Conheça o papel essencial da temperatura de fermentação na produção e como ela determina o estilo dos vinhos
Arnaldo Grizzo Publicado em 20/05/2024, às 10h00
A temperatura é um dos fatores mais determinantes, desempenhando um papel vital desde a produção até o momento de degustação do vinho. Desde a fermentação, onde influencia a atividade das leveduras e a extração de sabores, até a guarda e o serviço, a temperatura molda a qualidade e a experiência do vinho.
Neste detalhado artigo, exploraremos detalhadamente cada etapa desse processo para compreender como a temperatura impacta diretamente o produto final e garante a excelência na vinificação.
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Temperatura controlada talvez seja o grande mantra do mundo do vinho. A temperatura desempenha papel fundamental em todas as fases do processo de produção e também do consumo.
Durante a fermentação, ela é crucial para a atividade das leveduras, que convertem o açúcar em álcool. Ela pode afetar a extração de sabores e taninos das uvas durante a maceração e fermentação, influenciando diretamente na qualidade do vinho resultante. Situação que vamos analisar aqui com mais detalhes.
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No entanto, mesmo após a fermentação, a temperatura continua a ser importante para, entre outras coisas, a estabilização e clarificação do vinho, afetando a precipitação de sedimentos e partículas indesejadas. Depois disso, durante a guarda em adega, a temperatura impacta nas reações químicas que ocorrem dentro da garrafa, determinando o ritmo e a natureza do processo de envelhecimento.
E, por fim, no serviço, ou seja, na hora de desfrutar da bebida, a temperatura também desempenha um papel essencial, pois os diferentes tipos de vinho – tintos, brancos, rosés e espumantes – são servidos em temperaturas específicas para ressaltar seus sabores e aromas. Além disso, a temperatura afeta a percepção de características como álcool, acidez, taninos, dulçor, etc.
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Sendo assim, vamos voltar para o início dessa cadeia: a temperatura durante a fermentação, pois ela desempenha um papel crítico na qualidade do produto final. Então é necessário compreender a faixa ideal de temperatura para garantir os resultados desejados na vinificação.
É senso comum que, para vinhos tintos, a temperatura de fermentação geralmente varie entre 20℃ e 32℃. Esta faixa permite uma extração ótima de cor e taninos das cascas das uvas. No entanto, é importante notar que temperaturas acima de 35℃ a 38℃ podem interromper a fermentação e levar a características indesejáveis.
Por outro lado, vinhos brancos e alguns tintos delicados requerem temperaturas mais baixas, geralmente entre 18℃ e 26℃. Isso ajuda a preservar os aromas e sabores mais sutis, resultando em vinhos mais finos e refrescantes.
A faixa ideal para a maioria das fermentações de vinho costuma ficar entre 20℃ e 25℃, garantindo um equilíbrio adequado entre extração de sabor, atividade de levedura e estabilidade geral da fermentação. Dessa forma, manter uma temperatura de fermentação consistente é crucial para o sucesso da vinificação, evitando flutuações que podem prejudicar a atividade da levedura.
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Em alguns casos, se a temperatura cair abaixo de 21°C, a levedura pode ficar dormente, enquanto temperaturas muito altas podem estressá-la ou matá-la, e tudo isso tem como resultado sabores indesejáveis.
Fermentações mais quentes geralmente são preferidas para vinhos tintos robustos, pois melhoram a extração de compostos fenólicos da casca da uva, o que afeta significativamente a cor e a composição dos taninos. No entanto, temperaturas muito altas, acima de 30°C, podem resultar na liberação de compostos indesejáveis, como o sulfeto de hidrogênio.
Produtores de uvas que optam por cachos inteiros geralmente usam temperaturas mais altas para melhor extração de cor.
Para vinhos brancos, rosés e de frutados, é geralmente recomendado manter as fermentações com baixas temperaturas. Isso ajuda a preservar os aromas delicados, como os tióis, que são característicos desses vinhos. Uma fermentação lenta e estável é ideal para esses estilos.
Para entender melhor, é preciso compreender a importância dos compostos fenólicos derivados das uvas para a cor, concentração de taninos, qualidade geral e potencial de envelhecimento dos vinhos.
Embora a concentração inicial desses compostos nas uvas possa influenciar a composição fenólica final do vinho, a temperatura de fermentação e o gerenciamento da maceração têm sido identificados como fatores-chave na extração fenólica durante a vinificação e na evolução dos vinhos ao longo do tempo.
Durante a fermentação, a temperatura afeta a extração de compostos fenólicos das uvas, como taninos, antocianinas e flavonoides. Ela influencia a solubilidade dos taninos, sendo que temperaturas mais altas tendem a favorecer uma extração mais rápida e intensa desses compostos, resultando em vinhos mais encorpados e tânicos.
A temperatura também influencia a formação e a evolução dos compostos aromáticos, pois durante a fermentação, ésteres, terpenos e outros compostos voláteis são produzidos pelas leveduras e pela interação dos componentes da uva. Temperaturas mais baixas podem preservar os aromas frutados e florais das uvas, enquanto temperaturas mais altas podem promover a formação de aromas mais complexos e intensos.
A temperatura de fermentação também pode afetar o perfil de acidez e álcool do vinho. Temperaturas mais baixas tendem a preservar a acidez natural das uvas, enquanto as mais altas podem promover a produção de álcool em detrimento da acidez. Ela também pode influenciar o potencial de envelhecimento e a estabilidade do vinho.
