Escola do vinho

Nova febre das tulipas?

A taça ideal para espumantes já foi a “coupe”, a “flûte” e agora especialistas dizem que a “tulipa” ou então uma simples taça de vinho branco seriam as melhores opções. Mas, por quê?

por Por Arnaldo Grizzo

Diz-se que, para cada vinho, há uma taça apropriada – a que melhor ajuda o líquido a expressar seus aromas e sabores. Há poucas dúvidas quando se trata dos recipientes ideais para tintos, brancos ou doces. As taças para esses tipos são conhecidas e há pouca ou nenhuma discussão sobre sua adequação.

No entanto, quando falamos de espumantes, começa a controvérsia. Qual a melhor taça para eles? Seria aquela antiga de bojo curto e largo (também conhecida como coupe)? Talvez aquela comprida, estreita e longa (chamada de flûte, ou flauta)? A verdade é que esses dois formatos de taças travaram uma longa batalha durante anos pela supremacia, porém, hoje, ambas estão sendo deixadas de lado. Especialistas em espumantes do mundo todo atualmente optam por uma taça alternativa, cujo formato mais apropriado exalta as principais características sensoriais da prova de um espumante.

O “modelo” mais indicado, inclusive por produtores, é conhecido como tulipa. O nome, como é de se suspeitar, deve-se muito à forma, que lembra a dessa flor de origem oriental: com base ovalada e abertura estreita. “Não utilizo nem a coupe, nem a flûte estreita, uso uma flûte grande”, diz Benoît Gouez, chef de cave da Moët & Chandon, ao tentar explicar a taça que a empresa adotou para seus vinhos e que remete à tulipa.

“Ela é suficientemente estreita na base para poder ter uma boa coluna de líquido e poder observar o caminho das borbulhas, suficientemente larga no corpo para deixar o vinho respirar e desenvolver toda a sua complexidade, e ligeiramente fechada na boca para concentrar os aromas enquanto se permite colocar o nariz dentro do copo ao beber”, observa. No entanto, há ainda quem seja mais radical e diga que a taça ideal para espumantes seria qualquer uma usada para vinho branco.

Um dos que defende essa ideia é o embaixador da Pernod Ricard (responsável por marcas como Mumm e Perrier-Jouët), Federico Lleonart. “Quando um espumante tem complexidade, profundidade e notas de autólise, como nos melhores Cavas e Champagnes, então a melhor opção é usar taças de vinho branco para deixar os aromas se expressarem”, comenta. Ele defende ainda que os espumantes mais simples devem continuar a ser servidos em flûte, pois esse formato mantém o vinho gelado por mais tempo e torna as bolhas mais bonitas.

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Bolhas de sabor?

Essa discussão levanta alguns aspectos importantes no que tange à degustação de um espumante. O que é mais relevante? As borbulhas em sua dança sensual subindo por uma taça estreita? Ou os aromas, que são melhor sentidos em um copo bojudo?

Para ajudar a responder essa questão, uma pesquisa feita em 2009 pela Universidade de Reims revelou que as bolhas definitivamente não possuem apenas uma função estética. “Quando o espumante é derramado na taça, a miríade de bolhas que sobem colapsa e irradia uma infinidade de pequenas gotículas sobre a superfície do líquido na forma de aerossóis muitos característicos e refrescantes”, aponta o relatório do estudo, que relaciona esses aerossóis a características organolépticas precursoras de aromas.

Dessa forma, o resultado aponta que as borbulhas estão ligadas à liberação de sabor, o que apoia a ideia de que o ato de bolhas subindo e se rompendo age como uma carona contínua para os aromas. Ou seja, essa pesquisa praticamente sela o destino das antigas coupe, em que o líquido perde seu perlage muito rapidamente.

Não à toa, o próprio Comitê Champagne chega a escrever textualmente em um informativo sobre como apreciar os espumantes daquela região: “A coupe deve ser proibida”. Assim, a disputa volta-se para a flûte versus a tulipa, com grande favorecimento desta última, já que, recentemente, a maioria dos especialistas tem optado por ela.

Aliás, boa parte dos principais produtores de espumante do mundo, em especial as grandes casas de Champagne, possuem taças feitas “sob medida” para seus vinhos e, muitas delas, talvez não apenas coincidentemente, são variações de formatos de tulipas, pois, assim como as flores (que possuem mais de 100 espécies na natureza), as taças que levam seu nome também apresentam inúmeros estilos.

Espumante brasileiro

O formato tulipa também foi a base para a construção da “taça oficial dos espumantes brasileiros” desenvolvida pela cristaleria Strauss em parceria com a Embrapa e Associação Brasileira de Enologia (ABE) em 2009, depois de longo tempo de avaliações. Luciano Vian, ex-presidente da ABE, explica que a taça escolhida foi inspirada nos modelos tradicionais de tulipa, mas com algumas diferenças: “A característica que se buscou foi uma taça não tão aberta, que dificultaria a formação do perlage e a percepção aromática, mas também não fechada em demasia, como as atuais tulipas, que impedissem de se sentir os aromas.

E claro que outro ponto fundamental foi o volume, que não pode ser muito, pois acaba aquecendo e prejudicando o produto”. Para chegar ao formato final, foram primeiramente avaliados 26 modelos diferentes que, depois de extensivas provas envolvendo profissionais da Embrapa e da ABE, resumiram-se a seis que tiveram melhor desempenho.

Depois de novas provas, sobraram apenas duas taças. “Foi confeccionado um pequeno lote piloto, que se submeteu novamente à degustação, e chegou-se à conclusão de que precisávamos aumentar o corpo. O volume estava bom, mas precisávamos de um espaço vazio sobre o líquido, para que os aromas pudessem ser absorvidos pelo degustador. Isso gerou nova confecção de molde, nova taça, novo teste piloto”, lembra Vian.

