Cristal nasceu como um pedido especial do Czar Alexandre II e ganhou o mundo como o primeiro Champagne prestige da história
por Redação
O Champagne Cristal nasceu em 1876 como uma encomenda pessoal do czar Alexandre II
Um sábado chuvoso de setembro na capital paulista certamente não é um dos cenários mais atraentes, mas o mau tempo corriqueiro de São Paulo passou despercebido nesse dia. No aconchegante Chef Rouge, na badalada Rua Bela Sintra, nos Jardins, não se via o acinzentado céu da cidade, mas o brilho luminoso de oito safras de um dos mais icônicos Champagne do mundo: Cristal.
Naquela tarde de garoa, alguns poucos convidados, todos amantes de Champagne – sendo que alguns dispuseram de suas próprias garrafas para “completar” a degustação vertical – apreciaram as diferentes nuances douradas de cada uma das oito safras provadas (1995, 2002, 2005, 2006, 2008, 2009, 2012 e 2013), um sutil dégradé de cores realçadas por seus inconfundíveis recipientes transparentes. Mas, muito mais do que estético, o deleite sentiu-se mesmo nas papilas, quando cada uma das safras revelou a sua história, o seu âmago, cada uma surpreendendo e encantando ao seu modo.
Essa degustação só foi possível graças aos esforços de Luli Dias, da importadora Épice, que, além de ceder alguns dos vinhos, contatou amigos – fãs de Cristal – que ajudaram a engrandecer a vertical, cedendo garrafas históricas de suas próprias adegas. O local foi a aprazível sala da Louis Roederer no Chef Rouge, com sua indefectível gastronomia francesa que, naquele dia, ainda primou pela extrema delicadeza nos pratos, deixando que os vinhos brilhassem. Reuniram-se apreciadores de Champagne de norte a sul do Brasil, com Augusto Acioli, Rui Silva, Gilmar Tenório, Rodrigo Fiuza, Carlos Moura, Carlos Giacometti, Jadir Engers, além da equipe de ADEGA.
Cristal nasceu em 1876. Foi uma encomenda pessoal do czar russo Alexandre II para Louis Roederer. Ele teria pedido que seu principal fornecedor de Champagne na época criasse uma cuvée exclusiva – algo que fosse diferente do que ele provava na França ou mesmo entre seus pares na Rússia. E aí surgiu o primeiro Champagne prestige do mundo.
O nome Cristal vem do fato de a garrafa vir em garrafas de vidro transparente
Roederer criou um espumante elaborado com uvas de vinhedos especiais (Grand Cru) e provavelmente com um pouco mais de açúcar residual – como era o gosto da época e especialmente dos russos. Ele então decidiu colocá-lo em uma embalagem de vidro transparente que se tornaria um símbolo e daria nome à cuvée: Cristal. Além da transparência, ela também tem fundo chato, diferente das garrafas convencionais. Há uma lenda que diz que o vidro incolor teria sido solicitado pelo czar, que temia atentados à bomba (por fim, ele foi assassinado em 1881, justamente em um atentado à bomba).
Segundo Jean-Bastique Lecaillon, chef de cave da Roederer, “Cristal é um Champagne que vai além do Champagne e não se parece com mais nada”. Ele é elaborado a partir de 45 parcelas, em que são selecionadas as melhores dependendo da safra. Essas são basicamente as mesmas desde 1876 quando a primeira cuvée foi criada. Essas parcelas têm solos calcários muito semelhantes, todos muito rasos (1 a 1,2 m), com raízes assentadas sobre giz. As vinhas têm entre 20 e 25 anos e produzem grande concentração.
Os arquivos da casa mostram que a Roederer classificou as suas vinhas em quatro classes de acordo com a qualidade das suas uvas, tal como ocorre na Borgonha. Na década de 1960, com a passagem das barricas de carvalho para cubas de inox, a adega foi ampliada e hoje conta com 410 cubas, quase uma para cada uma das parcelas, respeitando assim suas identidades.
Cristal é produzida exclusivamente nos anos que a Roederer considera os melhores para seus vinhedos – o que nem sempre bate com os vintage tradicionais de outras casas de Champagne. As uvas Chardonnay (cerca de 40%) e Pinot Noir (cerca de 60%) são colhidas quando atingem a maturidade perfeita. “Colhemos sempre tarde para termos uma riqueza de substância que permite ao vinho envelhecer bem após a fermentação e ganhar complexidade, pois é a riqueza da substância através da maturação que permite ao vinho envelhecer, mais do que a sua acidez”, revela Lecaillon.
Cristal é produzida exclusivamente nos anos que a Roederer considera os melhores
Cerca de 80% dos mostos são fermentados em cubas de inox e 20% – geralmente os terroirs mais intensos – em grandes barricas de carvalho. A dosagem é geralmente entre 8 e 10 g/l dependendo da safra. Os vinhos envelhecem 6 anos nas caves e repousam por 8 meses após o dégorgement. “Cristal não se baseia no sabor da levedura, típico do método tradicional, mas antes tem um sabor que é enriquecido pela levedura, de forma controlada e muito moderada. Para mim, o Champagne deve refletir o solo e não ter ‘fermento’”, diz Lecaillon.
