Como a nova geração da família Torres quer perpetuar e inovar suas tradições no mundo do vinho
por Christian Burgos
Miguel A. Torres defende que sua empresa continue sendo familiar e é obstinado pela sustentabilidade da indústria vitivinícola mundial
Há quase três décadas, todos os anos, a família Torres convida um pequeno grupo de profissionais do mundo do vinho para participar do Miguel Torres Wine Course. Em 2017, fomos convidados com mais 13 participantes, que formaram um eclético grupo que reunia dois jornalistas, um distribuidor e 11 sommeliers de restaurantes e hotéis do Canadá, Finlândia, Reino Unido, Alemanha, Catar, Emirados Árabes, Suécia, Rússia, Cuba, México, Estados Unidos e Cingapura. Ou seja, é uma rara oportunidade de aprender com o próprio “senhor Torres” e Josep Sabarich, enólogo chefe da Torres, e de trocar experiências e conhecer as tendências de consumo nos quatro cantos do mundo.
Foram quatro dias de atividades intensas que se iniciavam às 8h30 e terminavam por volta das 23h30, com aulas, degustações, visitas a vinhedos e refeições no campo e em belos restaurantes, numa imersão completa e organizada de forma impecável.
Em tempos de plebiscito, a Torres está firmemente implantada na Catalunha, tanto por sua história quanto pela presença de seus vinhedos espanhóis, mas engana-se quem tenta compreender a Torres e seus vinhos de uma forma unidimensional.
Uma sequência de cinco gerações desta vinícola orgulhosamente familiar se iniciou quando Jaime Torres Vendrell voltou de Cuba e, com seu irmão, Miguel Torres Vendrell, fundou Bodegas Torres em 1870. Logo, os vinhos da Torres começaram a ser premiados em concursos na Filadélfia (1876), Paris (1878) e Barcelona (1888) e, em seguida, exportados para Cartagena, Santiago de Cuba, Hamburgo e São Petersburgo.
Família Torres está na quinta geração de uma vinícola fundada em 1870 pelos irmãos Jaime e Miguel
Empreendedor por definição, Don Jaime sempre teve uma visão internacional e não foi à toa que a estação ferroviária de Vilafranca del Penedès se estabeleceu à frente da sede da vinícola. No século XIX, os navios não tinham partidas com datas fixas, o que significava perda de tempo e custos extra de armazenagem. Dessa forma, Don Jaime propôs a um armador que tivesse partidas agendadas e, quando isso não foi aceito, fretou seu próprio navio e enunciou que teria uma data fixa de partida. Após uma primeira viagem de sucesso, outros exportadores também aspiraram a esta regularidade e o armador, que havia recusado a oferta de Don Jaime, entendeu a superioridade do conceito e incorporou as saídas com data fixa a sua frota.
Conviver com o “senhor Torres” (como a equipe se refere a Miguel A. Torres) é conhecer uma usina de ideias e motivação. Ferrenho defensor da manutenção de seu grupo como uma empresa familiar, ele fundou e participa ativamente da PFV (Primum Familiae Vini). Com o mesmo empenho, aprendeu a se comunicar em inglês, francês, alemão, japonês, chinês e russo para fortalecer a internacionalização do grupo. Hoje, é obstinado pela sustentabilidade da indústria vitivinícola mundial. Longe de ser um xiita dogmático, o “senhor Torres” cerca-se de dados, promove estudos e investe em pesquisas – muitas vezes conduzidas internamente por sua filha Mireia Torres Maczassek, diretora de pesquisa e desenvolvimento de todo o grupo e responsável também pelas vinícolas Jean Leon e Priorato.
Atualmente, grande parte dos esforços de pesquisa do grupo estão ligados à luta contra o aquecimento global. Além dos estudos e implementações que contribuem para o controle e compensação das emissões de carbono de todo o grupo, escolher as variedades de ciclos vegetativos mais longos e saber como proporcionar o amadurecimento tardio das variedades é um foco para contrabalancear o encurtamento dos ciclos pelo aquecimento global.
