Denominações de Origem têm por objetivo delimitar regiões de produção e qualificar os vinhos ao redor do mundo
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 18/03/2010, às 11h21 - Atualizado em 17/11/2023, às 09h00
A Denominação de Origem surgiu com os portugueses, precisamente para proteger o Vinho do Porto, mas hoje sua legislação praticamente é a mesma para várias regiões produtoras. O motivo tem a ver com a padronização dos processos e qualidade.
Vamos imaginar por alguns instantes a mais famosa sopa italiana, minestrone, que muda de receita segundo a região em que é preparada, leva os ingredientes que estão disponíveis naquela estação e muda de textura e de endereço junto com a "mamma" que a prepara.
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É claro que não podemos por a culpa nos italianos, até porque o minestrone é uma deliciosa sopa em suas variadas preparações, mas o que é verdade é que os regulamentos criados ao redor do globo para o mundo dos vinhos são (apesar de muitas vezes eficientes) indigestos para quem não os entende.
Assim, sugerimos que seja apreciada uma boa dose de Vinho do Porto com o começo deste assunto, uma vez que os portugueses são os responsáveis pela primeira "Denominação de Origem" oficial da qual se tem conhecimento na história do vinho. E precisamente para proteger o Vinho do Porto.
Em meados do século 18 o primeiro ministro português, Sebastião José de Carvalho e Melo - o "Marquês de Pombal" - um administrador mão de ferro, percebeu que as exportações de vinho do Porto iam mal e careciam de normas e leis, coisa que ele sabia impor como poucos.
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Assim, em 1756 foi criada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, uma organização governamental cuja primeira obrigação foi delimitar e reconhecer as áreas de produção de vinhos do Douro.
Daí para a criação de normas que controlavam desde a produção das uvas, o preço de venda delas para os produtores, a quantidade máxima de produção, a qualidade dos vinhos e, principalmente, a sua comercialização, foram poucos anos.
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Mesmo passando por muitas modificações e adaptações, a essência dessa primeira fase de controle sobre os vinhos não se extinguiu por completo. Hoje, seus trabalhos normativos são exercidos pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, órgão regulador oficial que, entre outros tantos trabalhos, define os estilos de vinhos, as uvas permitidas para cada produto e a Denominação de Origem Controlada (DOC) do Douro que qualifica e protege também os vinhos não fortificados da região.
Como grande nação produtora de vinhos, Portugal não é somente o Porto e o Douro, mas sua legislação é a mesma para outras regiões como a Bairrada, Alentejo e Dão, por exemplo. Seus vinhos são classificados como (da categoria mais baixa para a mais alta): Vinho de Mesa (VM) - não confundir com o vinho de mesa brasileiro feito com uvas não viníferas; Vinho Regional (VR); Indicação de Proveniência Regulamentada (IPR); e Denominação de Origem Controlada (DOC).
Aparentemente, é fácil perceber que um vinho regional português seja de padrão inferior a um DOC e isso, ao final, pode ser o que interessa ao consumidor que não quer perder tempo. No entanto, é importante ressaltar que cada país europeu possui suas normas e elas variam bastante de terroir para terroir.
Com a formação da Comunidade Econômica Europeia (CEE), existem regras a serem seguidas pelo países participantes para que os produtos possam circular entre eles e também ser exportados.
Isso significa que os vinhos produzidos nos países membros podem ter, além de suas siglas regionais, a seguinte sigla oficial da CEE: VQPRD (Vinho de Qualidade Produzido em Região Demarcada). Ela designa uma categoria normativa da Comunidade, criada em 1970, que impõe maior rigor na definição e seleção de vinhos que atravessam as fronteiras, não somente em regiões já tradicionalmente demarcadas, mas também em novas regiões que poderão surgir.
Existe alguma desconfiança em relação às normas da CEE, principalmente por ela, eventualmente, ter Edição alguns poderes para substituir antigas regras e reavaliar produtos consagrados.
Para se ter uma ideia, a região de produção de alguns dos mais famosos vinhos doces naturais, Tokaji, na Hungria, é demarcada (embora não tivesse controle do Estado) desde 1737, e a região de Chianti, na Itália, desde 1716 (também nessa época sem controle governamental); e algumas das normas seguidas informalmente pelos produtores dessas áreas existem até hoje, mesmo elas tendo passado mais recentemente ao controle do estado e às legislações de suas regiões demarcadas oficiais. Modificar esses padrões cria muito desconforto entre produtores e consumidores tradicionalistas.
