Região de Évora, no Alentejo, reúne uma rica história - que remonta ao tempo dos romanos - regada a grandes vinhos
por Arnaldo Grizzo
" Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta."
Terceira estrofe do Canto I de “Os Lusíadas”, de Camões
Ao atravessar a ponte 25 de Abril ou então a Vasco da Gama e ir em direção ao Alentejo, partindo de Lisboa, anda-se pouco mais de 130 km em uma estrada calma, rodeada de uma paisagem agrícola bucólica que faz rememorar um passado distante, e logo chega-se a Évora. A maior cidade da região – com pouco mais de 40 mil habitantes – assim como todas em seu entorno, parecem ter congelado no tempo.
Belvedere da Herdade da Calada, uma ótima opção de estadia nas proximidades de Évora para quem quer paz e completa integração à paisagem alentejana |
Tão logo a avistamos, em meio a uma planície, percebemos os restos de sua antiga muralha que data do século III, quando o Império Romano alargava suas fronteiras. No entanto, assim que atravessamos as ruas, outras tantas referências históricas brotam, como o Aqueduto de Água de Prata – construído por volta de 1500 (com citações até nos Lusíadas, de Camões) –, o imponente Templo de Diana – erguido pelos romanos em homenagem ao Imperador Augusto no ponto mais alto da cidade – e os restos do Palácio de Dom Manuel, cujo reinado foi marcado pela descoberta do caminho das Índias e tantos outros feitos de Portugal, e ficaria conhecido como período manuelino.
Sim, a história é rica na cidade e nos arredores e este é um ótimo ponto de partida para quem quer se embrenhar pela cultura portuguesa na região, que está intimamente ligada à produção de vinho. Lá, cada pedra conta um pouco das glórias de Portugal, pois foram com elas que esse povo construiu os castelos e fortificações que encantam os visitantes, fazendoos voltar no tempo lembrando das aulas de história do colégio. Sendo assim, todos estão convidados a mergulhar nesse pedaço de história, nesse retrato de uma cultura que pouco se alterou com os anos.
Onde se hospedar
Évora, por ser a principal cidade da região, é certamente o ponto inicial da viagem. De lá é possível alugar um carro e, com ele, cobrir seus arredores repletos de outras pequenas cidades (como Arraiolos, Reguengos de Monsaraz, Viana do Alentejo e Estremoz) com histórias também riquíssimas. Em Évora, há boas opções de estadia. Dois ótimos lugares são os hotéis M’Ar de Ar, Aqueduto e Muralhas, ambos belíssimos e bem localizados. Além deles, o hotel Convento do Espinheiro, um pouco mais distante da cidade, também é uma grande opção, com um serviço excelente.
O aconchegante Évora Hotel é outra boa sugestão. Dentro da cidade, bem próxima aos principais pontos turísticos – ao lado do templo de Diana aliás –, fica a Pousada de Évora (dos Lóios), do grupo Pousadas de Portugal, que era um convento e, como todo centro de Évora, é classificado como patrimônio histórico da humanidade pela UNESCO.
Contudo, se você quiser ficar realmente integrado à paisagem alentejana e respirar os ares bucólicos de uma paisagem ímpar, desfrutando de tudo o que a natureza rústica da região pode oferecer, talvez a melhor opção seja ficar em uma vinícola. Uma excelente sugestão, muito próxima à Évora, é a Herdade da Calada. Esta propriedade remonta aos anos de 1854, quando era dos Duques de Lancaster. Desde 2007, porém, está sob os cuidados de Maria Baptista Fernandes Penauille e seu esposo Jean Claude Penauille. Dona Maria mantém três grandes e confortáveis suítes em um dos prédios de sua propriedade de 420 hectares.
