ADEGA listou algumas regiões e países bastante incomuns, mas que têm elaborado bons vinhos
por Arnaldo Grizzo
Vinho é uma cultura milenar que permeia toda a humanidade. Após a domesticação e cultivo da videira, cujas origens provavelmente começaram ao redor do Cáucaso e Oriente Médio, essa planta acabou por se espalhar por todo o planeta.
Há sim locais onde as vinhas se adaptaram e se adaptam melhor, mas a verdade é que essa variedade de trepadeira tem uma morfologia privilegiada, capaz de sobreviver em diversos ambientes, muitas vezes suportando adversidades que outras plantas não aguentam.
Apesar de a Europa ter levado ao ápice o gênero vitis vinífera – ou seja, a espécie que produz os vinhos chamados de finos –, está por todo o globo. Seja com colonizadores, seja com uvas nativas, a videira e o vinho conquistaram e ainda conquistam novas regiões.
Se antes era impensável produzir uvas no deserto, por exemplo, viticultores de Israel e também do Chile, especialmente do Atacama, provam que não. Não há espaço para vinhos de latitudes extremas no norte e no sul do planeta? Ingleses e também argentinos, com seus vinhos patagônicos, mostram que é possível produzir grandes rótulos nesses locais.
Ou seja, com tanta tecnologia e tantos recursos, além de milhares de estudos obviamente, hoje não se pode duvidar de que possam surgir bons vinhos de regiões que, à primeira vista, podem parecer completamente inusitadas. Sendo assim, ADEGA listou algumas regiões e países bastante incomuns, mas que têm elaborado vinhos. Confira.
Quando se pensa em uma região produtora de vinhos, certamente ninguém sequer vai citar algum país do sudeste asiático. Mas alguns deles têm produzido. Um dos mais improváveis é Myanmar, ou Burma.
Ali, a história do vinho é recente. Um dos pioneiros no local foi a Myanmar 1st Vineyard Estate, que começou a plantar as primeiras vinhas importadas da Europa em Loikaw, capital do estado de Kayah, em 1998. O vinho de estreia, contudo, só surgiu em 2004 – um blend de Syrah, Dornfelder (uma variedade tinta alemã) e Tempranillo. Mais tarde também surgiu a vinícola Red Moutain Estate, que produziu seus primeiros rótulos em 2006 em Taung Chay.
O conjunto de ilhas do Pacífico pertencentes aos Estados Unidos é famoso por produzir vinhos a partir de frutas que não uvas, mas outras como abacaxi, por exemplo.
Contudo, também há vinícolas “tradicionais” por lá, que produzem vinhos com castas internacionais, assim como também algumas cepas diferentes como a Symphony Grape (um cruzamento entre Grenache Gris e Muscat de Alexandria) ou ainda a Carnelian (criada pela Universidade da Califórnia na década de 1970, do cruzamento de Grenache com um cruzamento de Carignan e Cabernet Sauvignon).
Entre os produtores mais antigos estão a MauiWine, de 1974, e a Volcano Winery, de 1986. Junto com Pinots, Grenaches, Chenins, eles fazem infusões, como vinhos de macadâmia etc. Ainda assim, é uma vitivinicultura curiosa, vivendo literalmente na base um vulcão.
A vitivinicultura na China vem se desenvolvendo nos últimos anos com produtores tradicionais de outros países apostando em algumas regiões.
O local mais curioso, contudo, seja o projeto Ao Yun, do grupo LVMH – dono de marcas como Veuve Clicquot, Cheval Blanc, Yquem etc. Após quatro anos de busca, eles pararam no norte da província de Yunnan. Situada às margens do rio Mekong, a região fica no sopé do Himalaia, não muito longe da lendária cidade de Shangri-La.
Os vinhedos cultivados com Cabernet Sauvignon e outras cepas francesas estão nas aldeias de Adong, Xidang, Sinong e Shuori, no sopé da montanha sagrada Meili, e variam em altitude de 2.200 a 2.600 metros. A primeira safra ocorreu em 2013. Ao Yun significa “voar acima das nuvens”, uma referência às nuvens que cobrem os cumes das cadeias montanhosas ao redor.
Não é de hoje que os ingleses vêm investindo na vitivinicultura. Aliás, a ilha é uma das apostas de diversos produtores tradicionais (especialmente as casas de Champagne) que têm buscado um clima mais ameno para produzir e, quem sabe, ter uma nova fonte de uvas para o futuro – caso o aquecimento global complique as coisas em sua região.
Empreendimentos no sul da Inglaterra são já bastante comuns, mas na Escócia, o país mais ao norte da ilha, ainda são raros. Um dos que investiu na área foi o chef Christopher Trotter, que criou o Château Largo, então a primeira vinícola comercial escocesa.
Ele começou a plantar em 2012 com as pouco conhecidas variedades Solaris e Siegerrebe. As primeiras safras, contudo, não foram muito boas, como ele mesmo admite. Depois de algum tempo, ele arrancou suas 200 parreiras. Há outras tentativas, mas hoje não há notícia de vinícolas comerciais produzindo na Escócia.
