Harmonizações pouco convencionais, mas que casam superbem
Por Carlos Cordeiro Publicado em 28/02/2019, às 15h00 - Atualizado em 09/05/2019, às 15h05
Na complexidade do mundo do vinho, buscamos regras para nos confortar. Nem sempre, porém, as convenções levam a grandes experiências. Nesta matéria ousamos fugir das regras e, sim, descobrimos coisas maravilhosas...
Nessa aventura por territórios desconhecidos, percebemos que, na busca por boas equações, nem sempre nos deparamos com obviedades. Em alguns casos, vivemos situações que nos levam a repensar premissas ao darmos de cara com algo improvável, que teoricamente não combinaria, mas que, na prática, revela-se uma verdadeira e inesquecível surpresa.
Em geral, as harmonizações malsucedidas são aquelas em que o potencial de uma das partes é mascarado ou diminuído, deixando de revelar todo o prazer que poderia dar, mas isso não chega a ser desagradável, apenas um desperdício.
E a beleza disso é que podemos dar asas à imaginação e experimentar livremente as mais diversas opções. Mas, para a liberdade não virar caos, não podemos esquecer de algumas regras fundamentais.
A primeira diz respeito ao corpo tanto do vinho quanto do prato. Mesmo nos mais tresloucados devaneios enogastronômicos, não pode haver diferença de corpo entre o prato e o vinho. Isso comprometeria o equilíbrio do conjunto e uma das partes se sobreporia à outra.
A segunda regra à qual devemos estar atentos é que nem sempre o ingrediente principal deve ditar a harmonização. Um bom exemplo disso é o frango. Um frango recheado com miúdos, bacon e farofa, por exemplo, aproxima-se mais dos tintos, enquanto o mesmo frango, sem recheio, apenas assado com manteiga de sálvia, por outro lado, aproxima-se dos brancos, como um Chardonnay. O ingrediente principal é o mesmo, o frango, mas a predominância do sabor não vem dele.
Finalmente, devemos nos lembrar de que a ideia de harmonização está no equilíbrio e não em uma disputa por poder. Assim, o seu melhor vinho não precisa necessariamente ser harmonizado com o melhor e mais caro prato; e nem um prato mais modesto deve ser necessariamente harmonizado com um rótulo inferior. Procure sempre o equilíbrio. Dito isso, compartilhamos algumas das harmonizações malucas, por assim dizer, que tivemos o prazer de descobrir:
A harmonização esperada para esse maravilhoso prato seria com um tinto. Um tinto de corpo médio, no máximo, mas, sem dúvida, um tinto. No entanto, um Emilio Rojo 2012, um blend de uvas brancas da Galícia, entre elas Treixadura, Loureira, Albariño, Lado e Godello, mostrou-se espetacular. A vivacidade, decorrente de uma boa dose de acidez e notas cítricas, com muita mineralidade e uma gama de frutas que vão se sucedendo no olfato e na boca, foi perfeita com a leve doçura da tâmara e a acidez se contrapôs muito bem à gordura do bacon.
Aqui, o linguado imediatamente nos conduzira às páginas de vinhos brancos em qualquer carta de restaurante em que estivéssemos. No entanto, o chorizo adicionou muito corpo ao prato possibilitando expandirmos nossa opção para um tinto, no caso, um Gigondas de Brotte Vieilles Vignes 2007. Com predominância de Grenache, mas com as características típicas aportadas pela Syrah, esse belo tinto de corpo médio apresentou notas de flores brancas no primeiro momento, o que foi um grande ponto de partida. Depois vieram todos os aromas e sabores de um Gigondas de enciclopédia, muito macio e com um final perfeito. Os temperos do chorizo, como a páprica, por exemplo, encontraram respaldo nos aromas do vinho, assim como as ervas que deram mais vida ao macio e imaculadamente branco linguado.
O processo de grelhar a bisteca acrescenta a ela um defumado sem prejudicar a delicadeza da carne. Além disso, carameliza parcialmente a gordura dando um levíssimo toque adocicado. Essas características defumada e mineral podem ser encontradas em alguns vinhos brancos que acompanham muito bem o prato. É o caso dos Pouilly-Fumé, do Vale do Loire, produzidos com Sauvignon Blanc, por exemplo. Os vinhos de Didier Dagueneau, o gênio de Saint-Andelain, morto em 2008, são uma experiência incrível para esse prato. Além de uma panóplia de frutas, o vinho apresenta madeira suficiente para ser notada e adicionar ainda mais notas defumadas e carameladas, além da característica mineralidade. O vinho possui acidez suficiente para limpar o palato da gordura da carne e permitir que sabores mais sutis dominem essa maravilhosa jornada.
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Alguém buscaria um vinho em outra prateleira que não a dos italianos? Talvez o palpite pudesse ser ainda mais específico, um vinho da Toscana. Pois, um Pinot Noir do Oregon, por exemplo, pode surpreendê-lo. Os melhores da classe possuem a estrutura de acidez, taninos e álcool per - feita para o prato. Enquanto a acidez do vinho aplaca a do queijo de cabra, os taninos macios se juntam à gordura da linguiça. O resto é puro prazer.
O porco assado chinês usualmente passa por uma marinada de molho de soja, mel, alho e gengibre. Depois, é assado fazendo com que se crie uma camada crocante por fora e úmida e tenra por dentro. Há muitas opções para esse prato, mas uma inesperada é com um belo Moscato. Os espumantes doces produzidos por Paolo Saracco, por exemplo, possuem a doçura para contrabalancear o salgado da crosta externa do porco, as frutas maduras, como pêssegos e damascos, e flores brancas que se harmonizam perfeitamente com a doçura do mel; e a efervescência para enfrentar a gordura da carne e deixar o palato pronto para a próxima garfada. Uma combinação despretensiosa, mas que lhe fará querer repetir.