Importante é testar, afinal criar regras definitivas para harmonização é querer dar ordem ao caos
por Redação
Harmonização não é ciência. Harmonização é, antes de tudo, a busca do equilíbrio entre o vinho, o prato e nós mesmos.
E esse equilíbrio, tão sutil e tênue, depende de um sem número de variáveis a influenciá-lo de tal forma que, o que está em perfeito equilíbrio agora, pode não mais estar daqui a duas horas ou na próxima tentativa com elementos semelhantes.
Essas variáveis incluem, no lado do vinho, por exemplo, as cepas, safras, produtor, método de produção, região produtora, temperatura, guarda, serviço etc. No lado do pratos, ingredientes, forma de cocção, temperatura, tempero, frescor e complexidade. Finalmente e não menos importante, há diversas variáveis a nos influenciar, como a companhia, o lugar, o horário do dia, a disposição, o estado psicológico, entre tantos outros.
Assim, pretender criar regras definitivas para harmonização, que se apliquem indistintamente em qualquer situação, é querer dar ordem ao caos. No entanto, evidentemente, há um aspecto técnico na harmonização, que decorre muito mais de reações químicas e efeitos práticos, do que daquele lado romântico e espiritual da busca pelo equilíbrio.
É na técnica (com liberdade) que fundamentamos os 10 conselhos de ouro e os cinco erros mais comuns cometidos em harmonização.
Esta, possivelmente, é a regra básica e intuitiva da harmonização. É impensável harmonizarmos um fillé de robalo com um Cabernet Sauvignon, por exemplo, entre outras coisas, porque o corpo do vinho é muito superior ao do prato. Da mesma forma, harmonizar um Chablis com uma feijoada seria um grande desperdício. No primeiro caso, o vinho esmagaria a delicadeza do prato enquanto, no caso da feijoada, o Chablis serviria apenas para matar a sede.
Eles são capazes de encarar pratos muito salgados, muito gordurosos, apimentados ou muito ricos, minimizando a intensidade desses elementos e permitindo que os sabores mais sutis apareçam.
Ao balancear a acidez do prato com a bebida, os demais sabores de parte a parte podem se pronunciar livremente, deixando realçar a essência dos ingredientes. Essa regra serve tanto para a salada verde com vinagrete ou as ostras com limão e vinho branco, como para uma bela macarronada com molho de tomate e um vinho tinto.
Evite utilizar vinhos com elevado grau alcoólico para acompanhar pratos apimentados ou muito salgados. O resultado dessa combinação é uma sensação muito maior da presença do álcool. Isso certamente desequilibrará o vinho e consequentemente a harmonização estará fadada ao fracasso. Portanto, com pratos salgados ou apimentados, opte sempre por vinhos com baixo teor alcoólico.
O efeito sensorial do tanino é mais tátil do que gustativo. Quando ele se conecta às proteínas da saliva, ocorre uma desnaturação (perda da estrutura tridimensional) delas, causando uma sensação adstringente caracterizada pela “secura”, enrugamento das paredes da boca, da língua e até mesmo dos dentes. Quando fornecemos mais proteína para se conectar aos taninos, limitamos sua ação na saliva. Assim, as carnes vermelhas, principalmente mal passadas, são a forma perfeita para fazer frente a vinhos muito tânicos. Essa é mais uma peça do antigo conhecimento de que vinho tinto combina melhor com carnes vermelhas.
Comidas grelhadas ou feitas em brasa são excelentes parceiros para vinhos tânicos. O amargo do alimento contrabalança a sensação de amargor dos taninos ou mesmo, dos barris de carvalho de envelhecimento, equilibrando o conjunto e permitido o desabrochar de sabores mais sutis. Malbec e churrasco são um belo exemplo de sucesso.
Essa antiga regra é muito apreciada por chefs e sommeliers. Ela tem três aspectos interessantes. O primeiro diz respeito às “temporadas”, ou seja, alimentos que crescem na mesma estação ou temporada devem ser consumidos juntos.
O segundo aspecto, muito mais próximo do universo do vinho, é o terroir, ou seja, alimentos e vinhos que “crescem” na mesma região carregam “experiências” semelhantes de solo, clima, geografia etc, e, portanto, possuem muitas afinidades que podem ser exploradas no processo de harmonização.
Finalmente, o terceiro aspecto é a tradição. Não a tradição como dogma, mas como resultado de anos de experimentação, anos de um processo de tentativa e erro que resultou em combinações perfeitas. O senão dessa regra é que ela é muito mais robusta para as regiões do Velho Mundo, onde combinações como a bisteca Fiorentina e o Chianti na Toscana, as trufas brancas e o Barolo no Piemonte, o foie gras e o Sauternes, por exemplo, são indissociáveis pela perfeição.