Há quem pregue que temperaturas mais altas durante a fermentação podem levar a uma maior formação de compostos de oxidação e acelerar o processo de evolução e isso pode resultar em vinhos que amadurecem mais rapidamente e desenvolvem características de envelhecimento mais cedo. Por outro lado, temperaturas mais baixas durante a fermentação tenderiam a resultar em vinhos com uma estrutura mais firme e uma maior capacidade de envelhecimento a longo prazo.
Pesquisas sobre a extração de fenólicos durante a vinificação de vinhos tintos revelaram que a extração máxima de cor ocorre antes da dos taninos, e que temperaturas mais elevadas favorecem uma extração mais rápida e intensa da cor. Mas nem todos os fenólicos são extraídos na mesma proporção durante a fermentação, e embora a taxa de extração de alguns compostos possa aumentar com o incremento da temperatura de fermentação, as concentrações finais podem não ser necessariamente afetadas.
Por exemplo, estudos constataram que o aumento da temperatura de fermentação acelerou a extração de fenólicos da casca, mas não afetou a concentração final, enquanto para os fenólicos das sementes, tanto a taxa quanto a concentração final aumentaram. Além disso, a temperatura do mosto mostrou-se mais determinante do que a temperatura da maceração na extração dos fenólicos.
Há também riscos potenciais associados ao aumento da temperatura de fermentação. O aumento da taxa de fermentação resulta em um ciclo de retroalimentação positiva, elevando ainda mais a temperatura. Isso pode levar a fermentações descontroladas em temperaturas mais altas, especialmente se a capacidade de resfriamento for insuficiente ou se não houver resfriamento ativo, resultando em características sensoriais indesejáveis. Temperaturas extremas acima de 35°C, ou flutuações frequentes na temperatura de fermentação, também podem prejudicar a saúde e viabilidade da levedura, aumentando o risco de fermentações paralisadas.
Novamente, vale frisar que, manter a temperatura de fermentação dentro de uma faixa ideal é essencial para garantir uma fermentação estável. Flutuações de temperatura podem estressar as leveduras e levar a problemas como fermentações parciais, produção excessiva de compostos indesejáveis (como sulfeto de hidrogênio) e instabilidade microbiológica, resultando em vinhos com aromas e sabores desequilibrados.
Sendo assim, está claro que monitorar de perto a temperatura ao longo do processo de fermentação é essencial para garantir que permaneça dentro de uma faixa ideal. Os produtores de vinho têm algumas opções para controlar a temperatura durante o processo de produção, que variam desde a colheita noturna, uso de gelo seco, geladeiras, almofadas térmicas e fermentadores revestidos de glicol etc. Fermentar em um espaço que já possui temperaturas ambiente frias (caves) também ajuda nesse controle.
Muitos produtores que colhem suas próprias uvas preferem mantê-las frescas durante a colheita, e é por isso que muitos optam por colher durante a noite. Isso permite um melhor controle inicial da fermentação após o esmagamento das uvas. Outra técnica, chamada de imersão a frio, envolve esmagar as uvas tintas e mantê-las refrigeradas por vários dias antes da fermentação. Para isso, produtores utilizam gelo seco, jarras congeladas, geladeiras, refrigeradores ou sistemas de glicol para manter as uvas entre 5 e 10°C.
Um banho de gelo ou água é uma opção econômica para manter a fermentação fria, com um termômetro digital monitorando a temperatura dentro do fermentador. Na maioria dos casos, a fermentação é o estágio inicial onde o controle de temperatura é essencial. Dependendo dos objetivos do vinho, pode ser necessário aquecer ou resfriar o processo de fermentação, considerando fatores como o tamanho do lote, temperatura ambiente, tipo de vinho e seleção de levedura.
As temperaturas ambientes naturalmente frias, como as encontradas em caves, são interessantes, no entanto, não se tem controle direto sobre a temperatura da fermentação. Então, se as temperaturas começarem a subir, pode-se dar um banho de gelo em um recipiente pequeno, mas, para tanques maiores, é preciso pensar em outras alternativas.
O ar condicionado é uma forma de baixo custo para ajudar a manter as temperaturas de fermentação baixas, mas ainda se enfrenta a mesma falta de controle em cada fermentador se as temperaturas de fermentação começarem a subir ou descer. Como em qualquer situação de refrigeração ambiente, o ar condicionado é mais eficaz com recipientes de fermentação menores.
Já os sistemas de refrigeração com glicol podem ajustar precisamente as temperaturas. Eles funcionam circulando água fria ou uma mistura de água/glicol através de uma jaqueta ao redor do tanque ou uma serpentina de resfriamento submersa no mosto fermentando. Eles são a melhor maneira de obter controle total sobre as temperaturas de fermentação, mas são relativamente caros.
E vale lembrar que, se a temperatura cair abaixo de 21°C, também é necessário tomar medidas para aquecer o ambiente de fermentação. Algumas opções incluem cintos de aquecimento que podem ser colocados ao redor do recipiente de fermentação para fornecer calor; ou então envolver com materiais isolantes, como cobertores ou espuma, o que pode ajudar a reter o calor e prevenir flutuações de temperatura.
Enfim, a temperatura de fermentação é um fator crítico que influencia uma ampla gama de características do vinho final, desde a extração de compostos fenólicos até o perfil de aromas, acidez e álcool. O controle preciso da temperatura durante a fermentação é fundamental para garantir a qualidade, estabilidade e consistência do vinho.