Se planeja visitar a cidade de Gaudí, separe alguns dias somente para comer e beber bem
por Por Mauricio Leme
Barcelona conquistou os brasileiros. Ainda que perca em termos absolutos para destinos mais tradicionais, como Paris, entre todas os grandes destinos mundiais esta bela cidade catalã é uma das que mais ganhou visitantes do Brasil nos últimos anos.
Sua fama, no início, veio das marcantes obras de Gaudí, como a celebrada e muito visitada igreja La Sagrada Familia – com suas torres parecendo pináculos feitos com areia molhada, além de diversas outras menções à natureza. Mas, ao longo do tempo, Barcelona também foi ganhando espaço nos sonhos de viagem dos brasileiros por seu agradabilíssimo clima, e não só no sentido literal, mas, também, no sentido de ambience.
Caminhar por toda esta cidade litorânea é, de fato, um grande prazer. Para conhecer todos seus pontos turísticos, é preciso um pouco de disposição e, é claro, boa alimentação. Como é de costume por toda a Espanha – mesmo que a Catalunha tenha seu lado separatista –, come-se, come-se bem e em porções, digamos, “bem servidas”. Além disso, a cozinha espanhola é hoje reconhecida como uma das mais avant-garde do mundo. Então, para este roteiro, selecionamos uma interessante combinação desta culinária contemporânea com pratos bastante típicos.
Suco exótico e refrescante
Uma das melhores épocas para visitar Barcelona é o verão. Apesar do calor muitas vezes escaldante, é nesse período do ano que a cidade se agita e o clima se torna ainda mais delicioso. É também nessa estação que se pode provar a exótica orxata de xufes, um nutriente suco elaborado com água, açúcar e os tubérculos de uma planta chamada “junça”. Sua aparência leitosa engana aqueles que nunca beberam, pois se pode pensar em algo pesado, porém, a orxata é muito refrescante e fica mais gostosa ainda acompanhada dos fartòs (leve massa glaceada com açúcar), ou dos típicos churros.
Tapas típicas
Para aproveitar uma deliciosa orxata e começar bem o dia, um bom lugar é a Planelles Donat (Portal de l’Àngel, 25), acima à esquerda, próxima à Praça Catalunya, onde, aliás, está sua sede há quase 90 anos, produzindo diariamente de maneira artesanal essa iguaria.
Dali é fácil caminhar até a famosa Casa Batllò, uma das maravilhas arquitetônicas de Gaudí. Após a visita, uma boa sugestão para um almoço leve e despretensioso é atravessar a avenida Passeig de Gràcia e ir ao Tapa Tapa (Passeig de Gràcia, 44), acima à direita. Apesar da simplicidade do lugar, o interessante é a grande variedade das típicas tapas. Um grande cardápio apresenta desde um simples (e delicioso) prato de presunto ibérico ou de queijo manchego, ou ainda do típico embutido fuet, passando pelo gostoso prato de xoricets, pequenas linguiças em uma diminuta travessa de ferro, e por saborosas vieiras, até os mais exóticos calos (tripas fritas). Isso sem citar os montaditos, parecidos com bruschettas, de caranguejo e lagostim, ou ainda a típica tortilla de batatas.
Cozinha brasileira
Seu próximo destino pode ser a igualmente muito visitada Casa Milà (Pedrera), também de Gaudí, a apenas 10 minutos de caminhada da Casa Batllò. Um pouco mais adiante, a um quilometro dali, localiza-se uma diferente opção para o jantar, o restaurante Alquimia Fogo (Carrer de Còrsega, 231). O que torna esta escolha curiosa é o fato de este ser um restaurante de cozinha brasileira, mas não o puro e simples “feijão com o arroz” e, sim, o cruzamento de nossa típica cozinha com o lado avant-garde da cozinha espanhola.
Em seu menu degustação, ingredientes brasileiros são aplicados a pratos típicos espanhóis, como, por exemplo, o Gazpacho de Açaí ou o tradicional embutido sobreassado combinado com a nossa tradicional goiabada. Esta experiência única de nossa gastronomia em território espanhol nasceu da ideia do jogador de futebol Daniel Alves (atleta do Barcelona) junto ao chef João Alcântara em elevar a cozinha brasileira ao patamar que a cozinha peruana vem ganhado mundo afora.