Sob os olhos atentos de Dona Maria e do jovem enólogo Eduardo Cardeal, tudo lá é muito bem cuidado, com uma piscina límpida, jardins floridos e bem aparados, além das plantações de vinhas e oliveiras que se misturam às terras para criação de gado e um grande reservatório de água com um belvedere para poder contemplar as maravilhas da natureza acompanhado de um bom vinho. A paz e o silêncio (daí o nome Calada) lá imperam e são capazes de proporcionar uma noite de sono perfeita.
Vista privilegiada do alto do castelo de Evoramonte |
Interior da loja Divinus Gourmet, onde pode-se adquirir bons produtos da região |
Menires de Évora |
PRÉ-HISTÓRIA Além de contemplar a história desde o período romano, passando pela invasão moura, até a reconquista a influência dos diversos monarcas portugueses, a região de Évora também possui menires pré-históricos importantes, como a Anta do Zambujeiro e o recinto megalítico dos Almendres, o mais importante da Península Ibérica devido às suas dimensões e estado de conservação. |
Pontos turísticos de Évora
Em poucos dias é possível cobrir uma grande área ao redor de Évora. A cidade mesmo não é muito grande e suas principais atrações podem ser vistas em um ou dois dias. Um ponto de partida pode ser o templo de Diana. Ao lado está a Catedral da Sé, inspirada na Sé de Lisboa.
A Catedral, cuja arquitetura marca a transição do românico para o gótico, começou a ser erguida em 1186 e ficou pronta em 1250 e diz-se que as bandeiras da frota de Vasco da Gama foram benzidas lá. De lá, basta descer um pouco pelas ruas estreitas e logo se está na Praça do Giraldo, um lugar bem movimentado na pacata cidade, onde pode-se encontrar alguns cafés e pequenos restaurantes ao redor.
Depois de uma pequena pausa para um café ou lanche por lá, pode-se descer um pouco mais até alcançar a Igreja de São Francisco e, ao lado, a tétrica Capela dos Ossos, construída no século XVII pela iniciativa de três monges que pretendiam transmitir a mensagem da transitoriedade da vida. Suas paredes são decoradas com ossos e à porta fica a frase: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”.
Em frente à Capela fica o Mercado Municipal e, pouco adiante, ficam os restos do Palácio de Dom Manuel, também conhecido por Paço Real de São Francisco, construído por ordem de D. Afonso V, que chegou a abrigar os monarcas Dom Manuel I, Dom João III e Dom Sebastião. Pouco sobrou do castelo que outrora serviu de palco para algumas representações teatrais de Gil Vicente. As ruínas atualmente são habitadas por pavões.
A piscina do aconchegante Convento do Espinheiro |
Fialho, uma verdadeira instituição de Évora |
Porco preto, borrego, migas e açordas fazem parte da tradição alentejana
Culinária alentejana e vinho
Além das principais atrações históricas do Alentejo estarem em Évora, lá também ficam alguns dos melhores lugares para comer. Provavelmente o mais famoso é o Fialho, fundado em 1948 por Manuel Fialho. Lá é possível desfrutar do melhor da gastronomia alentejana, pois os proprietários se esmeram na cozinha e recriam os pratos mais clássicos dessa região, como bochechas de porco alentejano ou o borrego (cordeiro) assado no forno, entre outras especialidades.
Mais rústico, porém não menos tradicional, é “O Moinho”, também conhecido como “Moinho do Cu Torto”. Nesta casinha que fica na base de um moinho pode-se apreciar as tradicionais migas de aspargos acompanhadas com carne de porco alentejana, ou então a não menos famosa sopa de cação. Outro ponto tradicionalíssimo é a Taberna Típica Quarta-feira, “escondida” no meio de uma travessa, que, segundo os eborenses, tem uma das melhores cozinhas da cidade.
Um detalhe sobre a gastronomia alentejana: ela costuma ser pesada. A carne de porco (preto) é quase uma religião por lá. Assim como o borrego, nome que eles dão aos cordeiros. As migas (pedaços de pão ensopados num caldo com acompanhamentos) e as açordas (também uma papa de pão ensopada, porém com outra preparação geralmente mais úmida que as migas) estão presentes em todos os lugares, assim como o arroz de pombo e pratos com gambas (camarões).
