Conheça a verdade sobre a enraizada premissa de que todo vinho quanto mais velho fica, melhor se torna
por Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan
A delicadeza da cor levemente alaranjada, com tons atijolados, logo é completada por uma mistura de aromas intrigantes – com os quais nem sempre estamos acostumados, como trufas, café, couro, tabaco etc – e, ao se sorver gentilmente o líquido, pode-se sentir aquele tipo de suavidade que somente o tempo traz aos vinhos (no caso, os tintos).
Há sensações (cheiros e sabores) que só são proporcionadas por um vinho velho. Esse espectro aromático, que vai dos frutos secos, passando por tons defumados até notas de trufas (e além), por exemplo, só é revelado quando a bebida evolui em garrafa. Eles são chamados de aromas terciários, e só são formados durante a lenta oxidação pela qual o líquido passa com os anos. É isso que os especialistas nomeiam como “buquê” – termo que está intimamente ligado a vinhos envelhecidos.
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Com o tempo, a oxidação dos ácidos em conjunto com o álcool resulta em novos aldeídos e, especialmente, ésteres, assim como em novas combinações entre eles, o que cria aromas tão diferentes dos puramente frutados encontrados na juventude.
Durante o envelhecimento em garrafa, os íons de hidrogênio (mais presentes em vinhos com baixo pH – ou seja, mais ácidos) tendem a catalisar a formação de ésteres dos ácidos e álcoois presentes na bebida.
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Por outro lado, esses íons também ajudam os ésteres a se dividirem novamente em ácidos e álcoois. E essas duas ações, com o tempo, costumam levar a um estado de equilíbrio entre álcool, ácidos, ésteres e água. Assim, durante a “vida” de um vinho, os aromas mudam de acordo com as diferentes concentrações desses compostos.
O mesmo ocorre com as percepções no palato, que se tornam mais redondas e suaves do que as encontradas em um vinho jovem, graças à evolução dos taninos. Acredita-se que, no começo, após macerados, esses polifenóis apresentam peso molecular baixo. Mas, com o tempo, a tendência é eles se polimerizarem, alongando as cadeias de carbono e, com isso, aumentando o peso.
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Quanto maior o peso molecular, mais macia se sente a bebida – e assim também se formam os sedimentos. Essa crença, no entanto, vem sendo questionada por pesquisadores (veja box). Verdade ou não, o certo é que, com o tempo, a combinação entre taninos, ácidos e álcool tende a ficar mais sutil, proporcionando uma sensação mais sedosa na boca.
“Ninguém que bebeu do vinho velho, quer já do novo, porque diz: ‘O vinho velho é melhor’”. Apesar de alegórica, esta passagem do evangelho de São Lucas mostra o quanto a premissa está enraizada nas mentes até de quem não se considera um enófilo.
No entanto, muito da explicação para essa crença ter perdurado até os nossos dias está no processo de produção dos vinhos que, durante milênios, fazia com que os jovens, recém-fermentados, fossem “duros”, tânicos, difíceis de beber. Eram vinhos rústicos, que somente com o tempo se tornavam mais palatáveis.
Os séculos passaram e, com as novas técnicas de produção e mais conhecimentos sobre a videira, a uva, as leveduras, o envelhecimento em barricas etc, os vinhos tornaram-se bebíveis tão logo chegavam ao mercado.
Se antes nem sempre as uvas eram colhidas no ponto exato de maturação (de açúcar e fenóis), por exemplo, agora isso é quase impensável (estudos mostram que as datas de colheita ao redor do mundo ficaram cada vez mais tardias) e explica uma parte da “suavidade” encontrada nas bebidas jovens atualmente.
No entanto, diversos outros processos (fermentação malolática, bâtonnage e maceração carbônica, por exemplo) se somam para resultar em algo prazeroso desde o início.
Não à toa, hoje a ampla maioria dos rótulos é planejada para ser consumida jovem, dentro de um ou dois anos depois de lançada. Neles, tudo (taninos, acidez, fruta) foi programado para estar equilibrado logo de cara e o tempo não é capaz de fazer com que ganhem nada (apenas percam).
Isso não quer dizer, porém, que não existam vinhos que podem envelhecer bem. Mas, a questão que levantamos não reside na possibilidade de um bom envelhecimento, mas se é válido ou necessário esperar por esse envelhecimento para desfrutar de um vinho “melhor”.
