Separamos algumas dicas para degustar alguns vinhos que raramente escolhemos nas prateleiras
por Redação
Laranja, de talha ou Jerez. Vinhos que não degustamos todos os dias, mas sempre valem a pena
Na história, já vimos fenômenos como os vinhos “retour des indes”, por exemplo, durante o século XIX. Eram vinhos embarcados em navios que zarpavam para “as Índias” e depois retornavam. Isso fazia com que os vinhos “apurassem” o sabor, segundo os negociantes da época. Esse tipo de bebida foi extremamente valorizado durante alguns anos, contudo, logo foi abandonado.
Pode-se voltar ainda mais no tempo, para a antiguidade, quando o vinho raramente era bebido “puro”. Na maioria das vezes, acrescentavam-se especiarias, mel e outros produtos na bebida para torná-la mais palatável, pois, nem sempre seu sabor era dos melhores (muitas vezes, devido à má conservação, já passava por processo de oxidação – avinagrava –, por exemplo). Hoje, beber vinho misturado com algo é quase inconcebível.
Sim, nessa jornada, já houve vários vinhos aclamados e, posteriormente, esquecidos por completo, ou quase. Os vinhos com resina, por exemplo, foram moda durante um período da antiguidade. Hoje ainda existem quase como uma curiosidade na Grécia (os Retsina). Os Vin de Constance, sul-africanos, já foram mundialmente conhecidos no século XIX, quase sumiram e só agora têm sido resgatados.
Ou seja, o vinho já passou por diversos “fenômenos”. Mais recentemente, vivemos uma era de “blockbusters”, vinhos com muita fruta e muita madeira, estilo ainda valorizado por alguns consumidores e produtores, mas que, aos poucos, foi sendo colocado à margem e abriu espaço para vinhos mais frescos atualmente.
Mas o que temos visto no mundo hoje que vale a pena ficar de olho? Que tipos de vinhos estão em alta? Por quê? Quais fenômenos devem surgir? O time de ADEGA se fez essas questões e elencou 10 tendências que deveriam ser conhecidas. São vinhos que estão dando o que falar recentemente e que, temos certeza, ampliarão o seu repertório. Confira quais são e o porquê de valer a pena prová-los.
Na volta às origens da vitivinicultura, ressurgiu o vinho de talha
Definitivamente, esse não é um vinho “novo”.
O histórico vinho de talha, tradicional do sul de Portugal, remonta ao Império Romano, quando se introduziu a produção em ânforas de barro, que por lá ficaram conhecidas como talhas. Esse método de vinificação em ânfora voltou a ser “cult” há poucos anos, sendo retomado e experimentado por alguns do mais célebres enólogos do mundo. Nessa volta às origens da vitivinicultura, ressurgiu também o vinho de talha, que ainda era muito comum em Portugal, mas desprestigiado.
Agora, cada vez mais produtores importantes estão investindo e criando rótulos com esse método, que também está sendo atualizado e refinado, dando origem a vinhos excelentes. Nomes como Herdade do Rocim (que até promove um “Amphora Day”), José Maria da Fonseca, Susana Esteban, Alexandre Relvas, Cartuxa, Herdade do Esporão, Paulo Laureano etc. possuem ótimos rótulos de vinhos de talha.
Este é um 100% Moreto, com fermentação espontânea com os engaços e posterior estágio de 3 meses em talhas de barro. Traz taninos granulados, ótima acidez e final suculento. Impressiona pela nitidez e fluidez do conjunto.
Gravner, o "papa" dos vinhos laranjas
O que parecia ter surgido como algo extremamente singular, com pouco apelo, hoje toma proporções mundiais e os principais guias de vinho do mundo criaram uma categoria específica para os vinhos laranjas. Pode-se dizer que a “moda” começou com o “eremita” Josko Gravner, no Friuli.