A prova das oito safras mostra exatamente o que o chef de cave afirma, com cada uma mostrando uma identidade diferente, deixando transparecer cada nuance do terroir do ano em que foi elaborada. Cristal é um Champagne feito e pensado para se manter vivo por décadas. Todo seu potencial de envelhecimento, além de sua complexidade e exuberância aromática, começa a ser mostrado a partir de 10 anos de garrafa.
Gradualmente, a partir da safra 2007, as melhorias, tanto nos vinhedos quanto na vinícola, mostram ótimos resultados em termos de precisão e nitidez de fruta. A consolidação desses aprimoramentos fica evidente em 2012, o primeiro ano em que Cristal foi elaborada 100% a partir de vinhedos próprios e biodinâmicos.
É notável que as safras 2013, 2009 e 2006 estejam tão frescas e sedutoras, mesmo em anos com verões que apresentaram temperaturas mais extremas para os padrões de Champagne. Isso cria um elo condutor em torno da elegância e da acidez pulsante e profunda, tão características da casa, com os outros anos provados. A safra 2013 é a última safra lançada no mercado, sendo a 57ª nos registros da casa desde 1876 – na verdade, a contagem começa em 1921, alguns anos após a II Guerra Mundial e ainda durante a Revolução Russa.
Os vinhos envelhecem 6 anos nas caves e repousam por 8 meses após o dégorgement
Já 2012, um ano difícil e de produção reduzida, consegue aliar magistralmente pureza de fruta, precisão e uma exuberância contida. Somente a espera dos anos em garrafa para que exploda de verdade e se mostre uma das melhores Cristal produzidas até hoje. Por outro lado, a edição 2008, também entre as grandes, apresenta menor nitidez e verticalidade, quando comparada à safra de 2012.
Nas safras 2005 e 1995, percebe-se uma maior complexidade, consequência da evolução em garrafa, com diversas camadas e nuances de aromas. As duas estão incrivelmente deliciosas e prontas para beber, mas com potencial para se manterem vivas e exuberantes por vários anos.
A 2002, um caso a parte, fruto de um ano excepcional, assim como o de 2015 (ainda a ser lançado). Até agora, essas duas safras foram as únicas a utilizar integralmente em seus blends as mais de 40 parcelas destinadas para a cuvée de Cristal. Uma safra ainda jovem e introspectiva, que esbanja tensão, verticalidade (comparada à de 2012) e acidez elétrica, tudo mostrado com muita finesse e precisão.
Ainda muito jovem e um pouco fechada em termos aromáticos, impressiona pela tensão e pela profundidade, tudo sustentado por textura firme, acidez refrescante e final longo, cremoso e vertical. Como de costume, em se tratando de Cristal, está ótima agora, mas tem tudo para ficar ainda melhor nas próximas décadas.
Ficha técnica:
A safra 2013 foi caracterizada por um ciclo de crescimento particularmente tardio. Um inverno aparentemente interminável foi seguido por um final de primavera muito fresco. Esperou-se até o início de julho para o início da floração.
Felizmente, o verão teve muito sol, temperaturas altas recordes e chuvas muito baixas, ideais para o amadurecimento dos Pinot Noirs e Chardonnays. As temperaturas foram frescas para a vindima de outubro e os vinhos resultantes são elegantes e frescos – os sinais de uma vindima “clássica”.
“Cristal 2013 é um grande clássico em que maturidade e frescor se entrelaçam harmoniosamente garantindo potencial para um longo envelhecimento”, diz Lecaillon.
Ainda fechada, por enquanto, é mais de boca que de nariz. Impressiona pela precisão e tensão do conjunto, tudo permeado por acidez elétrica, ótimo volume de boca e textura firme e cremosa. Justificadamente, uma das grandes edições do novo milênio até o momento, com potencial de envelhecimento de décadas.
Ficha técnica:
Ano:
2012 foi um dos anos mais desafiadores e complicados já vividos em Champagne. Os baixos rendimentos, devido ao clima imprevisível, combinados com as condições continentais no final da temporada, deram níveis incomuns de maturação, resultando em vinhos ricos, encorpados e estruturados dignos de as melhores safras de Champagne.
“Um vinho profundo e vinoso, brilhante e nobre, uma verdadeira Cristal. É equilibrada por um frescor calcário que corta e aprofunda o vinho conferindo-lhe um corpo delgado e grande requinte”, avaliaLecaillon.
Impressiona pela acidez vibrante e pela textura firme e cremosa, mesmo diante de uma safra mais quente, como foi a de 2009. Mesmo tão jovem, mostra-se muito acessível para os padrões de Cristal, logicamente sem comprometer sua capacidade de envelhecimento.
Ficha técnica:
Ano:
Um ano continental ensolarado com um inverno que foi muito frio e seco seguido por um verão cheio de sol e quase nenhuma chuva em agosto e setembro. Tudo isso significou um crescimento tradicional da vinha, excelente saúde e notável maturação das uvas para a produção de vinhos densos, frutados e deliciosos. 2009 é uma adição óbvia ao seleto grupo de safras de Champagne brilhantes e talentosas com um caráter leve e ensolarado.