É importante ressaltar que Indicações Geográficas não existem somente para vinhos. Elas são utilizadas em alimentos, bebidas destiladas e até mesmo em alguns produtos de artesania ao redor de todo o mundo. A Comunidade Europeia aceita alguns e rejeita outros, inclusive internamente, como aconteceu quando rejeitou alguns queijos de cabra franceses por eles não serem pasteurizados, embora tivessem origem comprovada e demarcada.
Apaixonantes e muito diferentes em cada região que são produzidos, os vinhos franceses são uma fonte inesgotável de emoções e informações distintas. Sua legislação faz jus a tudo isso.
Como produtora do maior número de vinhos finos do mundo, a França se dá ao luxo de ter um detalhado sistema de regionalização e controle de seus vinhos, criado basicamente em meados da década de 1930 e chamado de Appellation d'Origine Contrôlée (AOC).
Esse sistema define onde os vinhos podem ser feitos no país e depois define como eles devem ser feitos. Essa origem controlada dos vinhos leva, na maior parte dos casos, o nome do local onde eles são feitos (Volnay ou Champagne, por exemplo).
O sistema de controle francês é copiado em muitas partes do mundo, mesmo que os críticos afirmem que ele é muito rígido e limita os vinhateiros em suas possibilidades de criação. Ainda assim é um sistema eficiente.
Para simplificar bastante a explicação, uma vez que existem obras inteiras dedicadas a detalhar as diferenças de controle e normas de cada região francesa, é preciso dizer que os vinhos se dividem em três categorias básicas, do mais simples ao mais sofisticado: Vins de Pays (vinhos regionais), vinhos VDQG (Vins Délimités de Qualité Supérieure) e os vinhos AOC (Vins d'Appellation d'Origine Contrôlée).
Assim, dentro de cada "apelação de origem" passam a existir regras próprias para classificar os vinhos, como é o caso de Bordeaux, onde cada sub-região tem sua classificação e terminologia próprias (como os Premiers Crus, Seconds Cru, Troisièmes Crus etc), e outras (como Entre-desMeurs, por exemplo) que nunca foram classificadas, embora produzam vinhos excelentes.
Ou seja, existem dois sistemas diferentes coexistindo na França, o de indicações geográficas e o de classificação de vinhos em cada região internamente.
Enquanto isso, a Itália exercita um sistema de nomenclatura muito parecida com a francesa, mas com sutis diferenças. Do mais básico ao mais alto grau de vinhos passa-se pelo Vino da Tavola (VDT); Indicazione Geografica Tipica (IGT); Denominazione di Origine Controllata (DOC); e Denominazione di Origine Controllata e Garantita (DOCG).
As primeiras leis dispuseram sobre as DOC em 1963. Elas impuseram mudanças enormes na indústria italiana, na época ainda muito concentrada na produção local e tradicional, mas que passou o final da década em busca de inovações.
Restritas, as leis desconsideravam as novas tecnologias e os avanços que os vinhateiros desejavam fazer. Assim, em 1971, Piero Antinori quebrou as regras da DOC onde seus vinhos eram produzidos na Toscana e fez o Tignanello, vinho que só podia ser reconhecido como Vino da Tavola (vinho de mesa).
O vinho agradou os consumidores, ganhou mercado e trouxe para junto de si outros excluídos da mesma região. Eles ganharam o nome (não oficial) de Super Toscanos.
Em busca de melhor qualidade, foram criadas em 1980 as DOCG. Por fim, em 1992 foi criada a IGT, que é capaz de englobar tanto bons vinhos da Toscana quanto vinhos considerados muito simples de outras áreas do país.
As indicações italianas passam atualmente por uma revisão que deverá descartar a DOCG ainda este ano. Com essa modificação a Itália pretende mostrar que suas indicações geográficas possuem, sim, um padrão qualitativo.
O país com a maior área plantada de vinhedos do mundo é também aquele onde as leis parecem ser seguidas com maior rigor. A Espanha também modelou suas indicações geográficas na França e implantou as primeiras Denominacíon de Origen (DOs) em 1932, revisando em 1970.
