Os 10 rótulos que marcaram a história do vinho

De um Perrier Jouët a um Château Mouton Rothschild, elencamos os rótulos que fizeram história

Arnaldo Grizzo Publicado em 20/10/2019, às 13h00

Vinhos são personagens importantes em diversos momentos de nossas vidas. Separamos alguns rótulos que marcaram a história do mundo e do Brasil

Muitos vinhos certamente marcam as nossas próprias histórias. Cada momento importante de nossas vidas costuma estar vinculado a um grande vinho, separado e degustado exatamente para casar com uma ocasião especial. Difícil esquecer o que bebemos em nosso casamento ou no nascimento do primeiro filho, por exemplo. Mas quais vinhos foram capazes de deixar marcas na história mundial? Quais foram os “agentes transformadores”?

Pensando nisso, ADEGA decidiu elencar aqui 10 rótulos que fizeram história, muitos deles pioneiros em seus estilos e que certamente sinalizaram uma transformação ou mesmo uma revolução de estilos e tendências que viriam a acontecer depois de seus lançamentos. Todos, com certeza, são vinhos singulares, feitos por produtores que pensaram à frente de seu tempo, desafiaram tradições e costumes e criaram algo novo. Todos eles possuem um legado. Confira a seguir.

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Perrier-Jouët 1856

Perrier-Jouët foi a primeira casa de Champagne a produzir um espumante Brut

Os produtores de Champagne provavelmente foram os primeiros a trabalhar o marketing de seus produtos e também a entender a importância de adaptá-los ao gosto do consumidor. Em meados do século XIX, a região de Champagne já exportava grande parte de sua produção para mercados como Rússia e Inglaterra. Nessa época, os consumidores ingleses mostravam-se um pouco cansados de vinhos adocicados – os Champagne de então costumavam ter mais de 200 gramas de açúcar. Sendo assim, a Perrier-Jouët – fornecedora oficial da rainha Victoria – decidiu fazer uma dosagem menor, com apenas 30 gramas de açúcar. Em um primeiro momento, a bebida “seca” não teria sido bem recebida por alguns clientes, no entanto, com o tempo, os consumidores passaram a preferir esse estilo, chamado de Brut, em detrimento do doce. Dessa forma, as dosagens começaram a ser cada vez menores, com os Brut atuais possuindo menos de 12 gramas de açúcar. Um caso clássico de adaptação à evolução do gosto.

Marques de Riscal 1895

Marques de Riscal foi o primeiro vinho não francês a receber um prêmio em Bordeaux

O século XIX foi marcante para o mundo do vinho. Por volta de 1850, por exemplo, a filoxera apareceu nos vinhedos europeus e os devastou, causando profundas transformações na viticultura e enologia. Em 1855, Bordeaux criou sua famosa classificação de Crus, que até hoje impacta o mercado. Nessa época também começaram a ser realizados grandes concursos de vinho. A França, obviamente, era a principal referência de vinhos para o mundo. Em uma competição de vinhos em Bordeaux, em 1895, Dom Camilo Hurtado de Amezaga, o Marquês de Riscal, decidiu inscrever seu vinho riojano – feito seguindo preceitos, técnicas e até mesmo com castas francesas. Surpreendentemente, ele foi agraciado com um “diploma de honra”, tornando-se o primeiro vinho de fora da França a receber tal prêmio. Esta seria uma prova de que outros terroirs, se bem trabalhados, poderiam competir com os melhores. Os produtores estavam começando a buscar referências e “imitar” os franceses.

Peterlongo 1913

O imigrante italiano, Manoel Peterlongo foi o pioneiro dos espumantes nacionais

A história do vinho no Brasil remonta aos tempos dos colonizadores portugueses, mas foi a imigração italiana no sul do país que melhor delineou a indústria até seu estágio atual. Se hoje o Brasil vem sendo reconhecido mundo afora por produzir excelentes espumantes, essa tradição começou a ser moldada em 1913, quando Manoel Peterlongo – imigrante vindo do Trento – decidiu iniciar sua empresa e produzir seus primeiros “champanhes” na região de Garibaldi. A partir de então, diversos produtores incorporaram espumantes em suas linhas e os rótulos evoluíram. Na década de 1940, surgiram os primeiros espumantes de método Charmat. Nos anos 1970, empresas estrangeiras trouxeram enólogos e técnicas que revolucionaram a indústria. Atualmente, os espumantes são vistos como uma grande joia da vitivinicultura nacional e, eventualmente, comparados com alguns dos grandes rótulos no planeta.

