por Silvia Mascella Rosa
A brasa da parrilla está no ponto e o forno para a massa está aquecido também! Chega junto que o vinho já está aberto e temos uma história para contar, por que dia 14 de abril, é dia do Tannat.
Começa agora uma semana para celebrar essa uva e seus vinhos. Criada pelo Instituto Nacional de Vitivinicultura do Uruguai, o INAVI, o dia específico (14 de abril) foi escolhido por ser a data da morte (em 1894) do personagem mais emblemático dessa história, que - como existe em todo bom conto - coincidentemente nasceu no dia 13 de abril em 1819.
Vamos falar dele já, já. Antes, vamos rapidinho até a França, bem ali na divisa com a Espanha.
Uma cadeia montanhosa, mais alta do que os Alpes, faz a separação natural entre a França e a Espanha, são os Pirineus. Eles correm de leste a oeste, do Mar Mediterrâneo ao Golfo de Biscaia, no Atlântico. Os picos mais altos (que podem passar dos 3 mil metros) estão na zona central dos Pirineus, mas para nossa história, é a zona ocidental, ou Pirineus Atlânticos, que nos interessa.
É nessas terras, que ocupam o sudoeste da França, que estão as Denominações de Origem onde nasceu a uva Tannat. Béarn, Irouléguy e Madiran: não estranhe os nomes, essa região, que anda a par e passo com o norte da Espanha, é conhecida como terra dos Bascos e as línguas, costumes e uvas têm características bem particulares. Além do clima, da altitude e das terras de cultivos muito antigos.
O nome aparece pela primeira vez em 1783, no original como "tanat", vindo de tan ou tanino. Ao que tudo indica, ele deriva da coloração escura, violácea (tinta!) de seus grãos e de sua riqueza natural de taninos. Ela pertence a uma família de uvas, a cotoïdes, com origem no sudoeste francês nos tempos romanos. Da mesma família são a Mansengs, a Ugni Blanc e a Malbec.
Nessa mesma região, onde nasceu a uva Tannat, nasceu também Pascual Harriague, como dissemos, em 13 de abril de 1819, na pequena cidade de Hasparren, entre as denominações de Béarn e Irouléguy. Aos 29 anos ele chegou ao recém-independente Uruguai e trabalhou na indústria alimentar e agrícola, mas já de olho na vitivinicultura.
Fez testes durante anos, na região de Salto, com diversas variedades, até que lhe chegou aos ouvidos o trabalho de outro homem, também do país Basco, Juan Jáuregui, que havia conseguido adaptar vinhas da região deles na cidade de Concordia, na Argentina. Pascual decidiu apostar na variedade, atravessou com ela a divisa entre os países, começou a cultivá-la nos anos de 1870 e no meio da década fez seus vinhos.
O sucesso foi tanto, que em alguns lugares do Uruguai, até hoje a Tannat é conhecida como Harriague. Oficialmente, é assim que nasce a vitivinicultura no Uruguai, das mãos de homens de duas fronteiras do Velho Mundo (França e Espanha) e adaptadas por eles entre dois países do Novo Mundo (Argentina e Uruguai). Isso merece um brinde!
Em sua terra de origem a Tannat era considerada quase indomável, rústica, exagerada. Seus melhores exemplares antigos (especialmente do Madiran) eram cortes com as Cabernet Franc e Sauvignon. A moderna vitivinicultura, especialmente depois da praga da filoxera, ainda se divide entre 'domar a fera' com microoxigenação e madeira nova ou trabalhar vinhedos, cortes e respeitar seu vigor e estilo.
Mas no Uruguai não existem os Pireneus, o clima é muito diferente, com as quatro estações bem-marcadas e também as zonas distintas de produção. "Aprendemos muito ao longo dos anos, fazendo Tannat e fazendo Tannat novamente. São mais de 100 anos conhecendo uma variedade. Não é apenas por sabermos detalhes dos diferentes terroirs dentro do país, se estão em zona mais central ou mais perto do Oceano. Os Tannats de hoje são muito mais elegantes e interessantes do que os de anos atrás. É uma expertise”, conta Alejandro Cardozo, premiado enólogo uruguaio, que mora no Brasil e tem projetos em vários países, inclusive em sua terra natal.
A ciência foi atrás da Tannat, também, assim que começou a conhecer a ação dos compostos como o resveratrol. E esse é mais um momento em que o vinho brilha, não apenas na taça: a Tannat tem cerca de 2,7 vezes mais resvetratrol do que outras variedades tintas e níveis bem elevados dos flavonóides que são capazes de reduzir os riscos de doenças cardíacas. Esse brinde é daqueles onde dizemos: "Saúde"!
