Clássico italiano volta à moda

Encorpado e alcoólico, o tradicional Amarone entra em sintonia com a tendência internacional

por Marcelo Copello

Ines Mad/Stock.Xchng
Noite em Verona

O Vêneto é a região italiana que mais produz vinhos. No nordeste do país e com capital na bela Verona, os 75 mil hectares de vinhedos cultivados geram ao ano nada menos do que 850 milhões de litros, número equivalente a três vezes o total da produção brasileira. Alguns vinhos são bastante populares por lá, como o Prosecco, o Soave, o Bardolino e o Valpolicella. O grande vinho vêneto, também considerado um dos maiores da Itália, porém, é outro. Chama-se Amarone della Valpolicella, ou, para que não seja confundido com o primo mais humilde, apenas Amarone. A confusão se dá não apenas pelo nome, pois geograficamente a zona de produção do Valpolicella é exatamente a mesma do Amarone. Trata-se de um conjunto de suaves colinas ao norte de Verona, entre as cidades de Grezzana e Sant'Ambrogio di Valpolicella. As uvas também são as mesmas e pela legislação italiana devem ser: 40% a 70% de Corvina, 20% a 40% de Rondinella, 5% a 25% de Molinara, até 15% de Rossignola, Negrara, Barbera ou Sangiovese e até 5% de outras variedades. Na realidade, os Valpolicellas e os Amarones são feitos apenas com Corvina, Rondinella e Molinara. A primeira dá cor, caráter e maciez; a segunda contribui com a estrutura, e a terceira com a acidez e um delicado toque amargo.

Mesmo com toda estas afinidades, o Valpolicella é quase sempre um vinho leve e modesto, com 11% ou 12% de teor de álcool, e o Amarone é bastante concentrado e seu teor alcoólico é mais elevado - nunca menor do que 14%, e pode chegar aos 17%. O que gera a diferença entre os dois estilos é o método de elaboração, bem distinto de outros vinhos.

Vêneto, regîão situada ao norte da Itália

Enquanto o Valpolicella é feito como qualquer vinho de mesa, o Amarone é "turbinado" por um procedimento conhecido como apassimento. A técnica consiste em deixar as uvas em caixas ou esteiras de quatro a cinco meses, em vez de serem esmagadas e fermentadas após a colheita. Durante este período, os frutos perdem cerca de 35% de seu peso - tornado o vinho, automaticamente, mais caro - e se tornam mais concentrados em perfumes, elementos gustativos e açúcares. As uvas adquirem um caráter resinoso não observado nas fermentações convencionais , e se convertem em um vinho de elevado teor alcoólico.

Um outro fator pode afetar a bebida. Eventualmente, em anos mais úmidos, alguns cachos são atacados pelo fungo Botrytis cinerea, também conhecido como "podridão nobre". Esse ataque é sempre bem-vindo pois imprime mais maciez, complexidade e intensidade aromática ao vinho.

Em janeiro ou fevereiro, a fermentação finalmente acontece, com longa maceração (contato do suco com as cascas da uva). O vinho é amadurecido, por lei, em barris de carvalho durante um período mínimo de 25 meses. O barril tradicionalmente utilizado é de tamanho grande (cinco mil litros), e de madeira usada. Alguns produtores já começam a usar recipientes menores de madeira nova, imprimindo aos seus produtos um estilo mais moderno. Esse estágio em madeira pode chegar a 48 meses. Antes de chegar ao mercado, o vinho descansa em garrafa por um ano. Este tempo em barricas confere a todos os Amarones um típico toque de oxidação.

A origem do Amarone se perde no tempo. A hipótese mais aceita é a de que ele nasceu de outro vinho da região atualmente muito pouco produzido, o Recioto della Valpolicella, ou apenas Recioto. O nome vem de uma corruptela da palavra italiana orecchio (orelha), pois ele é feito somente com a parte mais madura dos cachos de uva, ou seja, sua extremidade, ou "lóbulo". O Recioto é resultante do apassimento de uvas, com cerca de 15% de álcool e açúcar residual, e, portanto, é um vinho doce. O Amarone teria nascido de um Recioto que fermentou completamente, processo que desenvolveu um estilo mais alcoólico e seco.

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Apassimento: Amarone "turbinado"

Tanto os Amarones como os Valpolicellas comuns podem trazer no rótulo o termo "Classico", significando que a garrafa foi produzida na zona central da região, nas localidades de Fumane, Marano di Valpolicella, Negrar, San Pietro in Cariano e Sant'Ambrogio di Valpolicella.

Ao ano são comercializadas cerca de 4, 5 milhões de garrafas de Amarone. Os melhores anos das últimas décadas para este vinho são: 1983, 1988, 1990, 1995, 1997, 1998, 2000 e 2003. Também são boas safras 1993, 1994, 1999 e 2001.

Em seu estilo, o Amarone é encorpado, intenso, tanto nos perfumes quanto nos sabores. E alcoólico. Tão alcoólico que, embora seco, dá a sensação de uma certa doçura. Normalmente, apresenta boa complexidade aromática com florais (violeta e outras flores vermelhas, às vezes flores secas), frutas (frescas, passas e cristalizadas), frutas secas (avelãs, nozes e amêndoas) e um toque típico de oxidação. Com anos de garrafas se desenvolvem matizes de especiarias (canela, nozmoscada), além de couro, tabaco, trufa e outras notas de evolução. No palato, os taninos são educados pelos anos de madeira. O álcool se faz presente, nos melhores exemplares com harmonia e, em outros, se sobrepõe. Um característico toque amargo pode aparecer no fim de boca.