Embora existam várias DOs no país, só existe uma Denominacíon de Origen Calificada (DOC), para a região de Rioja. Isso se deve ao fato de que, para conseguir se qualificar para ser DO ou DOC, uma região produtora precisa seguir normas e controles muito rígidos - ditados por um instituto nacional - além de um outro conjunto de regras vindas dos conselhos reguladores locais, dedicados à preservação dos processos de vinificação, de cuidado com as vinhas etc.
Para completar o cuidado, cada vinho produzido nessas DOs passa por degustações nos conselhos reguladores, que vão analisar se o produto é fiel às recomendações da DO.
Na Alemanha, um conjunto de regras foi criado para simplificar a produção de vinhos em 1971. Essas regras separaram o país em 11 regiões produtoras originais (que tornaramse 13 depois da unificação das Alemanhas), com subdivisões e distritos.
No entanto, o país não adotou as indicações geográficas como sua principal forma de controle, mas, sim, leis que levam em consideração um fator muito importante para os vinhos de um país tão frio: a maturação da uvas.
Assim, os vinhos podem vir de uma região reconhecida e ainda assim ser divididos em três linhas gerais, Tafelwein (vinho de mesa), QbA (Qualitatswein bestimmter Anbaugebite - vinho de qualidade de região determinada) e QmP (Qualitatswein mit Pradikat - vinho de qualidade com predicados).
De acordo com o ponto de maturação das uvas e o açúcar residual, eles podem ser divididos em seis grupos, do menor para o maior: Kabinett (Reserva), Spatlese (Colheita tardia), Auslese (Colheita selecionada), Beerneauslese (Colheita de grãos selecionados), Trockenbeerenauslese (Colheita de grãos secos selecionados) e Eiswein (Vinho do Gelo).
Pensar a história do vinho no Novo Mundo é pensar uma realidade que se aproveita das experiências europeias, de seus acertos e erros, dos desafios dos novos terroirs e da tecnologia disponível em quase todas as áreas onde se produz vinho. Mas nem toda a experiência dos europeus pareceu válida para os produtores do Novo Mundo.
Muito embora uma grande parte das indicações geográficas nos Estados Unidos e nos países produtores abaixo da linha do Equador sejam baseadas no modelo francês, de delimitação de áreas geográficas determinadas, os outros rígidos controles que a França e a Espanha por exemplo, exercem sobre essas áreas não parecem aplicáveis ao Novo Mundo.
Os Estados Unidos instituíram suas AVAs (American Viticultural Areas - áreas americanas de viticultura) no final da década de 1970, sob o controle da Secretaria de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo. Algo curioso, uma vez que no restante do mundo a produção de vinhos é controlada pelos órgãos ligados à agricultura.
Desde 1980 foram aceitas mais de 140 AVAs em território norte-americano. No entanto, os próprios norteamericanos ainda se baseiam nos métodos adotados por quem produz o vinho e por algumas leis locais que delimitam as quantidades de cada cepa no produto. Equivale dizer que o nome do produtor no rótulo (tal qual em algumas partes da França) é mais importante do que a área delimitada pelo governo.
Na Austrália existem as Geographic Indications (GI), implantadas em 1993, que dividem o país em zonas de produção, regiões e subregiões, controlados pelo Australian Wine and Brandy Corporation, cujo Comitê de Indicações Geográficas é o responsável pela fiscalização dos vinhos vendidos internamente e exportados, garantindo sua procedência.
O que a Austrália e a Nova Zelândia têm em comum é o fato de utilizarem regras que estipulam a quantidade de uva que precisa estar presente em um vinho para ser considerado um varietal e a quantidade dessas uvas que precisam compor esse vinho para que ele tenha em seu rótulo o nome da região produtora.
A lei australiana instrui que um vinho que se diz de uma só região deva conter um mínimo de 85% de uvas da região que aparece no rótulo. Na Nova Zelândia, o vinho deve ter 75% de uma só uva para ser considerado varietal no mercado interno. Mas, para ser exportado, ele precisa ter 85% da cepa.
Já na África do Sul, a situação é diferente. Desde 1972 existe uma legislação que cuida da origem dos vinhos e das áreas que têm diferentes potenciais vitícolas, as GU (Geographical Units).
