Por que os vinhos dessa região francesa são tão comentados atualmente?
Por Patricio Tapia Publicado em 21/06/2016, às 11h00 - Atualizado em 12/04/2019, às 11h15
A primeira vez que tive alguma noção dos vinhos de Jura foi graças a uma garrafa de Pierre Overnoy. Hoje sei que o já aposentado Overnoy é um dos grandes mestres do vinho em Jura (e na França) e que beber seus vinhos foi uma tremenda forma de entrar no mundo dos brancos e tintos dessa região muito na moda no leste da França. No entanto, quando comprei essa garrafa há cerca de 10 anos, não sabia nada disso. Comprei-a porque gostei do rótulo, porque não conhecia a região e porque o vinho era barato.
Comprar hoje um vinho de Overnoy é quase impossível, e não só porque custam três ou quatro vezes o que custavam há 10 anos, senão principalmente porque a demanda é tanta que, tão logo eles surgem, somem. A última vez que comprei uma de suas garrafas, de fato, foi em uma lojinha no povoado de Pupillin, em Jura mesmo. E foi quase como se o dono me fizesse um favor. Assim famoso ficou Overnoy e assim na moda também estão os vinhos de Jura no mercado internacional.
Jura se encontra, como disse, no leste da França, junto à Borgonha e quase na fronteira com a Suíça. Sobre os maciços de Jura, uma região de montanhas, os vinhedos de variedades nativas como a Poulsard, a Savagnin e a Trousseau se misturam com a herança borgonhesa de Chardonnay e Pinot Noir. Para os compradores mais recatados e conservadores, tenho um dado de que vão gostar. Alguns dos melhores Chardonnay da França são feitos em Jura, às vezes, muito melhores que na própria Borgonha, e claro que a um preço muitíssimo menor. Se querem pechinchas em Chardonnay, Jura é o lugar.No entanto, o que eu beberia na região são seus tintos e, sobretudo, seus brancos feitos sob véu de flor, os iconoclastas “Vin Jaunes”, a retumbante e clara resposta francesa aos vinhos de Jerez. Mas vamos por partes.
A Poulsard e a Trousseau são as cepas tintas da região. A primeira, também conhecida como “Ploussard”, é uma uva que dá tintos de pouca cor e de taninos muito delicados. Com ela, obtém-se vinhos deliciosos em frescor. Alguma vez ouviram falar dos “vinhos de sede”? Esses vinhos que, por serem frescos e suculentos, parecem ter sido desenhados para matar a sede? Pois bem, mestres em Poulsard como Overnoy, Ganevat, Puffeney ou Bourdy fazem vinhos que são perfumados e complexos, às vezes até estruturados e verticais, mas sempre – e sem exceção – deliciosos para aplacar a sede.
No duo de cepas tintas de Jura, a Poulsard é a delicada e fina, enquanto a Trousseau é a firme e concentrada, ainda que isso só se aplique na lógica da região, onde o clima é frio e as castas demoram para madurar. A Trousseau, por exemplo, necessita das colinas mais expostas ao sol quente da tarde para poder madurar seus taninos e perder seu lado vegetal. Quando isso ocorre, produz vinhos deliciosos, refrescantes, vivos e com um corpo médio a ligeiro que parece perfeito para os embutidos da região.
O primeiro dos vinhos de Jura, no entanto, é o vinho amarelo ou “Vin Jaune”. Feito com a variedade branca Savagnin, uma cepa de grande intensidade e acidez, o vinho amarelo é produzido por toda a região, mas, sem dúvida, a zona mais famosa (e de onde vêm os melhores exemplares) é Château-Chalon, uma série de vinhedos de solos de piçarras azuis (é assim mesmo) que se desprendem de uma pequena e preciosa montanha no coração do lugar.
A Savagnin é colhida tardiamente e depois estagiada em barrica de 228 litros que não são completamente enchidas, permitindo que, depois de dois ou três anos (de acordo com as condições climáticas do período), forme-se o véu de flor ou la voile, algo muito similar ao que ocorre com os vinhos de maturação biológica como o Fino ou o Manzanilla. A diferença, isso sim, é que o vinho amarelo nunca é fortificado.
Uma vez transcorridos seis anos e três meses (tal como diz a lei), o vinho é engarrafado em garrafas peculiares de 620 ml, chamadas localmente “clavelin”. Esses vinhos amarelos podem durar décadas de guarda e, de fato, muitos dos melhores exemplares que tenho em minha adega (Jean Macle, no mesmo Château-Chalon, é o meu favorito) não penso em abrir logo e pode até ser que permaneçam como herança.
Em termos de aromas e sabores, o vinho amarelo é muito similar ao Jerez. Seus sabores também são salinos antes de tudo. E sua acidez é alta, algo que se acentua com o grau zero de dulçor, apesar de suas uvas serem colhidas muito tardiamente.
Trata-se de um vinho único, irrepetível, singular. Ainda que, se paro para pensar por um instante, todos os vinhos produzidos em Jura (inclusive os Chardonnay) têm algo de próprio, algo que não se vê em nenhuma parte do mundo. E, sim, é uma pena que estejam na moda. Sorte na caçada. Vai ser duro encontrá-los.