“Estamos no apogeu de Cristal, uma harmonia soberba, uma evanescência deslumbrante, com uma elegância e equilíbrio sem esforço”, dizLecaillon.
Essa safra permaneceu cerca de 10 anos em contato com as leveduras antes da degola e ,apesar dos poucos anos de garrafa, já começa a mostrar notas de padaria, de frutos secos, de mel, de especiarias doces e de flores. Mas, é na boca que merece atenção, com sua acidez elétrica, seu ótimo volume de boca, sua textura firme e cremosa e seu final longo, muito longo.
Ficha técnica:
Ano:
A safra de 2008 foi caracterizada por um verão excepcionalmente seco e frio e, sem dúvida, entra na categoria de safra “continental”: densa e poderosa devido à sua concentração excepcional. No entanto, as temperaturas anormalmente frescas ao longo do verão deixaram a sua marca, conferindo-lhe um frescor notável, intenso e salgado.
“Cristal 2008 é profunda, intensa e magistral. Oferece o reflexo quintessencial de seus solos de giz que lhe emprestam sua textura aveludada e tensão delicada”, diz Lecaillon.
Os efeitos de uma ano mais quente são percebidos no maior volume de boca, na exuberância de fruta e na maior sensação de dulçor para os padrões da casa. Nada que comprometa seu caráter sedutor, cativante e gostoso de beber, sempre tendo sua vibrante acidez como pano de fundo.
Ficha técnica:
Ano:
A safra 2006 foi muito quente, caracterizada por condições pluviométricas contrastantes. Depois de um agosto excepcionalmente frio e chuvoso, o clima quente e seco de setembro acelerou a maturação da fruta e produziu uvas distintas, ricas e complexas.
“Cristal 2006 é feita com Pinots encorpados, lisos e frescos, Chardonnays minerais elegantes. A maturação da colheita de 2006 torna possível atingir um ponto culminante distinto de estrutura e pureza, riqueza e suavidade”, avalia Lecaillon.
Impressiona pela exuberância aromática, com notas florais, de baunilha, de fermento, de biscoito, de camomila e de frutos secos, tudo sustentado por sua vibrante acidez e sua textura firme e cremosa. Tem final cheio e persistente, com toques salinos, cítricos e de chá preto.
Ficha técnica:
57% Pinot NoirAno:
A safra foi cheia de contrastes entre estações e regiões. Após um inverno bastante rigoroso, 2005 foi caracterizado por uma primavera amena com temperaturas relativamente quentes ao longo do ano. Os níveis de luz solar foram mais altos do que a média e foram combinados com baixa precipitação. O calor e a umidade em julho fizeram com que os frutos inchassem e resultassem em cachos atípicos para Champagne. O tempo fresco em agosto, seguido de um setembro ensolarado, permitiram que as uvas amadurecessem em boas condições, apesar do alto risco de parasitas.
“Uma Cristal pura e delicada, dominada pelo Chardonnay, mas que apresenta um excelente equilíbrio e um carácter sedutor”, diz Lecaillon.
Tenso, vertical e muito profundo, impressiona pela juventude, mesmo com mais de 12 anos de garrafa. Apesar de estar ainda muito contida nos aromas, percebe-se a grandiosidade dessa safra na nitidez, na precisão e retidão de seus sabores, com sua acidez elétrica e sua textura firme e também cremosa.
Ficha técnica:
Ano:
Este foi um ano caracteristicamente seco e quente, com surtos de chuva forte. Agosto foi um mês de extremos, com chuva seguida de temperaturas escaldantes e intervalos violentos de trovoada. Um anticiclone no início de setembro deu lugar a chuvas por volta de 8 de setembro, seguido de bom tempo que durou toda a colheita, com exceção de garoa leve. A vindima foi marcada pela excelente qualidade das uvas, registando um grau de graduação alcoólica raramente alcançado em Champagne.
“Todas as características excepcionais da vindima de 2002 foram literalmente capturadas nesta Cristal de 2002, que é generosa e exuberanta, revelando um equilíbrio perfeito entre concentração e finesse, frescor e vinosidade, intensidade e requinte”, explica Lecaillon.
Uma delicia, que mostra na taça sua capacidade de envelhecimento, justificando a fama da Cristal de melhorar e se manter por décadas. Um ótimo exemplo de que notas de evolução podem e devem caminhar juntas com frescor e vivacidade. Uma delícia em todos os sentidos.
Ficha técnica:
Ano:
O ano de 1995 trouxe uma grande safra e compartilhou características semelhantes com a renomada 1998. Após quatro anos consecutivos de condições difíceis de cultivo, 1995 foi um grande alívio para a região – a primeira safra universalmente declarada desde 1990. O verão foi principalmente quente, com algumas chuvaspoucas semanas antes da colheita.
“Uma Cristal com todas as suas virtudes. Talvez ainda mais acolhedora e vinosa, mas mantendo toda a sua vivacidade”, avalia Lecaillon.
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