Nos anos de 1990, essa legislação recebeu uma nova denominação e os vinhos que são feitos em uma área que desfruta das mesmas condições ecológicas e cujas vinícolas tenham cantinas próprias pode ser denominado Estate. Dentro de cada área, algumas normas locais são seguidas para preservar as características descriminadas na legislação.
A Argentina, por sua vez, tem controle sobre suas áreas de produção através do Instituto Nacional de Viticultura (INV) com uma lei implantada em 1999, que define três níveis de vinhos, os Indicação de Procedência (IP), Indicação Geográfica (IG) e os DOC.
No Chile, em 1995 foram conformadas algumas leis que definem as áreas de produção, subregiões e zonas dentro dessas subregiões. Essas normas também controlam a quantidade de uvas necessárias em cada região para que um vinho seja considerado um varietal (mínimo de 75% de uma só variedade) e a veracidade das informações do rótulo.
O Brasil iniciou o longo caminho do reconhecimento e da certificação de suas regiões e vinhos em 1995, mas a primeira Indicação de Procedência brasileira para o Vale dos Vinhedos só chegou em 2002. Ainda no primeiro semestre de 2010 é esperada a Denominação de Origem (DO) para o Vale dos Vinhedos e uma nova Indicação de Procedência para os vinhos de Pinto Bandeira, também na Serra Gaúcha.
"A Europa é tradicional e já sabe os mecanismos para modificar e adaptar normas aos novos tempos. Mas o Brasil no Novo Mundo do vinho é um farol, estamos na ponta do que há de mais correto em termos de implantação de Indicações Geográficas", acredita o Dr. Jorge Tonietto, da Embrapa.
Atualmente são sete regiões em diferentes níveis de preparação para a qualificação esperada de uma Indicação Geográfica. A região de Pinto Bandeira já está com seu processo em finalização no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que é o órgão brasileiro encarregado do reconhecimentos dessas áreas.
Já em Monte Belo do Sul, que produz grande parte das uvas de nossos espumantes da Serra Gaúcha, o processo ficou mais lento, pois a associação que iniciou o projeto decidiu implementar normas ainda mais duras para a região.
"Queremos um regulamento mais restrito desde o início, para que a Indicação de Procedência seja reconhecida como séria, bem fiscalizada e ordenada e não somente como um atrativo comercial", conta Roque Faé, enólogo e viticultor da região, envolvido no processo da Indicação de Monte Belo.
No Brasil, para uma região chegar a ser uma Indicação Geográfica é necessário começar com um diagnóstico dos produtos vindos de lá, as variedades das uvas plantadas e melhor adaptadas, é preciso ter um terroir homogêneo, com caracterizações agronômicas.
"A mudança de mentalidade dos produtores de uvas e de alguns vinhateiros, a alteração de alguns sistemas de produção e o aumento dos investimentos governamentais são fatores preponderantes na construção de uma IG. É um processo demorado antes mesmo de ser encaminhado para os órgãos oficiais", explica o especialista da Embrapa.
Processo de IG no Brasil No Brasil, para uma região chegar a ser uma Indicação Geográfica é necessário começar com um diagnóstico dos produtos vindos de lá, as variedades das uvas plantadas e melhor adaptadas, é preciso ter um terroir homogêneo, com caracterizações agronômicas.
"A mudança de mentalidade dos produtores de uvas e de alguns vinhateiros, a alteração de alguns sistemas de produção e o aumento dos investimentos governamentais são fatores preponderantes na construção de uma IG. É um processo demorado antes mesmo de ser encaminhado para os órgãos oficiais", explica o especialista da Embrapa.
A advogada Kelly Bruch, que trabalha para o Ibravin com Indicações Geográficas, afirma: "A finalidade de uma Indicação Geográfica é a proteção de produtos (ou serviços) que sejam provenientes de uma determinada região e que tem peculiaridades, sejam elas referentes a fatores naturais (terroir) e/ou a fatores humanos (tais como o saber fazer, a tradição ou a cultura de uma determinada comunidade), que tornam estes produtos diferenciados, únicos". Ela também ressalta que uma Indicação Geográfica bem implantada é, para os consumidores de vinhos, a segurança de que aquele produto é genuíno e de procedência assegurada.