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Condições atmosféricas ideais
Um Amarone pode ser bebido jovem, com quatro ou cinco anos de idade. Nada impede, entretanto, que uma garrafa repouse na adega até 20 anos. Alguns exemplares de boas safras e bons produtores vivem até mais. Para servir um Amarone, é obrigatório que o líquido passe ao menos uma hora respirando numa jarra ou decanter. #Q#

Como em toda DOC ou DOCG clássica italiana, a qualidade dos rótulos disponíveis é muito irregular. O nome do produtor será sempre a garantia. O destaque da região é o Dal Forno Romano, outros nomes conceituados são: Masi, Bertani, Allegrini, Quintarelli, Le Ragose, Zenato, Tedeschi, Castellani e Accordini.

Com a tendência atual de vinhos cada vez mais encorpados e alcoólicos, o Amarone é um clássico que está super na moda, por sua "turbinagem" de álcool, concentração e agradável maciez.

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Resultado final

ADEGA testou oito Amarones disponíveis no mercado nacional, confira o resultado:

Amarone 2001, Santi (Aurora, R$ 180, 22). Corvina (75%), Rondinella (25%), com 14, 5% de álcool. Granada escuro com leves reflexos alaranjados. No nariz o álcool aparece um pouco, mostrando fruta passa, especiarias, muitas frutas como cerejas e amoras ultra maduras, ervas, café e primeiros toques de evolução (pelica). Paladar de bom corpo, quente e macio, média persistência, pronto.

Amarone Classico 1998, Ca' del Monte (Casa do Vinho, R$ 153). Elaborado com Corvina (70%), Rondinella (30%) e Molinara, com 15, 0% alc. Granada escuro, com reflexos alaranjados. Bom ataque aromático, toque vegetal aparece primeiro (musgo, ervas), fruta passa, toques de evolução (couro, animais), chocolate, álcool aparece no nariz junto com certo frescor. Paladar encorpado, dominado pela maciez alcooólico-resinosa, taninos aveludados, pronto.

Amarone Classico 2002, Domìni Veneti (World Wine, R$ 130). Rubi opaco com reflexos violáceos. O mais fresco e jovem da prova, com aromas de café, chocolate, azeitonas, ervas, com um toque de frutas cozidas e de caramelo ou tostado. Paladar encorpado, quente e macio, quase doce com seus 15% de álcool, taninos finos, que aparecem no fim de boca.

Amarone Classico Costasera 2001, Masi (Mistral, US$ 89, 90). Corvina (70%), Rondinella (25%), Molinara (5%). Rubi muito escuro com reflexos na transição entre violeta a granada. Bom ataque no nariz, frutas na frente, bem maduras (ameixas, cerejas), amêndoas, chocolate, especiarias (baunilha, cravo, canela). Paladar encorpado, os 15% de álcool estão bem equilibrados com taninos e acidez.

Amarone Le Ragose 2001 (Terroir, R$ 262, 50). Elaborado com 60% Corvina (60%), Rondinella (30%) e 10% de outras uvas, 15% de álcool. Elaboração tradicional com maceração longa de 20 dias e um ano em tonéis grandes de carvalho esloveno usado. Cor granada escuro, aromas intensos bem ao estilo clássico, com resinas, florais, cerejas pretas e ameixas ultramaduras, chocolate, amêndoas, e um toque mineral que lhe confere personalidade. Paladar denso, encorpado, muito macio e elegante, bons taninos, final longo e seco.

Amarone I Castei Campo Casalin 1999, Michele Castellani (Decanter, US$ 76, 50). Corvina Veronese (65%), Rondinella (20%), Molinara (10%) e 5% de castas antigas, típicas da região, com 36 meses em tonéis (5.000 litros) de carvalho da Eslovênia e em barricas de carvalho francês (225 e 500 litros), com 15, 5% de álcool. Rubi escuro com reflexos granada. Aromas potentes de frutas compotadas (amoras), tostados (café), especiarias (pimenta, baunilha, alcaçuz), vegetais (musgo, tabaco). Paladar de grande estrutura, bem equilibrado, com tudo no lugar: taninos, acidez, maciez, frescor, persistência.

Amarone Vaio Armaron 1999, Serègo Alighieri (Mistral, US$ 124). Elaborado com Corvina (65%), Rondinella (20%) e Molinara (15%), matura por três anos em tonéis de carvalho esloveno e depois mais quatro meses em barris de cerejeira. Rubi escuro com reflexos na transição entre violeta e granada. Aromas potentes (empurrados pelo 15, 5% de álcool.), finos e complexos, de especiarias, resinas, frutas maceradas (amoras, cerejas, ameixas), baunilha, violetas, tabaco, pimenta, canela, cacau, e cogumelos. Paladar de grande estrutura, equilibrado, com boa acidez (raro em um Amarone). Para longa guarda.

Amarone Classico 2000, Allegrini (Expand, R$ 358, 00). Um Amarone que agrega estilo moderno à personalidade de toda a região. Vermelho granada opaco. Aromas evoluíram muito ao longo da degustação (decantado uma hora antes), complexo e opulento, com ameixa passa, couro, chocolate, defumados, especiarias. Paladar volumoso e compacto, macio (com 15% de álcool), longo. Grande vinho.

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