Após se frustrar com alguns aspectos da enologia, ele foi visitar a Geórgia e redescobriu técnicas ancestrais que passou a utilizar, como a ânfora e as longas macerações de brancos com cascas, engaços etc. Gravner torce o nariz quando seus vinhos são chamados de laranjas, prefere que digam “de cor âmbar”. Contudo, querendo ele ou não, o estilo foi imitado mundo afora, chegando até ao Brasil (que tem produzido belos exemplares como os da Leone di Venezia, Era dos Ventos etc.), e estabeleceu-se como “laranja”. Esses vinhos brancos estruturados, “brancos com alma de tintos”, como costuma-se dizer, já não são raros em lojas de vinho e possuem uma legião de fãs.
Este é um vinho laranja feito exclusivamente de Albariño fermentadas com as cascas por 182 dias. Cativante, tem final cheio e persistente, com toques de maçãs, de pêssegos e de ervas. Para as carnes de porco em geral.
Pinots chilenos atingiram a maturidade
Para os grandes apreciadores de vinho, não é fácil encontrar, fora da Borgonha, Pinots que tenham características que remetam aos daquela afamada região. O padrão de Pinot borgonhês cativa e, ao mesmo tempo, frustra enólogos e enófilos nessa busca. Um dos mais ávidos “caçadores de Pinot” fora da Borgonha certamente é o crítico chileno Patricio Tapia. Em suas andanças pela América do Sul para produzir o guia Descorchados, ele sempre tentou encontrar um Pinot de grande estirpe, mesmo sabendo que não é fácil (ou talvez possível) alcançar o estilo borgonhês.
Depois de mais de 20 anos de busca, não só de Tapia, mas dos enólogos sul-americanos, parece que, enfim, chegou-se a um padrão de Pinot de grande qualidade. Prova disso é que o vinho do ano de Descorchados 2020 no Chile é um Pinot, da Tabalí, algo inédito no guia. Contudo, não é só este rótulo ou produtor que merecem destaque. A lista de excelentes Pinot chilenos é extensa (vale provar da Errázuriz, Cono Sur, Casa Marín, Ventisquero etc.), portanto, é bom ficar de olho nessa casta por lá.
Com uvas provenientes de Quebrada Seca e San Julián, onde o clima frio recebe grande influência marinha, com muita névoa pela manhã, este é um vinho austero e com tipicidade dos bons Pinot Noirs. Belo equilíbrio e vibração, com taninos de qualidade e um tempero lácteo, na medida que comporta a passagem de 30% por barricas novas de carvalho.
Jerez possui diversas facetas e as mais encantadoras geralmente são obtidas pelo "véu em flor"
Também não é um estilo novo. Os vinhos de Jerez são históricos.
Mesmo durante a dominação islâmica, esta região do sul da Espanha continuou uma grande exportadora de vinhos. Os Jerez, porém, tiveram seu auge na época das navegações e também durante a expansão do império inglês (daí recebeu o nome Sherry, como também é conhecido). Contudo, ficaram um pouco adormecidos durante longos anos e agora parecem voltar à moda. Esse estilo de vinho fortificado, elaborado pelo tradicional sistema de soleras e criaderas, tem ganhado cada vez mais adeptos. Seus diferentes tipos (Fino, Manzanilla, Oloroso, Amontillado etc.) trazem ainda mais apelo a um vinho que pode ter diversas facetas, cujas mais encantadoras geralmente foram obtidas pelo “véu em flor” formado na barrica – que impede a oxidação e ainda dá tons únicos à bebida.
Esse estilo de vinificação tem sido replicado por produtores mundo afora. E se Jerez nunca deixou de ser um dos preferidos para um “trago” com “tapas” no fim de tarde no sul da Espanha, agora tem ganhado adeptos em muitos outros lugares.
Reserva limitada advinda de uma solera de apenas 15 barricas, com estágio prolongado de, pelo menos, 8 anos. Essa partida foi engarrafada no final de 2020 e o resultado é um fortificado complexo nos aromas e nos sabores, mostrando em harmonia o frescor, a vibração e os toques salinos de um fino. Uma deliciosa e cativante raridade.
Madeira era o vinho das "navegações" e seu estilo único vem ganhando espaço
É curioso que, no momento atual, alguns vinhos fortificados, ou seja, com maior grau alcoólico, estejam em voga.
