Conheça os "famosos" Crus produzidos ao redor do mundo e que são em certa medida inspirados no conceito francês
por Arnaldo Grizzo
Um dos trunfos da vitivinicultura francesa é o seu sistema de classificação de vinhedos, alguns seculares. É o que eles chamam de Cru. E quando falamos de Cru, as primeiras referências que surgem provavelmente são da Borgonha e de Bordeaux, as regiões que consagraram esse termo (apesar de haver diferenças de conceito entre um Cru borgonhês e um bordalês).
Na Borgonha, alguns vinhedos podem ser Grand Crus ou Premier Crus (as duas mais altas classificações) e, em Bordeaux, um produtor (não um vinhedo propriamente) pode ser Premier Cru, Deuxième Cru, Troisième Cru, Quatrième Cru e Cinquième Cru – cinco categorias, isso considerando apenas a mais famosa classificação, feita em 1855 com vinhos majoritariamente do Médoc.
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Mas, além dessas duas regiões, vinhedos destacados, ou Crus, são assinalados nas mais diversas áreas vitivinícolas francesas. O termo Cru remete ao particípio passado do verbo “croître”, uma derivação do latim “crescere”, que significa “crescer”. Cru significaria “crescido”, e se refere a algo que foi desenvolvido, cultivado. Para os monges borgonheses medievais, o termo definia uma fração homogênea de um vinhedo. Com uvas desse local, o vinho tinha certas características únicas todos os anos. Ao observarem essa “constância”, eles começaram a demarcar vinhedos cujos vinhos tinham atributos de qualidade reconhecíveis.
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No entanto, a ideia de um vinhedo Cru não se restringe à França. Em outros países há alguns vinhedos considerados “Crus” por organizações de produtores, sendo que alguns, assim como os franceses, possuem regulamentações oficiais. Outros, porém, são “informais”. Então, considerando a ideia de um Cru, ADEGA levantou algumas regiões do planeta que buscam, de certa forma, classificar seus vinhedos, dando a alguns, status acima de outros.
O sistema de classificação de vinhos de Alemanha definitivamente não é para amadores. Os vinhos são primeiramente separados por “qualidade” e posteriormente por nível de açúcar.
Mas fora do sistema oficial alemão, há uma classificação de vinhedos ao melhor estilo borgonhês. Uma associação chamada VDP, que afirma congregar os melhores produtores do país, possui um sistema próprio com vinhedos divididos em quatro níveis, ditos Lage (localização).
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O mais alto é chamado de Grosse (grande, ótima) Lage, que remete a parcelas de vinhedos realmente especiais, seriam os Grand Cru. Depois, vêm os Erste (primeira) Lage, ou seja, vinhedos únicos, similar aos Premier Cru.
Abaixo na cadeia surgem os Orstwein e os Gutswein, que remeteriam aos Village e Borgonha genéricos respectivamente. Essa divisão foi “regulamentada” em 2012. Guardando os nomes complicados, essa parece uma classificação bastante simples, não?
Mas não acaba aí. Os vinhedos Grosse Lage têm um adendo: os Grosses Gewächs. É assim que os alemães decidiram chamar os vinhos secos produzidos dentro dessas parcelas especiais.
Curiosamente, a VDP criou os Grosses Gewächs em 2001, muito antes de montar a classificação mais elaborada que explicamos anteriormente. Então, quando vir um GG na garrafa, saiba que é um vinho seco dos melhores vinhedos.
Desconsiderando subdivisões, a Borgonha possui 37 vinhedos considerados Grand Cru. Em toda a Espanha, há menos de 20 regulamentados. Em território espanhol, contudo, os vinhos provenientes desses vinhedos especiais são chamados de Vinos de Pago. Eles foram oficialmente reconhecidos como denominações de origem específicas em 2003. Até então, não havia uma regulamentação do uso do termo Pago, que remete a um local ou produtor específico.
