Egon Müller-Scharzhof produz alguns dos melhores Riesling do mundo
por Arnaldo Grizzo
Scharzhofberg é um dos vinhedos mais célebre da Alemanha. Com pouco mais de 28 hectares, ele fica numa encosta entre as cidades de Wiltingen e Oberemmel, no Mosel. Acredita-se que a colina com orientação sul tenha sido cultivada pelos romanos e, desde o século VII, pertenceu ao mosteiro de Saint Marien e continuou sob seu domínio durante toda a Idade Média.
Em 1797, logo após a Revolução Francesa, a "República" ocupou a parte oeste do Reno e Jean-Jacques Koch aproveitou para comprar dela o vinhedo de Scharzhofberg, que havia sido confiscado da igreja durante a invasão francesa. Naquele solo repleto de ardósia e argila, rico em ferro, já se faziam alguns dos melhores Riesling do mundo.
Hoje, os descendentes de Koch, os Egon Müller, continuam com essa tradição. Depois de tantas divisões de terra entre os filhos devido ao código napoleônico de heranças, a Egon Müller-Scharzhof ainda mantém a maior parte do vinhedo, com 8,3 hectares. O restante está divido entre outros sete produtores alemães. Até hoje, Scharzhofberg é um nome mítico, produzindo alguns dos mais afamados Riesling do mundo, especialmente os doces.
Jean-Jacques Koch teve sete filhos. Sua filha, Elisabeth casou com Feliz Müller, de Föhrenbach, na Floresta Negra, sudoeste da Alemanha. Com a herança e algumas novas aquisições, eles dobraram o tamanho da propriedade. Em seguida, o segundo filho de Elisabeth, Egon Müller I, casou-se com Therese Tuckermann, de Colônia. Seu sogro, Eduard Tuckermann, comprou a parte da irmã de Egon, Felicitas, por 150 mil marcos, e acrescentou à sua propriedade.
Foi com Egon Müller I que Scharzhof conquistou boa parte da fama que ostenta até hoje. O produtor soube se aproveitar das feiras internacionais, especialmente da Exposição Universal de 1900 em Paris, que deu grande visibilidade para seus vinhos. Ele morreu em 1932 e, dessa forma, sua propriedade foi dividida entre os filhos Egon Müller II e Felix.
Egon Müller II sofreu um acidente fatal com seu trator em julho de 1941 e sua esposa e duas filhas tiveram muitas dificuldades para manter os vinhedos durante os difíceis anos da II Guerra Mundial. Em 15 de agosto de 1945, Egon Müller III voltou para a casa depois de ter passado alguns anos como prisioneiro de guerra no Reino Unido. Sob sua batuta, a propriedade se recuperou e cresceu com a aquisição da vinícola de Le Gallais em 1954 e vinhedos de Wiltingen Kupp e braune Kupp. Atualmente, Scharzhof possui 15,7 hectares ao todo e é regido por Egon Müller IV desde 1991.
Egon Müller preza as vinhas velhas e o baixo rendimento, buscando uvas sempre perfeitamente maduras
Nesses poucos mais de 15 hectares estão plantados quase que somente Riesling, com 99% do total. Adeptos da filosofia de que a qualidade do vinho vem do vinhedo, eles valorizam as vinhas velhas - especialmente algumas não enxertadas que datam do século XIX, especialmente os 3 hectares no vinhedo Scharzhofberg -, os baixos rendimentos - nunca superiores a 60 hl/ha, sendo que nos últimos quatro anos a média foi de meros 30 hl/ha -, intensa aragem - até seis vezes por ano -, e pouco uso de pesticidas.
Como se sabe, o vinho alemão é classificado de acordo com o grau de maturação dos grãos e Egon Müller tem extremo cuidado com suas uvas para que elas estejam sempre perfeitas em todos os estágios. Com isso, rejeitam o uso de chaptalização (mesmo em seus Qualitätswein bestimmter Anbaugebiete [QbA], denominação mais simples) e também estão sujeitos às variações do clima de safra para safra - vale lembrar que o clima continental do norte da Europa é sujeito a muitas flutuações, o que impacta de modo diferente cada vinho a cada ano.
Egon Müller acredita no tratamento natural das vinhas, que foi praticamente abandonado pelos produtores depois de 1971 com o "German Wine Act". Suas vinhas velhas não toleram herbicidas e pesticidas e precisam ser aradas diversas vezes no ano. Há 16 anos, só usam fertilizantes orgânicos e, há 14, não usam inseticidas.
Obviamente, eles não tratam contra Botrytis, pois a "podridão nobre" é outro fator relevante no processo de produção dos seus vinhos. A fermentação geralmente é feita em cascos de madeira de 1.000 litros sem controle de temperatura e com leveduras indígenas. Apenas para os vinhos Beerenauslese utiliza-se leveduras selecionadas. Devido ao frio na época da colheita (entre outubro e novembro), a temperatura nunca passa dos 15oC e a fermentação pode durar até janeiro. Na maioria das vezes, o processo fermentativo termina antes que todo o açúcar seja consumido, determinando a doçura do vinho.
Os vinhos mais simples de Egon Müller são designados somente como Scharzhof e logo em seguida vêm os Kabinett que, no caso, não sofrem chaptalização, e depois os Spätlese. Quando a Botrytis começa a aparecer, colhem-se as uvas para os seus inesquecíveis Auslese. Doces e com acidez pungente, possuem enorme potencial de envelhecimento. Por fim, vêm os Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, cuja colheita é feita praticamente grão a grão, com uma concentração fora do comum. Os primeiros vinhos nessas classificações foram feitos por Egon Müller III em 1959 e, desde então, nas principais safras 1971, 1975, 1976, 1979 (só Beerenauslese), 1983 (só Beerenauslese) 1986 (só Beerenauslese), 1988 (só Beerenauslese), 1989, 1990, 1991 (só Beerenauslese), 1993 (só Beerenauslese), 1994, 1995, 1997 (só Trockenbeerenauslese), 1999, 2000 (só Trockenbeerenauslese), 2001 e 2003. Mas, há ainda os Eiswein, Ice wine, feitos pelas uvas congeladas não necessariamente atacadas por Botrytis.
O vinhedo de Scharzhofberg, um dos mais famosos da Alemanha, que produz alguns dos melhores Riesling do mundo
É dessa forma que Egon Müller consagra a Riesling. Do seco ao doce, essa variedade seduz os mais céticos quando nas mãos desse produtor, tamanha a acidez e elegância encontrada em seus vinhos, que podem durar muito tempo, mesmo os mais simples (para os quais é recomendada guarda de cinco a oito anos). Os doces trazem experiências sensoriais indescritíveis e são quase que infinitos em permanência e longevidade.
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