Apesar disso, no Novo Mundo, já estão sendo criadas tradições semelhantes, como, por exemplo, o salmão e o Pinot Noir do Oregon ou o churrasco e o Malbec. Assim, a chance de errar usando essa regra é mínima, sempre tendo em conta, evidentemente, as outras regras.
Esta regra é semelhante à do corpo dos vinhos. Em busca do equilíbrio, deve-se, sempre, procurar o mesmo nível dos elementos nos pratos e nos vinhos. Vinhos mais complexos, com várias nuances de sabor, devem ser harmonizados com pratos também mais complexos, de forma que sempre haja espaço para mais uma descoberta.
O açúcar do vinho pode minimizar o efeito da pimenta do prato, possibilitando que os demais sabores apareçam. Pratos extremamente apimentados dicilmente combinam com vinho.
Ingredientes-ponte são aqueles que conectam vinho e comida por meio de suas interações, seja por sabor, corpo, intensidade ou sabor básico (doce, salgado, amargo e azedo). O primeiro elemento de harmonização buscado no prato é o que proporciona seu sabor fundamental, mas, muitas vezes, esse elemento principal é modificado pela preparação, sendo necessária atenção aos demais componentes do prato assim como o método de cozimento. Alguns dos ingredientes-ponte mais comuns são: ervas, queijos, cogumelos, oleaginosas, alho e cebola e charcutaria (como bacon e pancetta).
Alguns ingredientes são mais difíceis de serem harmonizados, pois suas interações com o vinho podem causar sensações desagradáveis. Exemplos clássicos dessa regra são aspargo, alcachofra e ovo. O aspargo possui fósforo e metil mercaptano, dois componentes que costumam “complicar” o sabor dos vinhos. O metil mercaptano, inclusive, é responsável por um defeito muito comum nos vinhos que pode resultar em odor de cebolas ou borracha.
A alcachofra, por sua vez, faz com que tudo tenha gosto adocicado (pelo efeito do Cynarin), o que pode não ser, exatamente, o que você espera do seu vinho. O ovo, sobretudo a gema, costuma recobrir o palato impedindo a melhor apreciação da bebida. Quando ele está misturado a outros ingrediente e cozido, seus “danos” são contidos.
Finalmente, o iodo, presente em muitos peixes e na grande maioria dos frutos do mar, reage negativamente com taninos, produzindo um gosto metálico na boca.
Pouca gente se lembra, mas o brinde do seu casamento foi uma péssima harmonização (tecnicamente) – o que é um bom exemplo de que o nosso estado de ânimo tem muita influência no resultado final da harmonização. Quando combinamos uma sobremesa mais doce do que o vinho, “matamos” os sabores sutis da bebida, transformando-a, no caso do Champagne ou qualquer outro espumante, em uma taça de suco gaseificado. A regra da sobremesa é que ela deve sempre ser menos doce do que o vinho.
Quando nos apegamos a um vinho específico ou mesmo a uma variedade de uva, temos a tendência de querer sempre retornar àquele prazer e acabamos, muitas vezes, nos frustrando, pois nenhum vinho é tão polivalente que consiga encarar tantos e tão diversas harmonizações. Avalie bem as interações antes de colocar seu preferido à prova.
O longo processo de envelhecimento de um vinho, ao mesmo tempo que adiciona muita complexidade aos sabores, também suaviza qualquer aresta do vinho e o deixa mais delicado. Pela relevância do momento em que um vinho tão especial é aberto, somos induzidos e querer servir nosso melhor prato ou, no restaurante, pedir aquela preparação “ultra” elaborada. Mas, na verdade, esse é o momento de quebrar a regra da harmonização e deixar apenas uma estrela no palco, o vinho. Esse momento é do vinho, o prato não pode fazer qualquer intromissão. Assim, opte por preparações com poucos ingredientes e elaborações mais simples, sem perder a elegância que o momento merece.
O erro mais comum em harmonização é achar que já descobriu tudo que havia para ser descoberto ou se fixar em um conjunto de combinações que deram certo. O mundo é vasto e as possibilidades infinitas, pode ter certeza que sempre haverá uma harmonização melhor do que aquela que hoje você julga perfeita lhe esperando. Jamais pare de experimentar.
+lidas
1000 Stories, história e vinho se unem na Califórnia
Pós-Covid: conheça cinco formas para recuperar seu olfato e paladar enquanto se recupera
Vinho do Porto: qual é a diferença entre Ruby e Tawny?
Os mais caros e desejados vinhos do mundo!
Notas de Rebeldia: Um brinde ao sonho e à superação no mundo do vinho