Os vinhos da ilha da Madeira, território ultramarino português, fizeram parte da história e talvez o mundo não fosse o mesmo se eles não tivessem existido, pois pode-se dizer que eles foram “combustível” para as navegações não somente de Portugal, mas de tantas outras nações – já que a ilha servia de entreposto para as longas jornadas das embarcações, seja através do Atlântico para chegar à América, seja pelas costas da África para alcançar a Ásia. Era o vinho Madeira que servia de “ração” aos marujos, em uma época em que beber água era extremamente arriscado devido à contaminação.
Após esse período, seus vinhos nunca mais tiveram o mesmo tipo de prestígio. Recentemente, porém, estão reaparecendo nas taças dos enófilos mais exigentes. Seu método de produção, passando por estufagem, oxidações e reduções, cria um vinho singular, quase irrepetível.
Produzido exclusivamente a partir de uvas Boal, com o mínimo de 10 anos de estágio em barris de carvalho, tem acidez vibrante, boa textura, tudo num contexto de equilíbrio entre frescor e doçura, com final longo e profundo mostrando traços de nozes e de figos secos.
Hoje, Criolla e País fazem parte do portfólio das mais célebres vinícolas sul-americanas e estão ganhando espaço nas taças de todo o mundo
A uva dos missionários. A uva dos camponeses. A uva dos vinhos simples, para matar a sede. Até pouco tempo atrás, nenhum grande produtor da América do Sul dava a mínima para as castas Criolla – como é conhecida na Argentina – ou País – como é chamada no Chile.
Aos poucos, alguns enólogos e pequenos produtores passaram a se dedicar a elas, uma forma de resgatar tradições esquecidas. Assim, o estilo “pipeño” – de vinhos feitos de uvas consideradas menos “nobres” fermentadas em grandes pipas (tonéis de madeiras), daí o nome – foi ressurgindo. E o que parecia ser apenas experimentos e brincadeiras, logo foi chamando a atenção e tornando-se mais sério até que os grandes produtores não puderam mais ignorar essa tendência.
Hoje, Criolla e País fazem parte do portfólio das mais célebres vinícolas sul-americanas e estão ganhando espaço nas taças de todo o mundo com suas sutilezas, com seu estilo muitas vezes despojado e fácil de beber. Já é possível encontrar vários rótulos no mercado.
Este é um 100% Criolla com uvas advindas de um velho vinhedo de 1898, plantado a 2.600 metros acima do nível do mar. Parte do vinho (20%) estagia em barricas usadas e o restante em cimento. É fermentado sem leveduras adicionadas, com 5% de engaços. Mais uma ótima edição desse que é um dos melhores Criolla da Argentina.
Este 100% País destaca-se pela qualidade e nitidez de sua fruta. Um vinho de excelente relação qualidade e preço, assinado pelo renomado Pedro Parra.
Condições de produção na base de um vulcão criam vinhos especiais
A geografia da ilha da Sicília, na ponta da bota italiana, é marcada pelo Etna, um vulcão ainda ativo, que era considerado a forja dos deuses na mitologia.
E desde a antiguidade, ele determina não somente os aspectos geográficos da ilha, mas socioculturais. A cultura da vinha aos pés do Etna é ancestral, porém até os anos 1990, os vinhos lá produzidos não eram considerados de alta qualidade. Um grande investimento foi feito nos últimos anos e o panorama mudou drasticamente, com o surgimento de rótulos de grande prestígio de castas locais.
Nomes como Frank Cornelissen, um belga lá radicado, e também produtores tradicionais, como Planeta e Cusumano, ajudaram a renovar a vitivinicultura local, criando uma onda de vinhos com características bastante singulares – obtidas somente em um local tão extremo quanto a base de um vulcão. Isso serviu para atrair atenção de produtores de fora, e até Angelo Gaja está investindo na área. Castas como Nerello Mascalese, Carricante, Catarratto etc., até então pouco conhecidas, agora já ganham destaque graças aos vinhos do Etna.
Este é um 100% Nerello Mascalese, com estágio em carvalho francês. Exibe frutas vermelhas, floral, especiarias, ervas e delicada nota mineral. Tem final longo e profundo, com toques terrosos e salinos.
