Um general do exército britânico deu nome ao que é hoje um dos mais prestigiados vinhos de Margaux
por Arnaldo Grizzo
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A história do Château Palmer, como o nome denuncia, está intimamente ligada aos britânicos. Quando o duque de Wellington, Arthur Colley Wellesley - que ficaria famoso pela batalha de Waterloo -, lutou para derrotar Napoleão, um de seus generais era Charles Palmer. Este chegou à região de Bordeaux em 1814 e, segundo a lenda, suas habilidades não se limitavam apenas às conquistas militares, mas amorosas.
#Q#Assim, quando conheceu Marie Brunet de Ferrière, viúva de Blaise Jean Charles Alexandre de Gascq, então dona do Château de Gascq, ele acabou adquirindo a propriedade por 100 mil francos.
Assim, antes das guerras napoleônicas, o Château Palmer pertenceu à família Gascq, que estava intimamente ligada ao vinho na região do Médoc e cujos descendentes estiveram vinculados a outros tantos importantes Châteaux de Bordeaux. Quando o vendeu a Palmer, a viúva havia dito que seu Château só estava abaixo de Lafite em termos de reputação (havia sido um dos preferidos da corte de Luiz XV).
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Palmer gozava de grande prestígio na Grã-Bretanha. Sua família fez fortuna na cidade de Bath, no sudoeste da ilha - e era famosa desde os tempos do Império Romano por suas águas termais. Na época Elisabetana e Georgiana, Bath se tornou um complexo termal que atraia os ricos. Tamanho era o prestígio dos Palmer em Bath que se mudaram para Londres, para ficar perto da monarquia. Assim, quando Charles serviu o exército, ele era da mesma companhia do Príncipe Regente, futuro rei George IV. Essa proximidade com a realeza e nobreza fez com que o vinho de Palmer (na época conhecido como "claret de Palmer") rapidamente ganhasse fama nos altos clubes britânicos.
Contudo, uma querela com o Príncipe Regente - que considerou a bebida fina e anêmica se comparada com seu vinho oficial, um Hermitage - fez com que Charles resolvesse modificar seu vinho, derrubando vinhas antigas e plantando novas, com novas variedades. Os experimentos, entretanto, não surtiram efeito e os altos custos consumiram grande parte de sua fortuna. Sem saber cuidar de suas finanças, ele foi forçado a vender a propriedade a um de seus credores e, no fim, ela acabou nas mãos da casa de hipotecas francesa em 1844.
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Portugueses?
Durante quase uma década, a propriedade ficou sob domínio da "Caisse Hypothécaire", quando parte foi adquirida pelos irmãos Isaac e Emile Péreire, em 1853. Judeus de ascendência portuguesa, eles eram banqueiros empreendedores, rivais da família Rothschild - que também investiria em propriedades vinícolas no Médoc -, um dos principais nomes do Segundo Império, com Napoleão III.
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Os irmãos Péreire promoveram grandes mudanças no Château Palmer, incluindo a construção do edifício - no mesmo estilo do Château Pichon-Baron - que permanece até os dias atuais. Entretanto, não houve tempo para que os Péreire recuperassem a fama da propriedade a tempo da classificação de Bordeaux em 1855, que deixou Palmer como um troisième Cru - terceiro lugar na ordem de importância.
Nos anos que se seguiram, a família Péreire ainda teve de lutar contra as pragas, como míldio e filoxera, contra os inimigos na Guerra Franco-Prussiana, em 1870, e na I Guerra Mundial. Por fim, não conseguiram aguentar a crise dos anos 1930 e tiveram de vender a propriedade.
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Consórcio
Em 1938, um consórcio de famílias ligadas ao vinho, com nomes como Sichel, Ginestet, Mialhe e Mähler-Besse, formou a Sociedade Civil do Château Palmer. A propriedade foi revitalizada e, mais tarde, somente as famílias Sichel e Mähler-Besse mantiveram-se no negócio, com a saída dos Ginestet - que venderam sua parte para finalizar a compra do Château Margaux - e dos Mialhe. Assim, as três bandeiras que tremulam sobre Palmer atualmente remetem às origens destas famílias: inglesa, holandesa e francesa.
O novo gerenciamento sofreria com a II Guerra Mundial e a invasão alemã, mas a partir da safra de 1961 - quando o vinho do Château Palmer foi considerado um dos melhores do mundo -, a propriedade ganharia notoriedade, com muitos críticos considerando sua classificação como "troisième" injusta, comparando-a, em muitos casos, ao Château Margaux, um premier Cru, que era seu vizinho.
Terroir
As vinhas de Palmer - 45 hectares produtivos no total de 52 (o tamanho da propriedade variou muito durante os anos, chegando a alcançar mais de 150 hectares tanto com Charles Palmer quanto com os irmãos Péreire) - ficam logo ao sul do Château Margaux, sobre um pequeno platô.
O solo é de cascalho grosso de quatro metros de profundidade, o que faz com que as vinhas tenham que cavar fundo para alcançar um terreno mais nutritivo. Mas, com isso, também ganham minerais que dão complexidade ao sabor e nuances de personalidade ao seu vinho. A densidade é de 10 mil plantas por hectare, sendo 47% de Merlot, outros 47% de Cabernet Sauvignon e o restante de Petit Verdot. Toda colheita é feita à mão, geralmente por estudantes dinamarqueses, com os quais a propriedade possui contrato. A cultura não é biodinâmica, mas há um cuidado especial sobre o controle de pragas através de meios biológicos. A idade média das vinhas é de 30 anos.
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Vinho
O principal vinho do Château Palmer, conhecido apenas como Château Palmer, varia sua mistura de Merlot, Cabernet e Petit Verdot ano a ano, com a proporção de Merlot indo de 40 a 60% (em algumas safras mais antigas). A Petit Verdot também possui papel importante, chegando a 8% em anos recentes. A decisão do blend é feita no primeiro ano em adega. Ele fica 21 meses em barrica de carvalho, sendo 45% novas. O segundo vinho, Alter Ego de Palmer (antes conhecido como Resérve de General) fica 17 meses em carvalho, 20% novo.
Seu blend de Cabernet Sauvignon e Merlot (em quantidades quase iguais, o que é raro no Médoc), com pequenas quantidades divididas entre Malbec, Cabernet Franc e Petit Verdot, dão-lhe a suavidade e a sensação aveludada, que fazem a diferença. A produção é de apenas 180 mil garrafas e a regularidade faz dele um dos principais vinhos de Bordeaux. Algumas safras históricas são: 1928, 1945, 1959, 1961, 1966, 1970, 1975, 1978, 1979, 1983, 1989, 1996, 2000 e 2005 - que podem ser consideradas até melhores do que alguns Premier Cru.
O estilo de Palmer possui uma fragrância e buquê sensacionais que podem ser facilmente identificados em degustações às cegas. De textura rica, geralmente macia e exuberante, e com profundidade e concentração de fruta, seu vinho pode envelhecer tranquilamente por 20 anos, quando não o dobro, mantendo a consistência.