Château Mouton Rothschild 1924

Philippe de Rothschild foi o primeiro a introduzir o conceito de “mis en bouteille au Château” em Bordeaux

A família Rothschild definitivamente foi uma das mais atuantes no mundo do vinho. Provavelmente o maior representante da família tenha sido Philippe de Rothschild. Em 1922, aos 20 anos, ele assumiu o Château Mouton e, dois anos depois, decidiu que seus vinhos não mais seriam vendidos em barris para os negociantes, mas, sim, somente depois de engarrafados na propriedade. Assim, ele criou o termo “mis en bouteille au Château”. À princípio, isso pode parecer uma mudança simples e lógica para resguardar a qualidade do vinho (e também a reputação do produtor) – sem correr o risco de os comerciantes conservarem mal a bebida ou mesmo a adulterarem quando era vendida à granel –, porém ela acarretou diversas outras transformações em Bordeaux, pois os Châteaux, entre outras coisas, precisaram criar novas estruturas para envelhecer os vinhos por si mesmos, além de precisarem mudar a forma como promoviam seus produtos.

Tignanello 1971


Tignanello rompeu com as regras de Chianti ao usar castas francesas e se tornou um dos primeiros Super Toscanos

Os anos 1960 foram de profunda crise na Itália. A recessão atingiu fortemente a região de Chianti e os vinhos estavam sendo vendidos a preços muito baixos. Alguns produtores, portanto, decidiram que precisavam fazer algo. Um deles foi Piero Antinori, que resolveu plantar vinhas de castas francesas, apesar de a Denominação de Origem Controlada não permitir o uso nos vinhos. Mesmo assim, em 1971, ele criou um blend de Sangiovese (uva típica da região) acrescido de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Ao rótulo “fora da lei” de Chianti, deu o nome de Tignanello – em referência ao vinhedo de origem das uvas. Mais ou menos na mesma época, Mario Incisa della Rocchetta, da Tenuta San Guido, também havia lançado seu Sassicaia, um blend de Cabernet Sauvignon e Franc, da safra 1968. Nasciam assim os primeiros Super Toscanos, que romperam com as regras das DOC italianas e revolucionaram a forma de fazer e pensar o vinho no país.

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Chateau Montelena Chardonnay 1973

O Chardonnay do Chateau Montelena surpreendeu ao vencer clássicos franceses no Julgamento de Paris

Complemente improvável, a vitória do Chardonnay 1973 do Chateau Montelena no Julgamento de Paris transformou por completo a indústria do vinho não somente no Napa Valley, mas no Novo Mundo todo. O Chardonnay de Jim Barrett venceu, em prova às cegas com jurados franceses, consagrados Chardonnay da Borgonha, considerados até então os melhores do mundo. Na mesma prova, entre os tintos, o Cabernet Sauvignon 1973 da Stag’s Leap também superou grandes rivais franceses como Mouton e Haut-Brion, por exemplo. A degustação repercutiu no mundo todo ao ter os resultados publicados em um artigo de apenas uma página na revista Time, em junho de 1976. Em pouco tempo, consumidores e produtores abriram os olhos para os vinhos e terroirs do Novo Mundo. Em 2004, Eduardo Chadwick promoveu a “Cata de Berlim”, em que colocou seus vinhos chilenos em prova às cegas contra tops franceses e italianos. Novamente, o Novo Mundo saiu vencedor, com o Viñedo Chadwick.