Por La Rambla
Outro passeio típico da cidade catalã é flanar por La Rambla. Esta alameda com um largo calçadão central é cheia de lojas, cafés e floriculturas, mas é praticamente no meio do caminho entre a Praça Catalunya e a estátua de Cristóvão Colombo já próxima ao mar, que se encontra uma das mais interessantes atrações gastronômicas, o Mercat Sant Josep de la Boqueria (La Rambla, 91).
Apesar de seu caráter bastante turístico, comer em La Rambla é um grande prazer, a dificuldade é escolher um entre tantos boxes. Na dúvida, uma boa opção é fazer um “bar hopping” e comer um pouco em cada um deles. Também não é tão trivial conseguir se decidir entre tantas delícias, os berberechos (berbigões) ou os chipirones (pequenas lulas)
com grão de bico do Pinotxo Bar, ou o rabo de toro e o pé de porco do El Quim, ou as almejas (amêijoas) e navajas do Ramblero. Ou, ainda, sugerimos procurar em um dos tantos outros bares os incríveis popets (pequenos polvos para serem comidos inteiros em uma mordida), as setas (cogumelos), os caracóis, enfim, a lista é interminável.
Irmãos Roca
Para terminar a viagem em grande estilo é essencial a passagem em dois expoentes da culinária espanhola: o El Celler de Can Roca e o Tickets. O El Celler de Can Roca (Calle Can Sunyer, 48 – Girona) hoje figura como segundo lugar na lista The World’s 50 Best, na qual já atingiu duas vezes o posto de número 1 do mundo, em 2013 e 2015. Aliás, sua subida foi vertiginosa nessa lista e, como citado no site, “o amado ex-primeiro lugar continua a estabelecer padrões estelares”. Jantar nesta casa comandada pelos três irmãos Roca – Joan, o chef de cozinha; Jordi, o chef-pâtissier; e Josep, o sommelier – é realmente único. Uma profusão de sabores, técnicas, ingredientes e montagens de pratos que certamente nunca serão vistos em nenhum outro restaurante do mundo.
Na verdade, toda a experiência de ir jantar no Celler é parte de entrar neste mundo especial criado pelos irmãos. O Can Roca não está localizado exatamente em Barcelona, mas, sim, a pouco mais de uma hora dali, nos arredores da cidade de Girona. A bela casa faz com que cada comensal já se sinta pronto para se desligar do mundo agitado ao redor e se preparar para a experiência. Deixe-se levar pelo comando dos três irmãos desde a escolha dos vinhos da grande adega de Josep, passando pelos memoráveis pratos de Joan e finalizando com “chave-de-ouro” por Jordi.
Experimentos saborosos
Se o tempo for curto, porém, uma opção mais próxima e também imperdível é visitar o Tickets (Avinguda Paral-lel, 164), em ElBarri, Barcelona. Este bar é hoje uma das mecas quando o assunto é tapas e cozinha contemporânea, afinal quem comanda o restaurante é Albert Adrià, irmão do 374 celebrado chef Ferran Adrià. Este inovador bar de tapas já começa chamando atenção por seu visual divertido, mas isso não se atém somente à arquitetura.
Comer as invenções de Albert é realmente uma experiência que mexe com os sentidos e com
todas as percepções que estamos acostumados. É o que acontece quando experimentamos a famosa azeitona líquida, um de seus mais célebres pratos, ou sua airbaguette com carne seca de Wagyu, ou, ainda, as tantas ostras como a que acompanha kimchi (acelga fermentada coreana) e yuzu (fruta cítrica japonesa). As sobremesas tampouco deixam a desejar, assim como seu divertido menu com desenhos de cada uma delas.
Como um bom bar, a carta de bebidas também é excelente. Pode-se optar por abrir o apetite com uma ótima seleção de Jerez ou de Cava, e seguir em uma excelente carta de vinhos brancos e tintos, curiosamente divididos por seus estilos como “Cítricos”, “Muita Madeira” ou “Elegantes e Complexos”. Enfim, se está planejando visitar a cidade de Gaudí separe mais alguns dias somente para comer. Bem-vindo e bom apetite, ou, em bom catalão, “bon profit, benvinguts”.