Outro projeto fascinante é um sério estudo de resgate de variedades catalãs que se iniciou de forma inusitada, com anúncios de jornal solicitando às pessoas que entrassem em contato com a Torres caso, em seus vinhedos ou jardins, houvesse vinhas que não conseguissem identificar. Hoje, o projeto “Variedades Catalãs Ancestrais” identificou e reproduziu dezenas de cepas das quais as variedades No 4 Querol, No 8 Moneu, No 9 Gonfaus, No 31B Forcada, No 31 Selma e No 32 Pirene, foram plantadas em maior escala permitindo a vinificação. Degustamos vinhos elaborados com estas variedades e as duas que mais encantaram são a Pirene e Moneu.
A Catalunha recebeu os primeiros vinhedos plantados na Espanha, colonizada pelos romanos antes mesmo da França. E esse pioneirismo histórico se confunde com a história da Torres, que adquiriu a vinícola Jean Leon, cujo emblemático fundador se tornou amigo e confidente de astros como Frank Sinatra, James Dean, Grace Kelly etc., antes de plantar as primeiras vinhas de Cabernet Sauvignon na Espanha há mais de meio século. O senhor Torres cultivou, em 1960, os 29 hectares de Cabernet Sauvignon de onde elabora o ícone varietal Mas La Plana, que ganhou fama mundial após vencer as “Olimpíadas do Vinho”, em Paris, com a colheita 1970.
Degustar e conversar com Mireia é encantador. Sua personalidade tímida dá espaço a conversas fascinantes e apaixonadas quando o assunto é avaliar vinhos com seriedade, conversar sobre tendências e técnicas que estão sendo experimentadas em todo o mundo. Mireia tem uma rara qualidade entre produtores, que é avaliar seus próprios vinhos de forma franca e transparente, sendo capaz de orgulhar-se de seus vinhos e projetos sem cair no lugar comum de professar que a melhor safra é sempre a que está disponível para venda hoje. Além disso, Mireia está sempre olhando para o futuro, com a mente aberta e curiosa dos grandes pesquisadores.
Assim como Mireia, faz parte da quinta geração da família seu irmão Miguel Torres Maczassek que, desde setembro de 2012, é o diretor geral do grupo. Antes disso, entre 2009 e 2012, foi presidente executivo de Miguel Torres Chile, quando tivemos a oportunidade de conhecê-lo. Miguel direcionou a Torres Chile rumo à sustentabilidade, implantou a viticultura orgânica em todos os seus vinhedos e lançou o primeiro vinho do projeto Empedrado, resultado da busca de um terroir com solo para plantação de vinhedos em platôs de “pizarra”, como no Priorato.
Uma visão estratégica, inovadora e sustentável norteou a história da vinícola até hoje
Lançou ainda o primeiro espumante rosé elaborado com a variedade País. Esta cepa, implantada há 500 anos no Chile, é responsável pela sobrevivência de centenas de propriedades familiares. Mais que uma inovação vitivinícola, o espumante Estelado revela o que, para mim, é o traço singular da personalidade de Miguel, sua atenção ao elemento muitas vezes negligenciado no conceito de terroir, o homem. Acredito que essa preocupação pautou a implantação do selo Fair Trade na gama Santa Digna, cujas uvas são compradas de produtores familiares a preços acima do mercado, e também na reversão de parte dos recursos da comercialização da linha para projetos eleitos pelos funcionários e colaboradores da vinícola. Em alguns anos, os recursos possibilitaram a implantação de hortas orgânicas para cultivo dos colaboradores, a construção de uma ponte que permitiu aos moradores de uma comunidade economizar muito tempo em seus trajetos diários, ou a construção de campos de futebol nos povoados. Este ano, os recursos foram destinados à reconstrução de moradias de colaboradores destruídas pelos incêndios florestais, sobretudo na região de Empedrado.
