo em sua próxima degustação, veja (na tabela final) alguns dos aromas mais associados a vinhos brancos e tintos. Perceba como quase todos eles fazem parte de nossa memória olfativa cotidiana e isso facilitará sua apreciação dos vinhos. Importante é repetir essa experiência, pois, assim, o cérebro se encarregará de deixar essas memórias olfativas prontas para a sua próxima degustação.
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