De um pequeno vinhedo desconhecido a ícone global, descubra a história, o terroir e os segredos por trás do cultuado Le Pin de Bordeaux
Arnaldo Grizzo Publicado em 21/11/2024, às 17h00
Um vinhedo pouco chamativo de pouco mais de um hectare, vigiado por um pinheiro, adornado por uma casa singela (certamente não um château). Isso foi Le Pin desde 1924 até 1978 nas mãos da família Loubie, que vendia a uva lá produzida para outros produtores fazerem vinhos genéricos da denominação Pomerol.
Em 1979, Madame Loubie decidiu vender a propriedade para os belgas da família Thienpont, donos do Vieux Château Certan, não muito distante dali, também no vilarejo de Catusseau. Hoje, Le Pin, considerado um dos pioneiros do movimento dos vinhos de garagem, é um dos bordaleses mais cultuados do planeta, com valores estratosféricos.
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Esse prestígio deve-se a uma série de fatores curiosos. Até 1978, Le Pin sequer era um vinho. Quando os Thienpont se interessaram pela compra do vinhedo, a primeira ideia seria acrescentar essas vinhas às do Vieux Château Certan. Devido ao preço elevado da propriedade, a família desistiu e somente Jacques Thienpont (que acreditava que havia algo de especial no local e podia gerenciá-lo sozinho devido ao tamanho diminuto) assumiu o negócio.
A primeira safra de Jacques, em 1979, foi complicada. Os vinhedos estavam em estado lastimável e precisavam ser replantados. Ele tinha dinheiro para comprar apenas um tonel de aço inoxidável e poucas barricas de carvalho francês. Graças a essa falta de recursos, ele – sem querer – criou uma tendência que futuramente seria imitada por muitos: fazer a fermentação malolática em barricas. “Não tinha outro lugar para colocar os vinhos”, explica.
Com produção baixa e artesanal (daí ele ser considerado juntamente com Jean-Luc Thunevin, do Château Valandraud, um dos primeiros garagistas), o vinho foi vendido a preços irrisórios, muito aquém do que se pagava pelos do Vieux Château Certan. Sua sorte, contudo, começou a mudar em 1982, ano em que o crítico norte-americano Robert Parker despontou no cenário mundial ao afirmar que aquela safra era excepcional. Entre os vinhos que Parker exaltou estava o também desconhecido Le Pin.
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Os Thienponts são uma família flamenga estabelecida na Bélgica, que durante vários séculos estiveram baseados em Etikhove, em Ardenas. Foi lá que Camille Thienpont iniciou uma empresa de comercialização de vinhos em 1842. No início do século XX, o negócio era dirigido por Georges Thienpont, que viajava regularmente a Bordeaux para comprar vinhos.
Em 1921, ele comprou o Château Troplong Mondot, em Saint-Émilion, e três anos depois conseguiu adquirir o Vieux Château Certan, em Pomerol. Com a crise e a grande depressão dos anos 1930, Georges precisou vender Troplong Mondot, mas manteve o Vieux Château Certan. Ou seja, antes mesmo de os Thienpont se dedicarem à produção de vinhos, eles estavam (e ainda estão) ativos no comércio.
Sendo assim, Jacques aproveitou a expertise familiar para tornar o vinho conhecido e, em pouco tempo, transformar Le Pin em um artigo de luxo extremamente disputado devido à produção ínfima de menos de uma centena de caixas. Ao mesmo tempo, ele foi fazendo mudanças na propriedade, com ajuda do primo Alexandre Thienpont (que detém 20% do negócio).
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Assim, replantou e redesenhou o vinhedo com novos clones de Merlot. Em 1984, surgiu uma oportunidade de expandir as vinhas. Após muita insistência, uma viúva, que cultivava uma horta em um terreno vizinho de 0,3 hectare, vendeu-lhe a propriedade. Pouco depois, o Domaine de la Vielle Ecole foi colocado à venda, e ele aproveitou a oportunidade para adicionar mais 0,6 hectare aos seus vinhedos.
Hoje, o Le Pin tem 2,7 hectares. A maioria das vinhas é de Merlot e há um pouco de Cabernet Franc (que não é mesclada no vinho). Situada no centro do planalto de Pomerol, o vinhedo tem exposição sul. O solo superficial contém uma grande quantidade de seixos antigos que são raros principalmente nos solos argilosos da região.
Por baixo há uma camada complexa de calcário, cascalho e areia ferruginosos. A vinha é gerida segundo os mesmos princípios do Vieux Château Certan – com poda severa – sem fertilizantes, sem pesticidas e sem herbicidas. Os rendimentos costumam ser de 30 hl/ha.
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Esse estilo minimalista rendeu a Le Pin o apelido de “Domaine de La Romanée Conti de Bordeaux”. Em 2011, Le Pin, contudo, decidiu dar um pequeno salto e construiu uma nova adega. Ela foi projetada pelo arquiteto belga Paul Robbrecht. A vinícola estabeleceu um melhor controle de temperatura, instituiu movimentos por gravidade e mais precisão na seleção.
As uvas são colhidas manualmente e classificadas em três etapas diferentes antes de serem transportadas para sete pequenas cubas cônicas de aço inoxidável de 16 a 45 hectolitros. Os vinhos são fermentados nas cubas e, depois de uma maceração de duas semanas, transferidos para barricas de carvalho novas para a fermentação malolática e envelhecimento. Após 18 meses, o vinho é clarificado e engarrafado sem filtração.
Somente de 5 a 6 mil garrafas são produzidas por ano. Uma raridade que, safra após safra, alcança preços tão ou mais elevados que os Premier Grand Cru de Bordeaux, com séculos e séculos de história. Apesar disso, seu produtor mantém o estilo simples de um típico garagista e afirma que, todo ano, faz seu vinho dependendo da inspiração que lhe surge.