Opus One 1979

 

Opus One foi a primeira joint-venture entre produtores consagrados do Velho e do Novo Mundo

Por volta da mesma época em que ocorreu o famoso Julgamento de Paris, que redefiniria o mapa da indústria vitivinícola mundial, o Barão Philippe de Rothschild – que em 1973 havia conseguido promover o Mouton ao posto de Premier Cru Classé – já estava de olho no Novo Mundo. Empreendedor, ele buscou formar uma parceria para produzir grandes vinhos fora da França. Foi aos Estados Unidos e encontrou Robert Mondavi, com quem passou a produzir o vinho Opus One. Tão logo seu lançamento em 1984 (da safra 1979), o rótulo já nasceu como o primeiro super-premium no mercado norte-americano, vendido com preços acima de US$ 50, algo até então inédito para um vinho local. Certo é que movimento dos Rothschild foi seguido por outros tantos produtores consagrados do Velho Mundo, como Torres, Perrin, Drouhin etc, que passaram a investir diretamente ou através de sócios em novos mercados e terroirs para produzir vinhos de excelência, dando grande impulso para a vitivinicultura do Novo Mundo.

Petrus 1982

 

A safra 1982 entrou para a história. Nela, Robert Parker deu suas primeiras notas 100

A década de 1970 foi terrível para Bordeaux, com diversas safras ruins. No entanto, tudo mudou em 1982. Naquele ano, a região presenciou uma safra histórica. Um dos primeiros a perceber a grandiosidade do ano foi Robert Parker, até então um crítico de vinhos relativamente pouco conhecido. Em seu “report” da safra, porém, ele não poupou elogios e ainda por cima distribuiu seus primeiros 100 pontos. Petrus, Mouton e Leóville-Las-Cases foram agraciados com a nota da perfeição. Isso criou um fenômeno até então nunca visto e fez com que os consumidores norte-americanos comprassem caixas e mais caixas de Bordeaux. Com os dólares americanos entrando, os Châteaux se modernizaram. Com o paladar americano reinando, também precisaram se adaptar a um estilo mais opulento de vinhos (que ficou conhecido como Parkerização). Por fim, passou-se a sentir os efeitos da especulação no mundo do vinho, com safras negociadas a preços cada vez mais altos.

Château Lafite 1787

 

A garrafa mais cara já vendida em um leilão talvez seja falsificada

Lafite inegavelmente é um dos principais vinhos do mundo, fazendo parte do seleto grupo dos cinco Premier Cru Classés de Bordeaux. Seus rótulos sempre estiveram entre os mais caros do planeta, porém, em 1985, durante um leilão, uma garrafa da safra  de 1787 foi arrematada pelo empresário Malcolm Forbes por “singelos” US$ 160 mil, o maior valor pago por uma única garrafa de vinho até então. Muito mais do que ser uma garrafa de 198 anos na ocasião, ela continha as iniciais Th. J. gravadas no vidro, indicando que teriam pertencido à coleção pessoal de ninguém menos que Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos, e apaixonado pela bebida. Anos mais tarde, porém, a autenticidade da garrafa foi contestada, provocando um escândalo mundial – que até hoje não foi solucionado. Depois disso, porém, produtores e leiloeiros do mundo todo passaram a se preocupar cada vez mais em criar métodos de autenticação de garrafas e sistemas antifraudes.

Um vinho de mais de 130 anos recebeu avaliação perfeita de ADEGA

Ne Oublie 1882

Um vinho de mais de 130 anos recebeu avaliação perfeita de ADEGA

Este Vinho do Porto é definitivamente um marco na história de ADEGA – além obviamente da família Symington, donos da marca Graham’s. Nossa edição já deu destaque especial para o segundo vinho a receber 100 pontos pela nossa equipe de avaliadores. Um fato marcante e inesquecível. Talvez não à toa o rótulo se chame “Ne Oublie”, algo como “Não esqueça”, em francês – que era o mote do clã dos Graham’s. Este rótulo é a herança de Andrew James Symington, que saiu do Reino Unido para trabalhar em Portugal. Anos mais tarde, já bem sucedido, resolveu adquirir quatro pipas de um Porto 1882, ano de sua chegada no Douro. Com o passar do tempo, a “cota dos anjos” e os consequentes atestos fizeram que sobrassem apenas três barris. No ano passado, um deles foi engarrafado pela família Symington, dando origem a apenas 656 garrafas que contêm mais do que simplesmente um grande vinho, mas uma experiência completamente inesquecível.

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