Essa denominação é reconhecida apenas em Navarra, Castilla-La Mancha, Valência e Aragão. Em regiões tradicionais como Rioja e Ribera del Duero não há vinhos com esta classificação “oficial”, apesar de ouvirmos produtores dizerem que fazem vinhos em “Pagos” específicos.
Para obter a classificação, os vinhedos precisam ser reconhecidos como tal por pelo menos cinco anos e ter histórico de prestígio. Três foram reconhecidos em 2019: El Pago de Vallegarcía, Pago de La Jaraba e Pago Los Cerrillos. Na pirâmide, os Vinos de Pago estão acima dos Vinos con Denominación de Origen Calificada e dos Vinos con Denominación de Origen.
Em um país em que as classificações mais famosas sempre foram baseadas no tempo de envelhecimento em barrica (Crianza, Reserva e Gran Reserva, por exemplo), ter vinhedos reconhecidos é uma grande mudança de paradigma.
O Priorato é uma região tradicional na Espanha, que viveu transformações intensas graças a produtores visionários. Com o tempo, seus vinhos ganharam fama mundial. Com isso, o “Consell Regulador DOQ Priorat” se renovou e criou classificações próprias. Primeiramente, porém, foram identificadas todas as parcelas para garantir a origem de cada uva de cada vinha e de cada vinho. Com isso, garante-se um rigoroso controle de rastreabilidade.
Hoje, a DOQ Priorat possui pouco mais de 2.000 hectares de vinhedos, cultivados por 575 produtores e 109 vinícolas. A classificação atual tem cinco níveis, começando com DOQ Priorat apenas, como denominação genérica, Vi de Villa, algo como os Village da Borgonha, Vi de Paratge, com um microterroir ainda mais delimitado.
As duas mais altas “denominações” são Vinya Classificada, com vinhos de caráter excepcional que devem ser engarrafados separadamente, e Gran Vinya Classificada, tida como: “exemplos muito raros de talento natural e histórico: uma aliança comovente resultante do puro capricho da natureza e da tradição que foi capaz de interpretar e salvaguardar as joias de vinho mais exclusivas de nossos dias”. Além disso, aceita-se ainda o uso do termo Vin de Finca, que seria algo semelhante ao Vino de Pago, ou seja, de um vinhedo reconhecido.
Se há uma região no mundo que se espelha na Borgonha, essa provavelmente é o Piemonte, na Itália, mais especificamente Barolo. Aliás, a inspiração dos produtores para buscar a delimitação de Crus foi borgonhesa e, com o tempo, as propriedades foram separadas em lotes de vinhedos individuais, que hoje recebem a designação Vigna.
Um dos produtores que lutou para determinar os Crus da região foi Renato Ratti, que, nos anos 1970 e 80, elaborou um mapa detalhado e se tornou referência. Contudo, não existe uma designação oficial de Crus de Barolo, mas sim um mapa com as Menzioni Geografiche Aggiuntive (Mega), que representariam os Crus locais, instituído desde 2010 pelo consórcio.
Ainda assim, graças ao histórico, alguns locais são considerados Grand Crus na região, como Cannubi, Brunate e San Lorenzo ao redor de Barolo; Bricco Rocche, Monprivato e Fiasc perto de Castiglione Fallteto; Brunate, Cerequio e Bricco Rocca em torno de La Mora; Bussia ao redor de Monforte d’Alba; e Ornato perto de Serralunga d’Alba.
Além disso, os produtores podem colocar o nome de uma determinada Vigna, ou seja, um vinhedo único, dentro de um dos “Crus”.
Em meados do século XX, havia menos de 50 hectares plantados de Brunello na região de Montalcino, na Toscana. Hoje há mais de 2 mil hectares e mais de 200 produtores. Com uma área vasta de produção e com vinhos de certa forma bastante díspares entre si dependendo do local de origem, há tempos discute-se a possibilidade de criar microrregiões, porém, sem consenso.
A única classificação “qualitativa” é a “Riserva”, que tem regulamentações mais rígidas que às dos Brunello “comuns” em termos de vinificação, procedência e, principalmente, tempo de estágio em barrica e garrafa.
