por Eduardo Milan e Wendy Elago
Quem gosta de beber bem, também gosta de comer bem, e certamente se interessa por iguarias gastronômicas, como as trufas. Trufas são fungos, cogumelos subterrâneos, que crescem junto a raízes de árvores como o carvalho e a castanheira, em regime de simbiose. Existem milhares de variedades, mas apenas algumas são apreciadas pelo homem e comestíveis. Estas são conhecidas por seu aroma intenso e inigualável, e por seu sabor exótico, agradável e penetrante.
A mais “famosa” é provavelmente a trufa branca de Alba, na Itália, da espécie Tuber magnatum. De fato, ela é bastante aromática e potente, normalmente consumida em menor quantidade. Entretanto, a trufa negra, da espécie Tuber melanosporum, encontrada na região francesa de Périgord e também nos Pirineus espanhóis, não é menos nobre. Seu aroma é mais suave, mas o sabor é muito agradável. Além disso, pode – e deve! – ser utilizada em maior quantidade nos pratos em que é consumida.
A colheita das trufas negras na região de Huesca, aos pés dos Pirineus, vai de dezembro a março. O local é propício ao crescimento das trufas. Isso porque o clima é mediterrâneo, ou seja, os verões são quentes e secos e os invernos, mais frios e úmidos, sempre com boa amplitude térmica. O solo é pobre e tem boa porosidade, com pH superior a 7,0. Quanto à vegetação, predominam os carvalhos. Assim, a Tuber melanosporum se adaptou bem e, em todos os anos, trufeiros – nome dos que se ocupam de apanhar e vender trufas – saem com seus cães e encontram uma boa quantidade de trufas de excelente qualidade.
Quando se fala em colheita de trufas, na verdade, quer-se dizer caçada. Sim, considerando que, ao contrário de outros tipos de cogumelos, as trufas crescem embaixo da terra, em profundidades de até 30 centímetros, obviamente não são vistas pelo homem. Na verdade, todo trufeiro tem cães treinados a farejar e encontrar esse tesouro. Só então, o homem cava o local com cuidado, para não machucar a trufa, e a colhe.
Depois de colhidas, elas devem ser muito bem limpas. Além de estarem repletas de terra – que deve ser removida com precisão – sua parte exterior é cheia de esporos, também bastante desagradáveis.
Principal qualidade da trufa é o aroma: quanto mais intenso, melhor
Embora uma trufa enorme encha nossos olhos, o que determina a sua qualidade é seu aroma: quanto mais intenso, melhor a qualidade e maior seu valor. Como em qualquer outra cultura “agrícola”, as condições climáticas têm influência direta na qualidade do produto.
Nos Pirineus, a trufa negra é tida como um presente da natureza, resultado da biodiversidade do clima mediterrâneo. Os trufeiros espanhóis costumam decantar seu orgulho por viverem naquela região e procuram preservar as florestas para garantir a produção da iguaria ano a ano.
Fazer a combinação perfeita de trufas – sejam negras ou brancas – com os vinhos não é das tarefas mais fáceis. Depende não só das trufas em si, mas também do alimento sobre o qual são raspadas. Como regra geral, rótulos jovens e frutados não fazem um bom casamento. A cepa Nebbiolo costuma ter boa afinidade, desde que o vinho não seja muito pesado; por isso, Barbarescos normalmente harmonizam com trufas de forma melhor que Barolos. Boas apostas são Borgonhas tintos, Saint-Émilions, Merlots e vinhos da Rioja. Para brancos, Chardonnays com passagem em madeira e Champagnes Vintage, além de Viogniers, também com passagem em madeira, como, por exemplo, um bom Condrieu. Em todos os casos, os indicados são vinhos maduros.
À caça
Cães são treinados para apontar o local exato onde estão as trufas
ADEGA teve o prazer de acompanhar uma caçada às trufas espanholas e participar de um jantar repleto da iguaria, no “Días de Vino y Trufas 2014”. Embora fosse um dia bastante frio, com neve, inclusive, o expert em trufas, Mario Cequier – engenheiro florestal que abandonou a profissão há 12 anos para se dedicar exclusivamente ao trabalho com as trufas e seus produtos – nos recebeu e nos guiou pela aventura em Secastilla, na companhia de um de seus quatro cães trufeiros, treinados para localizar trufas negras.
A caçada aconteceu por trilhas sinuosas, nas montanhas. O cão lidera o grupo determinado, desviando da trilha e adentrando pela vegetação sempre que atraído pelo aroma das trufas. É seguido de perto pelo trufeiro. Quando para em um local exato, passa a cavá-lo, apontando, bastante alegre e entusiasmado, que ali há uma trufa. Dito e feito.
Cequier, sempre gentil com seu cão, comanda para que ele se afaste e, assim, colhe a iguaria. Em seguida, o cão volta para a trilha, recomeçando a busca. Tudo é muito rápido e preciso. Mesmo com temperatura de aproximadamente -2oC e muito vento, o cão nos conduziu, por meia hor,a por mais cinco a seis locais, onde foram colhidas novas trufas, todas de tamanho considerável (algo entre uma bola de golfe e uma bola de tênis). Apesar de todo o grupo estar maravilhado, Cequier nos disse que, em melhores condições – temperatura mais amena e sem neve –, poderíamos ter caçado com mais calma e localizado trufas ainda maiores.
Ao estar com Cequier, percebe-se que ele é mesmo um expert e, por isso, fornece suas trufas para os melhores restaurantes da Espanha, como o estrelado La Taberna de Lillas Pastia, de Huesca, responsável pelo jantar que aconteceu na vinícola Blecua. A experiência foi memorável. As cinco entradas, três pratos e a sobremesa foram elaborados com trufas negras recém caçadas, cujos frescor e aroma eram latentes e trouxeram complexidade a todo o conjunto.
A harmonização com os vinhos, conduzida pelo talentoso sommelier francês Eric Vicente, do estrelado Cinc Sentits, em Barcelona, abrilhantou ainda mais os pratos e iluminou os vinhos, comprovando que, quando a perfeita combinação é atingida, vinho e comida ficam ainda melhores. Vale conferir então os vinhos escolhidos e os pratos que os acompanharam naquela noite magnífica.
O último prato, cabrito rustido con salsa bearnesa de trufa al mortero, foi servido na companhia de uma vertical de três safras do tinto Blecua, um dos vinhos ícones da região de Somontano e, segundo o sommelier, o 2007 combinaria com a salsa bearnesa, o 2005 com o cabrito rustido e o 2004 com demi-glace que acompanhava a carne. A sugestão foi testada e aprovada.
Caça com cães
Os cães trufeiros são muito treinados para seu trabalho. Sua função é encontrar as trufas, indicar para seu dono onde estão, sem comê-las ou destruí-las. Isso é primordial. A raça do cão, portanto, é menos importante do que seu treinamento. Trufas são bastante aromáticas – quando maduras, o aroma é mais intenso – e os cães se guiam pelo olfato para localizá-las.
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