Esta atenção gera em Miguel uma outra forma de respeito por sua equipe de colaboradores mais próximos, que sabem ter um líder estratégico, detalhista e firme, mas ao mesmo tempo humano. Tive a oportunidade de sentar junto a ele no jantar de encerramento e conversar sobre paixões em comum, negócios e vinho. Miguel não só trabalha com vinho, mas tem uma verdadeira paixão pelo nobre fermentado. Uma boa parte da conversa dediquei ao projeto Priorato, para mim uma das visitas mais interessantes da viagem, sobretudo devido à qualidade do Syrah que tive a oportunidade de degustar e que hoje compõe o corte de um de seus vinhos mais especiais. Miguel também reconhece a qualidade do Syrah e espero que se sobreponha às resistências locais contra um varietal “alienígena” no Priorato. E, assim como seu pai ousou criar o Mas La Plana, a quinta geração Torres venha a nos brindar com um grande Syrah do Priorato.
Reza a lenda de que um acordo teria vigorado por décadas e os gigantes catalães não concorreriam. A Freixenet não faria vinhos tranquilos e a Torres não faria espumantes. A Freixenet fez seu movimento e com o novo Vardon Kennett, a Torres entra de vez no mundo dos espumantes.
AD 90 pontos
MONEU 2016
Aroma floral e ameixa fresca. Sua marca é a boca com acidez e um medicinal que segue até o retrogosto. Muito esbelto. Tem pimenta branca e mineralidade à pedra. Um vinho longilíneo, vibrante e elegante, sobretudo no retrogosto. A textura de taninos também impressiona, como uma areia bem fininha. CB
AD 89 pontos
FORCADA 2016
Esta variedade branca é plantada em solo argiloso para manter a umidade. Não macera porque a casca é grossa e com bastante compostos fenólicos. Passa seis meses por barricas usadas. Vibrante, cítrico, muito fresco em boca, um suco de limão ao lado de frutas como damasco maduro. Tem uma estrutura marcante e, segundo o enólogo, evolui muito bem em garrafa – e, neste processo, perde aromas cítricos e desenvolve mais de frutas amarelas. CB
AD 92 pontos
PIRENE 2016
A produtividade desta cepa é mínima e, por isso, a variedade deve ter sido abandonada. Gostei do perfil vinoso. Tem um “foxy” e frutas vermelhas no primeiro ataque, e, ao fi nal de boca, é mais pimenta. Lembra um pouco Nebbiolo. Utiliza apenas barricas usadas e foi vinifi cado pela primeira vez em 2012. CB
AD 91 pontos
ACERO CHARDONNAY 2015
Marimar Estates, Califórnia, Estados Unidos (Devinum - não disponível). Um Chardonnay sem madeira que mostra uma flor límpida seguida de melão e pêssego, com excelente acidez. CB
AD 92 pontos
ALTOS IBÉRICOS PARCELAS DE GRACIANO 2014
Bodegas Torres, Rioja, Espanha (Devinum - não disponível). Este 100% Graciano me abateu. Sincero e rústico, encanta nos taninos e frutas no pé. Um vinho poderoso, mas feito para beber. Seu perfil animal já mostra para onde vai com o tempo em garrada nas safras que permitem plena maturação, como 2011 e 2014. Tomara que resista guardar até 2024 a garrafa que tenho na adega. CB
AD 92 pontos
CELESTE 2014
Bodegas Torres, Ribera del Duero, Espanha. Um Tempranillo raiz. Deliciosa estrutura e profundidade. Adoro a textura de taninos. Cassis e um toque de couro. Um veludo negro com muita profundidade. CB
AD 91 pontos
CUVÉE ESPLENDOR VARDON KENNETT
Bodegas Torres, Penedès, Espanha (Devinum - não disponível). A Torres faz questão de que este espumante não seja uma cava. Um pequeno projeto com método tradicional e 30 meses de autólise. Seus 60% de Pinot Noir, 35% de Chardonnay e 5% de Xarel-lo têm boa estrutura, e a parte branca da laranja. CB
AD 93 pontos
JEAN LEON CABERNET SAUVIGNON RESERVA 1994
Jean Leon, Penedès, Espanha. 85% Cabernet Sauvignon e 15% Cabernet Franc. Apesar de mais velho, está mais inteiro que os irmãos mais novos provados na mesma noite. Taninos deliciosos com fruta abrindo espaço para os aromas terciários ancorados em vibrante acidez. CB