Segundo ele, o processo não foi tão simples, pois “ao mudar o costado da taça, também se mudou a base de suporte do costado, pois a ângulo, o cone, ficava estranho na taça com o costado mais alto”. Depois de resolvida a questão técnica, ela foi aprovada e hoje é um sucesso – com aceitação praticamente unânime em por toda a indústria e consumidores.

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O formato ideal

Definitivamente, tanto a coupe quanto a flûte parecem não agradar os apreciadores mais exigentes. No entanto, além dos modelos tulipa, há quem não descarte o uso de outros tipos de taças para apreciar espumantes específicos. Vian afirma: “Pensando em Champagnes e Cavas, que são os mais expressivos em volume, [vale a pena usar] uma taça com abertura um pouco maior, pois são produtos com grande complexidade de aromas e que melhoram consideravelmente quando expostos ao oxigênio”.

O chef de cave da Dom Pérignon, Richard Geoffroy, pensa da mesma forma e defende: “Você prova o que vê. Então, em uma coupe achatada, o vinho parece achatado; em uma flûte, ele está constrito; mas, em uma taça mais larga, você saboreia a plenitude”. Pensando nisso, ele recomenda que seus vinhos sejam degustados em taças indicadas para Pinot Noir (seria uma tulipa muito bojuda?).

Segundo especialistas, como Gérard Liger-Belair, pesquisador da Universidade de Reims, esse formato é o ideal para maximizar as características de aroma e sabor desta cepa no blend, daí seu uso. Seguindo a mesma lógica, produtores que tendem a usar mais Chardonnay na mescla costumam a sugerir taças de vinho branco (cujo formato também acaba por lembrar certas tulipas).

Por fim, para desfrutar plenamente de um espumante, escolha uma taça em que as borbulhas possam desfilar e haja espaço suficiente para que você possa se inebriar com os delicados aromas. Edward McCarthy, especialista que já escreveu livros sobre Champagne, resume bem: “A tulipa alargada é a minha taça de escolha. Uma boa taça de vinho branco, também é aceitável”. Então, as diferentes tulipas ou taças de vinho branco darão conta do recado.

Ou seja, com tantas opções no mercado, não haverá uma nova febre das tulipas (a primeira bolha especulativa de que se tem notícia na história da humanidade – ocorrida na década de 1630). -

Coupe x Flûte x Tulipa

O Champagne como vinho espumante surgiu no começo do século XVIII e, naquela época, era servido nas mesmas taças de qualquer outro tipo de vinho – geralmente baixas e de formato cônico, com haste pequena ou mesmo sem haste. Os primeiros recipientes feitos pensando nessa bebida teriam surgido em 1755 na Inglaterra, com cones em formatos mais alongados.

Pouco mais tarde, em 1773, juntando-se com hastes mais longas, eles passaram a ser conhecidos como “flûtes à Champagne”. No entanto, essa moda só chegou à França em 1800. Além disso, a palavra “flûte” só apareceu no dicionário em 1820. Apesar de a coupe – a famosa taça baixa cuja lenda diz ter sido moldada no seio de Maria Antonieta – já existir há muito tempo, ela só passou a ser mais utilizada para o serviço de Champagne nos anos 1830.

Ou seja, ao contrário do que muitos acreditam, o uso da flûte para os espumantes é anterior ao da coupe. Até então, ela servia como recipiente para a sobremesa. Aliás, acredita-se que a taça teria sido desenvolvida exatamente para exaltar o estilo da bebida na época – que era doce e servia como vinho de sobremesa. De qualquer forma, houve uma disputa intensa entre flûte e coupe, até que a flûte passou a ter a preferência já por volta da década de 1960.

E, apesar de os formatos tulipa serem relativamente comuns desde os anos 1930, só recentemente começaram a ser vistos como os ideais para os espumantes, especialmente depois que os principais produtores pesquisaram e desenvolveram recipientes que acreditavam ser os melhores para suas bebidas.

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Milhões de bolhas

Ao considerarmos que o diâmetro médio de uma bolha é de 0,5 mm e que o vinho contém cerca de 12 gramas de dióxido de carbono por litro, um cálculo mostra que uma taça de 100 ml contém aproximadamente 11 milhões de bolhas. No entanto, este número é apenas teórico porque cerca de 80% do dióxido de carbono escapa da superfície da taça sem gerar de bolhas.

Ao considerarmos que o diâmetro médio de uma bolha é de 0,5 mm e que o vinho contém cerca de 12 gramas de dióxido de carbono por litro, um cálculo mostra que uma taça de 100 ml contém aproximadamente 11 milhões de bolhas. No entanto, este número é apenas teórico porque cerca de 80% do dióxido de carbono escapa da superfície da taça sem gerar de bolhas.

Como servir espumante?

Segundo as pesquisas do professor da Universidade de Reims, Gérard Liger-Belair, as borbulhas possuem função mais do que apenas estética em um espumante, portanto, seria interessante preservá-las ao máximo na hora de servir, não? Dessa forma, em novo estudo realizado em 2013, o físico e sua equipe testaram duas formas de servir o líquido. A primeira despejando diretamente no centro da taça.

A segunda, vertendo cuidadosamente sobre a lateral do copo (como costuma-se fazer com a cerveja). Os resultados mostraram que esta segunda maneira teve muito menos impacto na concentração de dióxido de carbono dissolvido na bebida, ou seja, ajuda a preservar as bolhas. Outra constatação (mais óbvia) foi a de que servir a bebida em temperaturas mais baixas (entre 4oC e 6oC) também preserva a efervescência.

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