A mais nova Indicação Geográfica de vinhos do Brasil reúne 600 pequenos produtores de uvas e 11 vinícolas
por Por Sílvia Mascella Rosa
Igreja Matriz de São Francisco de Assis, em Monte Belo
A estrada principal que atravessa o Vale dos Vinhedos começa a ficar íngreme num dos limites a oeste da Denominação de Origem. Em suas curvas, ela descortina uma verdejante paisagem vitícola que leva até a pequena cidade de Monte Belo do Sul que se tornou, em dezembro de 2013, a quarta Indicação Geográfica para vinhos finos do Brasil (a primeira foi o Vale do Vinhedos, que se transformou em D.O. anos mais tarde).
As torres da Igreja Matriz de São Francisco de Assis, com seus impressionantes 65 metros de altura, podem ser avistadas de uma enorme distância do município, sendo são seu cartão postal mais conhecido. Tão fotogênicos quanto a Matriz (embora impossível de serem contidos em uma única imagem) são os vinhedos que recobrem os montes, belos evidentemente, mas principalmente uma das origens mais importantes das uvas vinificadas em várias regiões da Serra Gaúcha.
Com ares de vilarejo italiano do norte (devido à intensa imigração vinda de regiões como Piemonte, Lombardia, Trento e Vêneto no final do século XIX), o município de Monte Belo do Sul – a área rural e urbana congregam apenas cerca de 3 mil habitantes – responde por 80% das terras da nova IG, sendo que os outros 20% são pertencentes aos municípios de Bento Gonçalves (11%) e Santa Tereza (9%). São 56,09 km2 que abrangem 600 propriedades vitícolas e incluem 11 vinícolas, todas de pequeno porte.
Região de Monte Belo será a primeira totalmente geo-referenciada, garantindo o rastreamento dos produtos
A busca pelo reconhecimento da região no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) começou pelas mãos da Associação dos Vitivinicultores de Monte Belo do Sul (Aprobelo) logo após sua fundação, em 2003: “Os pequenos proprietários daqui são fornecedores históricos de uvas finas para as vinícolas mais prestigiadas do Vale, de Garibaldi e de outras partes da Serra. Estava na hora de sermos reconhecidos por essa produção de qualidade e também pelos vinhos de vinificação própria”, afirma o enólogo Antoninho Calza, presidente da Aprobelo e proprietário da vinícola que leva seu sobrenome.
Ele conta, também, que a região tem a maior produção de uvas finas per capita de toda a América Latina, com 16 toneladas ao ano, em média. Essa produção se concentra, principalmente, nas uvas utilizadas para os vinhos base de espumantes (Chardonnay, Pinot Noir, Riesling Itálico e algumas variedades da Moscato), mas algumas tintas também se sobressaem, como a Merlot, a Tannat e as duas Cabernet (Sauvignon e Franc). As pesquisas com as uvas mais bem adaptadas ao solo da região – feitas através das parcerias já estabelecidas para a obtenção do registro da IG, como a Embrapa Uva e Vinho, Universidades de Caxias do Sul e Federal do Rio Grande do Sul – estão levando à seleção de uma levedura indígena da Riesling Itálico que será, quando devidamente isolada e reproduzida, um diferencial no processo de fermentação dos vinhos que levem o selo da IP.
Por conta da proximidade geográfica, uma parte das propriedades vitícolas do município de Monte Belo já estava dentro da D.O. do Vale dos Vinhedos e esse fato auxiliou as pesquisas para a obtenção do reconhecimento da Indicação Geográfica própria, uma vez que as sub-regiões do Vale são estudadas há mais de uma década.
O enólogo e vice-presidente da Aprobelo, Roque Faé, explica que a região tem, no entanto, uma singularidade importante em relação às outras IGs brasileiras de vinhos finos (Vale dos Vinhedos, Pinto Bandeira e Altos Montes), ela é a primeira totalmente georreferenciada: “O Ministério da Agricultura, a Embrapa e a prefeitura da cidade trabalharam juntos para fazer o levantamento de cada uma das propriedades, atravessando os vales com GPS e levantando todos os parâmetros. Assim, ao entrar no site do Ministério, com o nome da vinícola, por exemplo, você consegue visualizar tudo: tipo de solo, número de plantas, porta-enxertos utilizados, quantas plantas por hectare e tudo mais, desde antes do plantio. É completíssimo”, explica Faé.