"Misturas de campo" eram regra no passado e hoje renascem
Os “blends de campo” remontam aos primórdios da vitivinicultura. A separação de variedades só começou quando o homem passou a ter mais conhecimento das diferentes espécies de plantas. Até então, misturava-se tudo o que houvesse cultivado em um vinhedo, incluindo uvas tintas e brancas.
E essa ideia de “compensação” entre as diferentes castas – havia anos em que algumas iam “pior”, outras iam “melhor” e tudo, teoricamente, equilibrava-se – perdurou por muito tempo. Hoje, com mais tecnologia, o conceito é um pouco diferente (com qualidade uniforme entre as diferentes castas) e o field blend continua sendo usado por produtores tradicionais em regiões também clássicas como Douro e Rhône. No Douro, por exemplo, é comum os rótulos apontarem “Vinhas Velhas”, significando que o vinho foi produzido com uvas de um vinhedo antigo, obviamente, sem a separação de variedades.
Essa tendência, contudo, não está restrita ao Velho Mundo, e têm surgido com força em países do Novo Mundo, como Argentina, Chile e Estados Unidos.
Com uvas cultivadas na propriedade da família de Pedro Ribeiro, enólogo da Herdade, com estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês de 500 litros e talhas de barro de 140 litros. Fresco e vibrante, impressiona pelos taninos de fina textura, pela acidez pulsante e pelo final longo e persistente, com toques de grafite. Preciso, vertical e muito gostoso de beber.
A área é mais conhecida pelos vin jaune, os famosos “vinhos amarelos”
Das regiões vinícolas francesas, o Jura talvez seja a mais negligenciada pelos enófilos.
Localizada no leste da França, a área é mais conhecida pelos vin jaune, os famosos “vinhos amarelos”, feitos com processo similar ao de Jerez, com véu em flor (com estágio mínimo de seis anos e três meses antes de serem engarrafados). No entanto, os vinhos do Jura não se resumem a esse estilo clássico.
Lá é possível encontrar desde espumantes, passando por brancos, tintos e doces. Castas como Poulsard, Trousseau e Savagnin, além de Chardonnay e Pinot Noir, são responsáveis por vinhos excepcionais, que, após encantar críticos de vinho, têm atingido cada vez mais consumidores.
Na região há nomes cultuados como Pierre Overnoy, cujas garrafas agora podem alcançar cifras altíssimas, mas essa maior exposição do Jura na mídia também tem facilitado o acesso aos seus vinhos, sejam tintos refrescantes, sejam brancos que rivalizam com os borgonheses, sejam os icônicos vin jaune.
Elaborado exclusivamente a partir de Trosseau, com estágio de 12 meses em barricas de carvalho, é um vinho fresco, tenso e cativante, tem taninos firmes e granulados, acidez elétrica e final persistente, com toques defumados e de cerejas.
Os Garnacha de Sierra de Gredos têm sido apontados como “tesouros escondidos”
Certamente a “moda” mais recente desta lista. Os vinhos de Gredos, na Espanha, vêm chamando a atenção dos críticos nos últimos dois anos.
Os Garnacha de Sierra de Gredos, local próximo a Madrid, têm sido apontados como “tesouros escondidos”. Mas não somente os Garnacha, como brancos feitos com Albillo Real, outra variedade local. Os solos graníticos da região deixam marcas na estrutura dos vinhos, com boa acidez e tanicidade. Segundo Jancis Robinson, “os vinhos Gredos têm sabor muito no estilo Borgonha, menos extraído, mais etéreo e mais leve que a maioria dos Garnacha espanhóis. A percepção do álcool pode ser alta, mas os vinhos conseguem reter alguma leveza, gerando um estilo único e reconhecível”.
Curiosamente, não existe uma denominação Sierra de Gredos oficial, então os vinhos (de três diferentes províncias) podem aparecer como DO Madrid, ou DO Méntrida, mas já há projetos para uma regulamentação específica.
Este 100% Garnacha conta com estágio de 12 meses em barris de carvalho francês de 500 litros. Vertical, tem taninos granulados, acidez refrescante e final persistente e suculento.
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