A celebração do dia (e da semana!) do Tannat, não poderia deixar de ter sugestões dos degustadores de ADEGA. Nosso editor de vinhos, Eduardo Milan, fez uma seleção especial, para que você possa conhecer diferentes produtores e estilos de Tannat uruguaios, inclusive os cortes. Clique nas garrafas abaixo para ler as resenhas:
Garzón Balasto 2018 - AD 96 pontos - Bodega Garzón, Maldonado, Uruguai
"Mostra todas as suas camadas de aromas e de sabores de modo sutil, compacto e preciso, mas sempre num contexto de firmeza e de tensão"
Ombú Reserve Tannat 2018 - AD 92 pontos - Bracco Bosca, Canelones, Uruguai
"Tem final longo e denso, com toques terrosos, de cacau e frutos secos"
"Encorpado, tem acidez vibrante (...) com toques especiados e de ameixas, que pedem a companhia de carnes vermelhas mais gordurosas"
"Fluido, equilibrado e nítido, tem taninos de ótima textura e final persistente"
Bouza Parcela Única B28 Tannat 2017 - AD 94 pontos - Bouza, Canelones, Uruguai
"Impressiona pela qualidade da fruta, nítida e fresca, com taninos finos"
Pizzorno Primo 2015 - AD 94 pontos - Pizzorno, Canelones, Uruguai
"Um grande vinho em todos os sentidos, pensado para a guarda"
"Chama atenção pelo equilíbrio do conjunto, pela refrescante acidez, pelos taninos de ótima textura"
Deu vontade de saber mais e escolher outros rótulos? Você pode ver todos os Tannats que ADEGA já degustou na página.
Nascidos um para o outro!
Vizinhos com gostos similares, Uruguai e Brasil amam um churrasco, seja na grelha, na chapa ou na parrilla.
Variam os cortes, varia o ponto (o uruguaio em geral curte as carnes mais malpassadas) e podem até variar os acompanhamentos, brasileiro não dispensa farofa e uruguaios não dispensam os legumes como o pimentão, também na parrilla. Já o vinho, esse não tem discussão: o Tannat é escolha acertada.
Os taninos que marcam o vinho fazem um bom contraponto com as carnes vermelhas mais substanciosas, de textura rica. Entre elas, uma combinação muito encontrada tanto no Uruguai quanto no Brasil, é a carne de cordeiro, com seu sabor marcante, que fica perfeitamente equilibrada com os aromas potentes e a acidez do Tannat. Um equilibra o outro e produz na boca aquela sensação de que "tudo funciona".
Ainda mais que os Tannats são capazes de fazer frente aos molhos apimentados, por conta de seu sabor levemente tostado, bom volume e taninos doces. Já acendeu o fogo? O vinho já está na taça!
Visitar o Uruguai é sempre um prazer! A capital Montevidéu tem aquele ar de cidade à beira mar (mesmo sendo 'beira rio'), descontraída para quem busca paz e cheia de atrações para quem busca boa gastronomia, passeios e cultura.
É impossível visitar a cidade sem ir até o Mercado do Porto e já 'abrir os trabalhos', nesse centro enogastronômico da cidade! O passeio pelo calçadão da orla é perfeito para queimar as calorias do almoço e pode até ser feito de bicicleta (é possível alugar). Se der sorte de estar na cidade num domingo faça uma visita à feira de Tristán Narvaja, é um mergulho no estilo de vida da capital, além de um belo passeio pelo casario típico na rua que dá nome à feira.
Para o enoturista, a capital também é o ponto de partida para as regiões de Canelones (a maior do país) e San José. Junto de Florida e da própria Montevidéu, as quatro zonas formam a Región Sur de produção de uvas e vinhos. Muitas vinícolas têm passeios diferenciados, seja com visita aos parreirais da Tannat e degustação, com almoço harmonizado e até com um vôo panorâmico sobre os vinhedos, num passeio exclusivo que inclui até translado desde Montevidéu.
Com enoturismo bem-organizado, o país tem orgulho em mostrar tanto suas tradições em vinícolas centenárias nos caminhos do interior (onde a Tannat e as carnes na parrilla reinam soberanas), quanto os novos empreendimentos, perto do mar e da badalada Punta del Este. Mesmo estando a apenas duas horas da capital, vale passar ao menos uma noite em Punta. O balneário de luxo é cheio de boas opções, seja para quem quer badalação, praias calmas, proximidade com as modernas vinícolas de Maldonado (charmosa cidade vizinha), museus, compras e até cassinos para tentar a sorte. Como as distâncias não são extremamente grandes, vale escolher ao menos uma bodega em cada estilo, para experimentar variadas nuances desse país tão charmoso e próximo do Brasil.
Por fim, indicamos uma visita imperdível à Colonia del Sacramento, um dos Patrimônios Históricos da Humanidade pela UNESCO (desde 1995). Fundada por portugueses em 1680 é a memória viva da história do país, com suas ruas de pedra e casario preservado. Para fechar essa viagem com chave de ouro, uma taça de um licor, de Tannat (claro!), mais uma das delícias que essa uva proporciona.