No entanto, há produtores que, além de seus Brunello convencionais e Riserva, utilizam o termo Vigna em rótulos especiais oriundos de vinhedos singulares. Mas, como não há uma classificação de vinhedos oficial, quem determina qual vinha merece destaque é o próprio produtor.
Outra região italiana que resolveu criar uma lista de vinhedos classificados, mas desta vez reconhecidos pelo consórcio, é Prosecco, no Vêneto. Lá, usa-se o termo Rive para denominar locais especiais.
No dialeto local, rive são as encostas das colinas. Segundo o consórcio: “Esta tipologia destaca as diferentes expressões de Conegliano Valdobbiadene, obtida nas vinhas mais íngremes e adaptada às uvas de uma única comuna ou fração, para aprimorar as características que o território confere ao vinho”.
Na denominação de origem, há 43 Rive reconhecidos e neles a produção deve ser de 13 toneladas por hectare, com uvas colhidas exclusivamente à mão e a safra deve ser sempre indicada no rótulo. Contudo, outra expressão aparece, às vezes, nos rótulos de Prosecco, como Cartizze. Essa seria a sub-região de mais alta qualidade dentro da zona de Conegliano Valdobbiadene. Ela foi regulamentada em 1969, tendo 107 hectares de vinhedos compreendendo as cidades de San Pietro di Barbozza, Santo Stefano e Saccol.
Desde 2013, o consórcio que regulamenta os vinhos da região de Chianti Classico, o famoso Galo Nero, criou um nível de classificação que estaria acima dos Chianti Riserva, cuja principal diferença para os Chianti “normais” é o tempo de estágio em barrica e garrafa.
Nasceram assim os Chianti Gran Selezione, classificação em que as uvas utilizadas devem ser provenientes exclusivamente de vinhedos próprios com períodos de envelhecimento de 30 meses em madeira e três meses em garrafa, e a graduação alcoólica mínima de 13%.
Pela regra, não é necessário que as uvas venham de um vinhedo específico, mas de uma seleção de melhores parcelas. Como não há uma classificação de vinhedos, cabe a próprio produtor apontar quais os seus melhores terroirs e assim rotular como Gran Selezione caso lhe convenha.
Houve muita discussão sobre essa nova classificação, sendo que alguns produtores tradicionais a rechaçaram, mas, no momento, ela é o que mais se aproxima de uma classificação de Crus na Toscana.
O Vinho do Porto possui diversas tipologias. Ruby, Tawny, Late Bottle Vintage (LBV), Colheita, Vintage, e suas variações. Assim como Champagne, a fama dos rótulos de Vinho do Porto costumou estar associada mais ao prestígio de seus produtores que aos vinhedos de onde as uvas se originam.
No entanto, alguns vinhedos e algumas pequenas Quintas sempre foram valorizados e, muitas vezes, aparecem no rótulo de algum Vintage. Assim, há casas de Vinho do Porto que, além de seus Vintage clássicos, produzem vinhos de vinhedos singulares, ou “Single Quintas”, especiais.
Desde 2003, o uso do termo Quinta (e também Herdade) foi estabelecido por lei e os produtores que quiserem usá-los, além de solicitar ao Instituto de Vinhos do Douro e do Porto, precisam seguir algumas exigências mais específicas, além de necessitarem de certificações adicionais. Como não há uma classificação oficial de vinhedos, quem determina é o próprio produtor e o reconhecimento tende a ser feito com base na história do lugar.
A Suíça possui um sistema de classificação de vinhedos cujos mais celebrados são ditos “Grand Cru”. Apesar de não ter a mesma fama da Borgonha, a vitivinicultura suíça deve muito aos monges cistercienses que, tanto em território francês quanto suíço, ajudaram a desenvolver a cultura da vinha e, com isso, descobrir os melhores locais para a produção.
O país é dividido em seis regiões distintas que possuem 62 denominações de origem controlada. Além disso, dentro dessas denominações há os Grand Cru. Contudo, o termo aqui é um pouco mais abrangente do que poderíamos chamar de uma parcela de vinhedo única.