O crítico Robert Parker chegou a escrever sobre o tema. “É importante ter uma definição do que significa envelhecer um vinho. Eu defino o processo como nada mais do que a habilidade de, com o tempo, o vinho: 1- desenvolver mais nuances prazerosas, 2- expandir-se e se suavizar em textura e, para os tintos, exibir uma dissolução adicional de taninos e, 3- relevar aromas e sabores mais atraentes. Em suma, o vinho precisa entregar uma complexidade adicional, maior prazer e gerar mais interesse do que quando lançado”.
Quase todos os vinhos estão sendo feitos de forma que o consumo imediato seja pelo menos possível, mesmo que nem sempre desejável
Parker contesta o dito “milagre da garrafa”, de que o vinho melhora com o tempo, afirmando que, na maioria das vezes, uma longa guarda é um “caro exercício de futilidade”. Para ele, os processos pelos quais os vinhos passam hoje diminuem a capacidade da bebida evoluir e se tornar mais complexa com o tempo. Daí, guardá-las para consumir posteriormente não faria sentido.
Outros críticos, porém, defendem o envelhecimento. Um deles é Eric Asimov, que escreve para o New York Times. “Amo vinhos velhos, mais do que posso pagar por eles, infelizmente...”.
Para ele, quanto melhor o vinho, mais você precisa apreciá-lo com o tempo – quando é jovem, na meia idade e na velhice, e entre essas etapas. “É assim que você realmente conhece o melhor do vinho. Quando opta por atalhos, você se ilude”.
Em seu Altas Mundial do Vinho, os críticos Hugh Johnson e Jancis Robinson escrevem: “O momento em que se deve beber um vinho é certamente uma questão de gosto pessoal e até mesmo nacional. Sabidamente, os ingleses têm preferência pelos vinhos velhos, enquanto os franceses e os norte-americanos, com frequência, bebem seus vinhos uma década antes dos ingleses. O certo é que, atualmente, quase todos os vinhos estão sendo feitos de forma que o consumo imediato seja pelo menos possível, mesmo que nem sempre desejável”.
Diante dessas ponderações, resta-nos escolher entre a pungência da juventude e a sutileza da idade – vale lembrar que, um vinho velho, mesmo que tenha passado de seu ponto de apreciação ideal, não fará mal à saúde. Portanto, cabe a cada um decidir o que mais lhe agrada.
Para alguns, o importante será perceber os tons frutados tanto na boca quanto no nariz, a exuberância da cor (nos tintos), a gostosa adstringência dos taninos, a refrescância da acidez em seu auge, enfim, toda a volúpia de uma bebida quando jovem. Outros, contudo, vão deixar tudo isso de lado em favor de uma maior sutileza no palato e de uma gama aromática completamente diferente, e que só é alcançada com o envelhecimento.
Em favor dos vinhos velhos, também podemos lembrar que apreciá-los não é somente uma experiência sensorial distinta, mas também cultural, pois obrigatoriamente nos leva a uma viagem no tempo, a um passado que une a nossa história à daquele produtor. Se a bebida é melhor ou não, difícil dizer, mas esse tipo de experiência, somente um vinho velho pode proporcionar.
Então, na dúvida, opte pela máxima: “O vinho melhora com a idade. Quanto mais velho fico, mais gosto dele”.
Ao envelhecerem, adquirem caráter mais suave e macio, em contraste à possível aspereza apresentada quando de seu engarrafamento. A coloração também costuma alterar-se de violeta profundo para um leve vermelho-tijolo. Normalmente, quando envelhecidos, têm mais sedimentos do que vinhos jovens. Com relação ao olfato e ao palato, normalmente a mudança é latente: tornam-se mais complexos, com traços mais evoluídos e camadas de aromas secundários e terciários – tais como notas de madeira, frutos secos, mel, couro, carne crua, estrebaria, tostados, defumados, tabaco, café, trufas etc– desenvolvem-se e passam a ser percebidos na degustação.
O vinho muda de cor, sabor e ganha aromas terciários, que só aparecem com o tempo de guarda
Visualmente, vinhos brancos adquirem tonalidade mais escura quando envelhecem, tais como tons dourados profundos e até âmbares, provavelmente devido a um processo lento de oxidação de seus compostos fenólicos. Também pode surgir algum sedimento, ainda que em bem menor quantidade do que ocorre nos tintos. No nariz e na boca, geralmente a acidez e a crocância da juventude dão lugar a aromas mais suaves e evoluídos, com delicadas notas de mel, frutos secos, manteiga, baunilha, tostados ou defumados, dependendo das castas presentes em sua composição.
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