A passagem do cometa Romanée

Há vinhos para o dia-a-dia, há vinhos para ocasiões especiais e outros que são como cometas - passam por nossas vidas uma vez a cada século. Assim é o maior mito entre os vinhos, o La Romanée-Conti.

por Marcello Copello

O La Romanée-Conti é o vinho mais cobiçado do mundo. Uma lenda. Sua história de onze séculos se confunde com a da Borgonha, uma das mais antigas e importantes regiões vinícolas do Planeta. A denominação La Romanée é uma referência aos romanos que, ao chegarem à Borgonha, já encontraram videiras plantadas. Em 1131, o duque da Borgonha cedeu suas terras (incluindo este vinhedo) ao mosteiro de Saint-Vivant. Desde então, La Romanée teve apenas nove donos.

Em 1760, o já famoso vinhedo foi vendido para Louis-François de Bourbon, o príncipe de Conti, que teve de disputar sua compra com madame Pompadour. O príncipe, amante das artes e dos vinhos, destinou toda a produção ao seu consumo pessoal. Em 1793, Conti foi preso pela Revolução. A denominação Romanée-Conti, ao contrário do que se pensa, só surgiu em 1794.

Em 1911, La Romanée-Conti foi adquirido pela família Villaine, atual proprietária. Até 1945, as vinhas eram pé franco - raízes originais européias. Durante a II Guerra, os produtos químicos e a mão-de-obra necessária para proteger o vinhedo da phylloxera - praga que ataca as raízes - sumiram. As vinhas definharam e foram arrancadas; foram plantados enxertos (cavalos) ou raízes americanas enxertadas, resistentes à praga. O vinho deixou de ser produzido de 1946 a 1952. Romanée-Conti de safras até 1945 vale fortunas.

A DRC produz, além do vinho que lhe dá nome, os também raros e caros: La Tâche, Richebourg, Grands Échézeaux, Échézeaux, Romanée-St-Vivant e o Le Montrachet, o único branco. Para um país em desenvolvimento como o Brasil, ocupamos a expressiva posição de 10º mercado mundial desses vinhos, e maior importador da América Latina, com 1,3% da produção total, o que representa cerca de 80 caixas por ano.

A Expand Castelo, uma das franquias cariocas desta que é a importadora exclusiva dos vinhos da DRC para o Brasil, promoveu recentemente uma rara degustação: uma horizontal da DRC. Degustações horizontais são aquelas com vários vinhos de uma mesma safra, no caso a de 2000, e os vinhos Échézeaux, Grands Échézeaux, La Tâche e Romanée-Conti.

São garrafas disputadíssimas no mundo inteiro, apesar de serem para poucos. Analisando o catálogo de preço desses vinhos, conclui-se que é também um investimento. Uma garrafa de uma boa safra pode quadruplicar em dez anos o seu valor em dólar.

fotos: Tatiana Piva

Vale quanto pesa?

E o vinho em si, vale o que custa? É caro porque é famoso ou é famoso porque é caro? Costuma-se dividir os apreciadores de vinho em dois grupos: os que já o provaram e os que não. Já se descreveu o Romanée-Conti como “o encontro do cetim com o veludo”, ou ainda, como “uma mão de ferro em luva de veludo”, por aliar estrutura à maciez. Robert Parker, crítico de vinho notório por sua análise fria e precisa, escreveu: “Aromas celestiais e surreais...”. A seguir confira as minhas impressões dos quatro vinhos da DRC provados, todos da safra de 2000, 100% elaborados com a uva Pinot Noir de cultivo biodinâmico, amadurecidos 15 a 20 meses em barris de carvalho, com 13% de álcool.

#Q#

O Cometa Halley passou por aqui duas vezes, em 1910 e em 1986. O bólido Romanée ofuscou os céus de minha boca pela primeira vez em 2001, degustado ao lado do próprio Aubert de Villaine, proprietário da DRC. A segunda memorável vez foi hoje. O Halley passará de novo apenas em 2061... Espero não ter que esperar tanto pela próxima visita do Romanée-Conti!

DRC Échézeaux 2000 (R$ 998). Rubi claro na transição para granada, muito límpido. Ótimo ataque aromático (o mais intenso e aberto da noite, desde que foi colocado na taça). Boa complexidade com especiarias doces, violetas, frutas maduras, pelica, cogumelos secos, couro novo, chocolate amargo, a madeira está lá, mas não se impõe. Paladar de médio corpo (o menos encorpado da prova), bastante seco, taninos presentes, mas macios, equilibrado e elegante com acidez agradável. O mais pronto da noite. Excepcional persistência.

DRC Romanée-Conti 2000 (R$ 8.500). Em muitas safras o RC é superado pelo La Tâche, mas em 2000 a hierarquia se manteve. Rubi claro, com reflexos granada. No nariz foi o mais compacto, um bloco de aromas que foram se abrindo na taça por muito tempo. Perfil aromático limpo e complexo, com um pouco de tudo, frutas (cereja, morango muito maduro), flores (lavanda, violetas, rosas), toques de terra molhada, couro novo, madeiras diversas, tostados, mineralidade destacada. Paladar estruturado, muito seco, acidez marcante taninos presentes, finíssimos e macios. Excepcional persistência. O RC foi se impondo ao longo dos minutos na taça como o melhor da noite, confirmando a expectativa. Um vinho inesquecível.

DRC Grands-Échézeaux 2000 (R$ 1.750). Rubi claro (o mais claro de todos) com reflexos granada, muito límpido. Nariz com médio ataque (ainda um pouco fechado), refinado e austero. Lembra frutas negras frescas, florais, trufas, tostados, sottobosco. Com o tem tempo na taça mostrou minerais personalíssimos. Paladar bastante seco e sério, com acidez e taninos de raça ainda a se definir, boa profundidade. Embora esteja excelente é o que mais prescinde de tempo de garrafa e o que dá menos prazer hoje, sugiro guardar ao menos um par de anos antes de abrir. Excepcional persistência.

DRC La Tâche 2000 (R$ 2.700). Rubi claro, com reflexos granada. Médio ataque no nariz, ainda um pouco fechado. Perfil aromático exprimindo mais força, elegância e complexidade, do que a exuberância e as frutas do Échézeaux. Compacto no nariz, mostrando especiarias, couro, café, frutas negras maduras, alcaçuz, terra molhada, madeiras. Evoluiu muito na taça, abrindose em minerais como alcatrão e petróleo (bem aparentes no aroma de boca). Paladar estruturado, profundo e bem integrado/equilibrado, com taninos finíssimos e bem presentes. Embora ainda devam evoluir muito, os taninos já estão macios. Excepcional persistência.

Confira Tabela de Notas na página 71.

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