Que há vinhedos por toda a França, isso todos já sabemos. Mas você sabia que existem vinhas plantadas dentro da cidade de Paris? Acredita-se que, ao todo, existam cerca de 10 vinhedos “urbanos” na capital francesa.
Alguns pequenos terrenos, de propriedade da cidade de Paris, estão nas colinas de Montmartre, escondidos nas margens do Sena e também em alguns dos parques mais famosos da cidade.
Vale lembrar que, século XVII, Paris era um centro vitivinícola também, mas, com o tempo, a pressão imobiliária afastou a agricultura. Entre os vinhedos, há um de propriedade privada, La Vigne de Paris-Bagatelle – um hotel construído em 1926 localizado na fronteira do parque Bois de Boulogne – que oferece degustações de vinhos, visitas guiadas e cursos de enologia.
A vinícola Lerkekåsa Vineyard diz ter o vinhedo mais setentrional do mundo, que estaria localizado na cidade de Telemark, na Noruega. Lerkekåsa foi fundada por Joar Sættem e Wenche Hvattum em 2007. As primeiras vinhas foram plantadas no ano seguinte em um terreno onde se cultivava maçãs (a região é a capital da maçã na Noruega) e legumes.
O vinhedo fica de frente para o lago de Norsjø. Eles produzem vinhos com a uva americana Valiant e com outras também pouco conhecidas como Rondo, Kuzminski e Golubok, a alemã Solaris e a russa Hasansky.
Assim como a maioria dos países nórdicos, faz-se ainda muitos vinhos com infusão de frutas silvestres, ou “vinhos” apenas de frutas, como amoras, mirtilos etc. Uma das atrações da Lerkekåsa é a estadia dentro de um barril de vinho transformado em quarto.
Vinhos da Polinésia Francesa, no meio do Oceano Pacífico? Pois é, a colonização francesa deixou marcas na ilha tropical, mas as primeiras vinhas só surgiam nos anos 1990.
Os vinhos feitos lá são vinificados a partir de uvas cultivadas no atol de Rangiroa, que faz parte do arquipélago de Tuamotu. Dominique Auroy é o único enólogo do Taiti e criou a vinícola Vin de Tahiti em 1994, com as primeiras safras no ano 2000.
Lá ele produz brancos e rosés com Moscato de Hamburgo e Carignan. São duas safras por ano, em maio e dezembro, com 6 hectares de produção em um local que se pode dizer “paradisíaco”. A viticultura é tão incomum que parte do trabalho de transporte precisa ser feito por barco.
Pouco se pensa no vinho africano a não ser na África do Sul. Mas há produção em alguns países do norte do continente, como na Etiópia. Lá, a vinícola mais antiga tem mais de 80 anos. Em 1936, uma família grega iniciou a primeira vinícola em Lideta, Adis Abeba, seguida por uma família italiana que estabeleceu sua vinícola em Mekanisa.
Os dois empreendimentos foram nacionalizados em 1974 e reagrupados como uma entidade denominada Awash Wine. Hoje, a empresa tem cerca de 200 hectares de vinhedos na região de Oromia, Zona Arsi, Merti wereda, no Vale do Rift ao longo do rio Awash, a 180 km de Adis Abeba, muito próximo da linha do Equador e a uma altitude de 1.600 metros.
Lá se produz Chenin Blanc, Petite Sirah, Grenache, Sangiovese, Shiraz, Dodoma, Cabernet Sauvignon, Merlot, Ruby Cabernet e Muscat. Mais recentemente, o grupo Castel, de Bordeaux, também lançou uma vinícola na Etiópia.
O arquipélago das Ilhas Canárias é uma comunidade autônoma da Espanha no norte do Oceano Atlântico. Está localizado a 110 km da costa oeste de Marrocos.
O vinho aqui não é novidade, pois já se comercializada desde a época das navegações e seu Malmsey já foi popular na Inglaterra, Holanda e Alemanha antes de cair no esquecimento. O inusitado da produção local é que ela se concentra em solos vulcânicos, especialmente na ilha de Lanzarote, local da primeira vinícola, a Bodega El Grifo, fundada em 1775.
Os vinhedos geralmente estão em curiosos terraços cercados por pedras, em altitudes que variam de 500 a 1000 metros. Uma vasta gama de uvas indígenas é cultivada, como a Listan Blanco (Palomino), Malvasia, Marmajuelo, Listan Negro e Tintilla, por exemplo.
Vinho na Califórnia não é novidade. Mas e se você desenvolvesse uma vinícola na área de Malibu, com suas praias concorridas?
Pois é, a região costeira tem até sua própria AVA, a Malibu Newton Canyon. São poucas vinícolas no local, a mais antiga (com vinhedos plantados em 1987) e talvez mais charmosa seja a Rosenthal, a apenas seis quilômetros do Oceano Pacífico. As variedades cultivadas na propriedade incluem Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot, Viognier e Chardonnay.
Para melhorar, a sala de degustações da vinícola está localizada em frente à praia em Malibu, com uma vista impressionante. Só para se ter ideia, nomes como Robert Redford, Mel Gibson, Barbra Streisand, Richard Gere, Sally Field e Whoopi Goldberg já tiveram ou ainda têm casa por lá.