AD 93 pontos
JEAN LEON VINYA GIGI CHARDONNAY 2015
Jean Leon, Penedès, Espanha. O solo com lascas de calcário marca este Chardonnay com sua mineralidade e acidez pronunciada. Um perfil lácteo com abacaxi num dos melhores Chardonnay que já degustei na Espanha. CB
AD 93 pontos
JEAN LEON VINYA LA SCALA CABERNET SAUVIGNON GRAN RESERVA 2009
Jean Leon, Penedès, Espanha. Do berço do Cabernet Sauvignon na Espanha nasce este 100% Cabernet. Mineral, ervas com evolução a musgos. Mentol encontrado nos melhores chilenos. Textura granulada e deliciosa com belo volume de boca. Ele e Mas La Plana apresentam perfis completamente distintos em dois belos 100% Cabernet. CB
Os Torres foram um dos primeiros a cultivar Cabernet Sauvignon em Penedès e, com as uvas, criaram o ícone Mas La Plana
AD 93 pontos
LA MASÍA CHARDONNAY 2015
Marimar Estates, Califórnia, Estados Unidos (Devinum - não disponível). Talvez a região do Russian River seja o segredo deste branco guloso. Muito bom, suculento, mostra o poder do bom uso da madeira em um grande Chardonnay americano. CB
AD 92 pontos
MAS CAVALLS PINOT NOIR 2013
Marimar Estates, Califórnia, Estados Unidos. Ultra-costeiro. Apenas oito quilômetros do mar. O clima frio colabora para que seja muito Pinot. Já no nariz, o morango e o floral revelam sua elegância. É tão bom ver que meu Pinot preferido na linha não é o mais caro. A fruta evolui com o tempo para mais cereja e berry. A acidez é bela e vibrante, e ressalta balsâmico em sua evolução. CB
AD 94 pontos
MAS LA PLANA 2012
Bodegas Torres, Penedès, Espanha. Tem o aroma da água pura correndo e depois um buquê de flores diversas. Fruta negra muito profunda e, a cada safra, está mais vertical. A força dos taninos e o blueberry são a marca deste vinho. Um vinho monolítico, forte e esbelto. CB
AD 91 pontos
MILMANDA 2014
Bodegas Torres, Conca de Barberà, Espanha (Devinum - não disponível). 100% Chardonnay com o lácteo dominando o primeiro approach. Em boca, logo brilha a acidez, que é marcante, equilibra o vinho e já se revela no brilho amarelo com toques esverdeados. Vibrante, mineral e com um toque cítrico. Com o tempo em taça, o nariz vai indo para floral e fruta. No estilo de um elegante Chardonnay americano vinificado em barricas de carvalho francês. CB
AD 94 pontos
PERPETUAL 2014
Bodegas Torres, Priorato, Espanha. Um ano raro com chuva na colheita. A fruta é uma amora fantástica. Surpreendente vibração e elegância no Priorato, com bela acidez e fruta fresca. O uso de madeira, conferido pelas barricas maiores tostadas por mais tempo em temperatura mais baixa, é perfeito e contribui para o volume de fim de boca, sem esconder a fruta e a mineralidade de riacho entre pedras. Um vinho puro e longuíssimo, que revela o segredo do Priorato, onde as vinhas são capazes de extrair do solo a acidez capaz de equilibrar o calor do clima. CB
AD 91 pontos
SALMOS 2014
Bodegas Torres, Priorato, Espanha. 60% Cariñena, 25% Garnacha Tinta e 15% Syrah. Junto à mineralidade vem a textura de talco. A acidez brilha e a concentração é menos potente do que esperava e abre espaços. As especiarias em fim de boca vem do poder do Syrah, que não estavam em seu irmão de 2010 e me fizeram querer degustar esta variedade em separado para ter a certeza de que o Syrah já seria um vinho completo como varietal. CB
AD 91 pontos
SONS DE PRADES 2014
Bodegas Torres, Conca de Barberà, Espanha. Belo Chardonnay com fruta límpida amparada pelos 50% do vinho que passam por barricas e 45% que passam por malolática. Tudo isto colabora para que tenha o volume perfeito e ligeiro lácteo que não encobre, mas que funciona como base para a fruta brilhar. Poderia sugerir um prato leve para harmonizar, mas tomaria sozinho por ser completo. CB