Conheça a ciência por trás da tonalidade de um vinho e qual o papel na percepção da qualidade
por Hugo Cesar Stefano Da Silva
A cor do vinho não é apenas um elemento visual, mas um indicador fundamental de sua composição e evolução. Desde a maturação das uvas até os processos de vinificação, fatores como luz, temperatura e pH influenciam diretamente os pigmentos responsáveis pela coloração.
Compreender essas interações químicas é essencial para enólogos e apreciadores que desejam avaliar a qualidade e o potencial de envelhecimento da bebida.
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Descubra como os antocianos e os taninos determinam a tonalidade dos vinhos tintos e como a enologia pode preservar esse atributo essencial.
Para a percepção das cores, o olho humano transforma em sensação de luz certas radiações, mais especificamente os comprimentos de onda compreendidos entre 390 nanômetros e 820 nanômetros, ou seja, a luz visível.
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A cor do vinho vem do fato de ele ser capaz de absorver diferencialmente as radiações coloridas que o atravessam. O vinho tinto, por exemplo, parece vermelho porque absorve a maioria das radiações correspondentes às outras cores do espectro, exceto aquelas que originam a cor vermelha, deixando passar, portanto, as radiações vermelhas até nossos olhos.
Mas, para que o resultado desse sistema fisiológico seja positivo e satisfaça as expectativas do apreciador de vinhos, existe um complexo processo químico que se inicia no vinhedo e é influenciado diretamente durante os processos de vinificação.
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Os compostos responsáveis pela intensidade corante estão presentes nas uvas e correspondem a um grupo particular de fenóis conhecidos como antocianos. As antocianinas são um subgrupo dos antocianos, porém, por apresentarem mais estabilidade química, podemos considerá-las como o grupo responsável pela coloração dos vinhos.
As antocianinas, calculadas como malvidina-3-glucosídica, apresentam-se em quantidade nas variedades para vinho tinto com muita cor, tal como o Cabernet Sauvignon, na faixa de 1g/kg, podendo chegar a 5g/kg para variedades tintórias como a Alicante Bouschet.
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Em termos gerais, estes compostos correspondem a um grupo pertencente aos taninos, ou seja, à família dos flavonoides. Eles se caracterizam por uma estrutura química correspondente aos anéis de seis átomos de carbono unidos por um heterociclo central de três átomos de carbono. De forma esquemática, pode-se representar como uma estrutura C6-C3-C6.
A cor das uvas tintas começa a aumentar quando as bagas iniciam sua maturação e há o acúmulo de açúcares simultaneamente. A principal rota de síntese dos compostos fenólicos se origina a partir do aminoácido fenilalanina, mediante a ação da enzima Fenilalanina amônia-liase, que dá origem aos primeiros compostos fenólicos, base de grande parte dos compostos flavônicos, entre eles os antocianos e taninos.
Pesquisas demonstram que os principais fatores que interferem na síntese de compostos responsáveis pela coloração das uvas e do futuro vinho, além das características genéticas de cada variedade, são a temperatura e a luz.
Na primeira, as enzimas apresentam faixas de temperaturas ótimas, que estão entre 15°C e 27°C, e a segunda atua como estímulo luminoso fundamental para a regulação das rotas de síntese. A quantidade de açúcar também é fundamental, já que são substratos para a realização da síntese desses compostos colorantes.
Nos vinhos já elaborados, fatores como o pH, o nível de dióxido de enxofre, a temperatura, o nível de oxigênio, a presença de etanal ou acetaldeído, entre outros, afetam a estabilidade e a coloração presente neles. As antocianinas se encontram em vacúolos presentes principalmente nas cascas das bagas.
No momento em que começa o processo de vinificação, as antocianinas são extraídas desde o desengace e esmagamento por ruptura das células e dos vacúolos, até o início da maceração, passando rapidamente para o mosto, ainda quando há um baixo conteúdo de álcool.
Os antocianos apresentam um equilíbrio em função do pH entre formas químicas diferentes, o que condiciona aspectos muito importantes da cor do vinho. Com o pH muito baixo, a forma da maioria dos antocianos presente no vinho é conhecida como cátion flavílio, que apresenta uma coloração vermelha.
A partir do momento em que o pH aumenta, o cátion flavílio passa para uma forma química conhecida como base quinoidal, de cor violácea, e na pseudobase carbinol, que é incolor. Por outro lado, a pseudobase carbinol pode transformar-se em um composto conhecido como calcona, que apresenta uma ligeira cor amarela.
No vinho, existe um equilíbrio entre as formas vermelha, azul e incolor. Para o pH que se apresenta na maioria dos vinhos, na faixa de 3,5 a 4, apenas 20% a 30% das antocianinas se encontram coloridas. Os 70% a 80% restantes das antocianinas poderiam potencialmente colorir o vinho, porém estão incolores nesse pH.
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Quanto às transformações que ocorrem na cor dos vinhos, além das relacionadas com a perda por oxidação das antocianinas, há também importantes formações de novos pigmentos mais estáveis e de colorações diferentes. Um grupo de compostos muito reativos denominados flavonoides, conhecidos genericamente como taninos, se une às antocianinas.
A união antociano-tanino pode ser do tipo direta, dando origem a compostos vermelhos, ou mediada por etanal ou acetaldeído, gerando compostos vermelho-azulados. No caso da união mediada por acetaldeído, justifica-se a importância de os vinhos passarem por um período em barricas de carvalho para ocorrer uma micro-oxigenação permitida pelos microporos da madeira.
Por sua grande complexidade, o conhecimento da cor dos tintos é um desafio que merece muitos estudos para promover práticas enológicas que ajudem a preservar as matérias corantes dos vinhos, mantendo este importante atributo sensorial.
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