Na antiguidade se adicionava água do mar ao vinho e produtores querem reviver essa técnica
por André de Faria
“De fato, trata-se de uma única experiência que fizemos pela primeira vez nesta vindima de 2020”, conta Anna Jorgensen, enóloga da premiada vinícola alentejana Cortes de Cima.
A experiência que ela cita, bastante curiosa, é reviver uma técnica de produção da antiguidade: adicionar água do mar ao vinho.
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Pode-se dizer que essa história começa há cerca de 2000 anos nos mais antigos tratados sobre agricultura, como o “De Re Rustica” de Columella, ou ainda nos manuscritos de Catão, o Velho, em que se falava sobre vinhos produzidos na ilha grega de Kos dando detalhes de sua produção.
Segundo os antigos, esses vinhos eram feitos com uvas bem maduras, ressecadas ao sol, o mosto acrescido de água do mar. Diz-se ainda que essa água precisava ser “colhida” longe da costa e cerca de 70 dias antes. Enfim, há toda uma receita a ser seguida.
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E esta não é a primeira vez na história moderna que alguém utiliza essa “receita”. O intrépido Hervé Durand, proprietário da vinícola Mas de Tourelles, no Rhône, que está localizada sobre uma antiga aldeia Galo-Romana, vem se dedicando a “recriar” alguns vinhos da antiguidade há cerca de 20 anos.
Além de técnicas modernas que ele utiliza para produzir seus Syrahs e outras variedades populares, Durand recria uma série de tradições romanas com três vinhos bastante singulares, o Mulsum (com adição de mel e especiarias), o Carenum (com mosto fervido com marmelos, criando um xarope de uva) e o Turriculae, onde, entre outras coisas entra água do mar na composição.
A experiência portuguesa, como se vê, é mais recente. Ela começou quando o genial Dirk Niepoort, proprietário da vinícola Niepoort, conheceu a técnica em uma conversa com produtores tradicionais do Açores e convenceu dois amigos, Anna Jorgensen, da Cortes de Cima, e Anselmo Mendes, a experimentarem a técnica.
“Foi um desafio lançado pelo Dirk”, aponta Anna. Ela diz que decidiu fazer o experimento com a casta Loureiro proveniente de um vinhedo próximo ao atlântico, na Costa Vicentina, distante apenas 2 quilômetros do oceano.
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“A água foi coletada na mesma manhã que as respetivas uvas de Loureiro também foram”, conta. O mosto decantou a frio por 24 horas e depois foi trasfegado parte para cubas de aço inox e parte para barricas francesas de 500 litros. E nesta fase a água do mar foi adicionada ao vinho que estava na madeira em uma proporção de 1%. O vinho continua estagiando sobre as borras para ganhar aromas e complexidade.
O experimento de Anselmo Mendes foi além e ele adicionou 1%, 5% e 10% de água do mar em tanques de aço de 25.000 litros. Após os testes iniciais, os produtores concordaram que as soluções de 5% e 10% não ficaram boas, porém adoraram o sabor da solução com 1% de água salgada.
“Assim como é comum com comida, uma pitada de sal é importante para ‘acordar’ outros sabores”, afirmou Mendes. “Vinho já tem o dulçor das uvas, a acidez da fruta e o amargor dos taninos. Assim, a salinidade é muito benvinda para balancear esses sabores”.
Pela experiência que tiveram, os produtores afirmam que as técnicas antigas têm muito ainda a ensinar para os enólogos hoje.
Apesar de a ideia dos ancestrais ao acrescentar água do mar provavelmente era a preservação e durabilidade da bebida, o foco atualmente não é esse. “Antigos produtores de vinho nos mostram que podemos nos inspirar em suas ideias e produzir vinhos melhores até nos dias de hoje”, conclui Anselmo Mendes.