Região demarcada tem 56,09 km2 e abrange 600 propriedades vitícolas, incluindo 11 vinícolas
Enquanto o cadastro vitícola alimenta as entidades do setor com informações sobre a produção de cada empresa e região, o georreferenciamento dá o rastreamento de todos os produtos e seus produtores, além do cruzamento desses dados que, junto com as pesquisas científicas de variedades e adaptação, poderá favorecer a implementação de uma D.O. local no futuro. “Vamos, com o passar do tempo, saber que uma determinada uva se deu melhor num quadrante específico de uma ou duas propriedades. Teremos dados dos tipos de solo e do clima que afetam a região e assim poderemos até direcionar a produção ou mesmo orientar um replantio”, completa o enólogo.
Com a chegada dos primeiros vinhos certificados ao mercado em 2014, a região da IG Monte Belo dá voz a uma história iniciada quando as terras ainda pertenciam à Colônia Dona Isabel (criada em 1870 para receber os imigrantes), que veio a se tornar o município de Bento Gonçalves, do qual Monte Belo do Sul se emancipou em 1992. “Esta região é considerada por muitos historiadores como o berço da elaboração comercial de vinhos na Serra Gaúcha por volta da década de 1910”, conta Antoninho Calza. As centenas de famílias italianas que ocuparam as terras (então divididas em linhas e lotes, alguns dos quais ainda são conhecidos por esses nomes, como a Linha Leopoldina e a Linha Zamith, por exemplo) trouxeram consigo uma forte religiosidade católica em que o vinho está bem inserido (mantida até hoje já que a entrega do certificado de registro da IG aconteceu dentro da Igreja Matriz e o primeiro pronunciamento foi do padre), muitos conhecimentos de agricultura e a vontade de se estabelecer num local pacífico onde pudessem prosperar. As condições da Serra Gaúcha, embora com os constantes desafios de um país tropical, permitiram que grande parte dessas famílias fizesse sua vida (e seus vinhos) nos belos montes ao leste do Rio das Antas, e o progresso permitiu que as mudas de uvas finas chegassem às mãos desses produtores, encontrando um terroir promissor.
O clima da Indicação Geográfica de Monte Belo, embora vizinha do Vale dos Vinhedos, varia ligeiramente. Sua amplitude térmica é bem acentuada, com o verão muito quente e as noites mais frias até o mês de dezembro, pelo menos. Isso favorece a maturação das uvas brancas que são, em geral, colhidas antes do que no Vale dos Vinhedos. A altitude varia entre os 349 metros acima do nível do mar e vai até os 695 metros. O relevo é um suave ondulado, em contraste com as escarpas do entorno da região, e a exposição predominante é a norte. O solo, de baixa fertilidade e baixo teor de matéria orgânica, é argiloso acinzentado, com presença de rochas vulcânicas, que são parte da formação da Serra Geral, à qual a região pertence.
Vinhos avaliados | |
AD 89 pontos | |
AD 88 pontos | |
AD 89 pontos |
As regras da nova IG preveem que os vinhos que levarão seu selo sejam 100% compostos por uvas produzidas na área, sendo que os espumantes devem conter no mínimo 40% de Riesling Itálico e 30% de Pinot Noir, com no máximo 30% de Chardonnay e 10% de Glera (a uva do Prosecco). Quando feitos pelo método tradicional, eles precisarão passar nove meses, no mínimo, em contato com as leveduras. Já os espumantes moscatéis deverão conter no mínimo 70% de uvas Moscato, sendo que as variedades autorizadas são: Branco, Giallo, de Alexandria, de Hamburgo e as Malvasias Bianca e de Cândia.
Os vinhos brancos varietais devem ser elaborados com no mínimo 85% das uvas Chardonnay e Riesling Itálico e os tintos (também com 85%) das variedades Merlot, Cabernet (Franc e Sauvignon) ou Tannat. Para os tintos de corte, a base deve ser de no mínimo 40% de Merlot e cortes máximos de 40% de Cabernet Sauvignon, 30% de Cabernet Franc e 15% das cepas Tannat, Egiodola e Alicante Bouschet.
A região tem a maior produção de uvas finas per capita de toda a América Latina, com 16 toneladas ao ano, em média
Por fim, para receber o selo de procedência e estar apto a passar pelas degustações do Conselho Regulador, os vinhos deverão ter seus vinhedos cadastrados, precisarão apresentar declaração de colheita e de produtos a serem elaborados e terão que passar por análises físico-químicas detalhadas. “O Conselho Regulador é composto por sete membros, três deles da Aprobelo e quatro externos. E, desde 2006, temos avaliado nossos vinhos dentro dos padrões que agora são oficiais, pois acreditamos que esses processos não podem se iniciar de uma hora para a outra e, muito menos, achamos que um conjunto de regras vá ser suficiente se o vinho não é bom na taça. Para os lançamentos já com o selo, tivemos 17 amostras avaliadas e 15 delas foram aprovadas para receberem a marca da IP. Foi um longo trabalho, mas que nos dá orgulho”, revela Roque Faé.
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