Sendo assim, o vinho alentejano não poderia não acompanhar a culinária local e costuma ser extremamente gastronômico, com uma acidez e taninos capazes de enfrentar a gordura dos pratos de igual para igual. Mesmo os brancos, de Arinto e Antão Vaz, combinam perfeitamente com as receitas do Alentejo. Todos os restaurantes apresentam uma vasta opção deles na carta, mas em Évora há alguns empórios onde se pode adquirir bons exemplares, como no Alentejano de Ouro, no Divinus Gourmet (no Mercado Municipal), no Erva Doce e no Évoralforge.
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Arredores e castelos
Restaurante “O Moinho”, de estilo rústico e culinária tradicional |
No entanto, com tantas vinícolas na região, o melhor mesmo é pegar o carro e ir visitá-las. Além da já citada Herdade da Calada, a região abriga a Adega Cartuxa, vinícola da importante Fundação Eugénio de Almeida sediada em Évora e que produz nada menos que um dos mais clássicos vinhos de Portugal, o Pêra-Manca. Na Quinta de Valbom, a cerca de 2 quilômetros de Évora, fica a Adega Cartuxa, que pode (e deve) ser visitada tamanha sua importância histórica.
Indo um pouco mais adiante, chega-se a Reguengos de Monsaraz, onde está localizada a Herdade do Esporão, que proporciona um excelente passeio por suas vinhas e olivais, além de provar vinhos deleitando-se com a bela paisagem da barragem da Caridade. Mais do que isso, há lá o Complexo Arqueológico dos Perdigões e um ótimo restaurante. Em direção ao sul, encontra-se outro bom local de enoturismo: a Herdade do Sobroso. Lá, já perto de Alqueva – que dá nome à famosa barragem que forma o maior lago artificial da Europa, com 250 km2 –, é possível pernoitar na belíssima Country House e apreciar o turismo de vinho da propriedade ou então o cinegético (de caça) em 1600 hectares na Serra do Mendro.
LUGARES PARA FICAR Convento do Espinheiro www.conventodoespinheiro.com RESTAURANTES E EMPÓRIOS Fialho restaurantefialho.com |
VINÍCOLAS Cartuxa www.cartuxa.pt INFORMAÇÕES TURÍSTICAS DE ÉVORA: |
Castelo de Monsaraz, de onde é possível ter uma vista privilegiada da barragem de Alqueva |
De Reguengos de Monsaraz em direção ao norte, contudo, chega-se a um ponto extremo de Portugal, quase na divisa com a Espanha: Monsaraz. Esta pequena vila medieval encastelada fica no alto de uma colina com vista privilegiada do rio Guardiana, represado para formar a barragem de Alqueva. Sua posição estratégica fez com que ela fosse disputada desde os primórdios, sendo conquistada pelos mouros e retomada pelos portugueses posteriormente.
Já entre Évora e Estremoz fica Evoramonte, também uma vila elevada com uma muralha que remonta ao período manuelino e mesmo períodos anteriores. Do Castelo de Évora Monte também se tem uma visão esplendorosa das planícies alentejanas. Mais adiante, porém, chega-se a Estremoz, famosa pelo mármore e seu castelo, que também faz parte do patrimônio histórico de Portugal. Por fim, outras vilas encasteladas importantes na região são: Arraiolos, também conhecida pela tapeçaria, e Montemor-o-Novo.
Assim é o Alentejo ao redor de Évora: um ambiente bucólico – com pastagens, vinhas, cereais, olivais que formarão uma gastronomia rica – com uma história repleta de meandros que se mostram na arquitetura das paredes de belíssimas fortalezas medievais e que transparecem na elegante robustez de seus vinhos.
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