Um Grand Cru suíço pode englobar distintas variedades permitidas dentro de uma mesma denominação desde que elas obedeçam a algumas regras – relativamente rígidas – de produção.
Mas, em regiões como Vaud, por exemplo, é difícil dizer qual a principal diferença entre um vinho Grand Cru e um AOC, tanto que lá se criou uma nova divisão com a designação Premier Grand Cru. Já em Valais, o termo Grand Cru tende a ser mais bem definido, com cada comuna definindo as uvas mais propícias para seu terroir.
A demarcação de vinhedos únicos é relativamente recente na Áustria, com leis de 2009, contudo, ela obedece a critérios históricos. Em 2016, ficou determinado que os vinhos com uma designação de vinhedo único devem ostentar o termo Ried (vinhedo) no rótulo antes do nome da vinha.
Quando ele aparece antes de uma designação geográfica, isso indica que o vinho veio de um vinhedo único definido legalmente. Nas regiões de Kamptal, Kremstal e Traisental, os vinhos com denominação de origem foram organizados de acordo com um sistema de três níveis: “Regional”, “Village” ou “Single Vineyard” – contudo, uma das principais diferenciações é o grau alcoólico.
Os vinhedos de Tokaj-Hegyalja, na Hungria, tenham sido classificados em meados do século XVII pela família Rákóczi, que instituiu três níveis de qualidade. No entanto, esses registros se perderam. Uma nova classificação foi concluída em 1772 e, além dos três níveis, definiu dois vinhedos como Grand Premier Cru: Szarvas Dülö e Mézes Mály.
O Grand Cru de Szarvas foi a propriedade mais importante dos Rákoczis, até ser confiscada em 1714. Durante o século XIX, ela foi identificada com a expressão “Imperial Tokay". Depois de 1950, Szarvas estava diretamente sob a supervisão do Instituto de Pesquisa Viti-Vinícola de Tarcal e se tornou a principal fonte dos vinhos Aszú Eszencia da era comunista.
Já Mézes Mály era de propriedade da família imperial. Hoje, 11 hectares da vinha são de propriedade conjunta de Hugh Johnson e da Royal Tokaji Wine Company. No texto da classificação de 1772, este vinhedo é descrito como Pro Mensa Caesaris Primus Haberi (a primeira escolha à mesa real).
Além deles, apontam-se 66 vinhedos como Primae Classis (primeira classe), entre eles Oremus e Disznókö, por exemplo. De segunda classe, há 59 vinhedos. Contudo, essa classificação até hoje não foi regulamentada.
As primeiras vinhas sul-africanas foram plantadas em 1655 e alguns de seus vinhos, como os Constantia, favoritos de Napoleão, ficaram famosos no mundo séculos atrás. No entanto, somente a partir de 1972 criou-se um esquema dito “Wine of Origin”, como uma denominação de origem controlada no país.
Foram identificadas unidades geográficas singulares, com seis grandes macrorregiões: Cabo Ocidental, Cabo Setentrional, Cabo Oriental, Kwazulu-Natal, Limpopo e Estado Livre, que são subdivididas em distritos, como Paarl, Stellenbosch e Robertson.
Em seguida, a menor unidade demarcada é chamada de Ward. O termo é usado para uma área vitícola relativamente pequena, com um padrão homogêneo de fatores naturais e geralmente é, mas não necessariamente, parte de um distrito. O Ward de Voor-Paardeberg é parte do distrito de Paarl, mas os Wards de Cederberg e Bamboes Bay não fazem parte de um distrito específico.
Existem 77 Wards no mapa vitivinícola da África do Sul. Há ainda os vinhos Estate, vindos de produtores específicos e também os Single Vineyard, cuja produção não pode exceder seis hectares.
A vitivinicultura na América é bastante recente e nenhum país ou região possui um sistema de classificação de vinhedos. Alguns produtores de determinados países, porém, fazem questão de apontar alguns de seus vinhedos especiais nos rótulos do vinhos.