Nebbiolo ou Sangiovese? Barolo ou Brunello? Descubra o que há de melhor nas mais célebres regiões vinícolas italianas
Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 28/12/2018, às 15h00 - Atualizado em 20/04/2019, às 16h06
Os franceses têm Louis Vuitton, Chanel, Hermès, Dior, os italianos, Gucci, Armani, Versace, Fendi. Os franceses têm Brie, Camembert, Roquefort, os italianos, Gorgonzola, Parmesão, Taleggio. Os franceses têm Borgonha (com a elegância do Pinot Noir) e Bordeaux (com a potência do Cabernet), os italianos, Piemonte (com a sutileza da Nebbiolo) e Toscana (com a força da Sangiovese).
No mercado de luxo, França e Itália vivem "duelando" e desse embate cada vez surgem mercadorias mais preciosas e cobiçadas. Na parte vitivinícola desse confronto, Itália e França se alternam como os maiores produtores de vinho do planeta em quantidade de litros. Se na França, há uma dicotomia entre os vinhos de Borgonha e Bordeaux, na Itália não é diferente. As duas regiões mais famosas, Piemonte e Toscana, também disputam acirradamente o gosto do consumidor.
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Barolo e Brunello de Montalcino são os grandes destaques nessa disputa. O Barolo é um vinho produzido nas cercanias da cidade de mesmo nome no Piemonte, com a uva Nebbiolo, e o Brunello di Montalcino, na Toscana nas proximidades da cidade de Montalcino, com a casta Sangiovese - que nessa região carrega o nome de Sangiovese Grosso. Sendo assim, ADEGA resolveu encampar a disputa entre piemonteses e toscanos e oferecer um panorama do vinho nessas duas regiões, para que o leitor possa conhecer e escolher o que de melhor se produz por lá.
A região do Piemonte produz outras joias além dos desejados Barolo. Nessa região, esse vinho tem um "irmão" quase do mesmo nível. Trata-se do Barbaresco que, como o Barolo, também é produzido obrigatoriamente pelas normas da Denominazione di Origine Controllata e Garantita (DOCG) a partir de 100% Nebbiolo.
Pouco mais de 20 quilômetros separam as comunas de Barolo e Barbaresco, que produzem vinhos semelhantes. Talvez a diferença mais "conhecida" entre Barolo e Barbaresco é que, na maioria das vezes, o Barbaresco é mais fácil de ser apreciado quando jovem. Porém, essa regra não é válida dependendo do produtor.
Além desses dois grandíssimos tintos, o Piemonte tem outros tantos vinhos especiais, como os extraordinários Barbera, que reinam nas comunas de Asti e também em Alba, além dos famosos brancos doces à base da Moscato, os espumantes Asti, além dos Freisa, Fara, Grignolino, Dolcetto, Gattinara, Ghemme e tantos outros, como os deliciosos Nebbiolo d'Alba que, em muitos casos, podem ser considerados "Minibarolo".
A Toscana tem tradição milenar na produção de vinhos e também tem muitas estrelas além dos Brunello di Montalcino. Ainda de Montalcino há outro tinto denominado Rosso di Montalcino, que pode ser considerado um "minibrunello".
Sem dúvida, os Brunello são os vinhos mais disputados da Toscana, mas nem sempre foi assim. Durante muitos anos, os tintos de Chianti eram mais conhecidos pelos enófilos, que os consideravam vinhos ralos e até ordinários. Atualmente, no entanto, existem vinhos Chianti de grande estirpe.
Além dos Chianti, ainda existem os vinhos das comunas de Montepulciano e Carmignano, que também produzem bebidas de alta qualidade. De Montepulciano há o vinho ícone denominado Vino Nobile di Montepulciano que, como o Brunello, tem um segundo rótulo, o Rosso di Montepulciano.
Mais recentemente na Toscana aconteceu um fenômeno "inventado" pelos americanos: os "Super Tuscans" ou Supertoscanos. Esses vinhos viraram uma febre de vendas, principalmente nos Estados Unidos, e nasceram porque muitos produtores da região decidiram produzir vinhos com castas não permitidas pelas legislações da DOC e DOCG - mais notadamente com variedades francesas originárias de Bordeaux como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot. Os precursores do conceito Supertoscano foram: Tenuta San Guido, com o Sassicaia; Antinori, com Tignanello e San Felice, com Vigorello. Vale ressaltar que o Sassicaia não tem em seu blend a Sangiovese, enquanto Tignanello e Vigorello têm predominância dessa casta, que é mais emblemática e importante da Toscana. O resumo do conceito de Supertoscano é que podem existir tanto grandes vinhos com castas francesas, mas também vinhos que são produzidos a partir de 100% Sangiovese, como, por exemplo, o Fontodi Flaccianello della Pieve e Fattoria di Felsina Fontalloro. Esses dois vinhos são fabulosos e produzidos na região de Chianti. A grande produção de Supertoscanos à base de castas francesas hoje é da costa da Toscana, com destaque para DOC Bolgheri, criada no inicio da década de 1990. E ainda na costa há os Morellino di Scansano, produzidos à base de Sangiovese, mas que não possuem tanta fama mundo afora.
Piemonte e Toscana possuem uma grande diversidade de castas, mas duas autóctones possuem o título de flagship, ou seja, são a bandeira principal de sua região. Para quem aprecia vinhos autênticos, com tipicidade e alma, não há como escapar delas, que estão entre as mais espetaculares da Itália, talvez do mundo. É possível encontrar vinhos absolutamente fascinantes tanto à base de Nebbiolo quanto de Sangiovese.
A Nebbiolo é conhecida pela finesse e a delicadeza de um vinho com muita estrutura, taninos extremamente marcantes e muita personalidade. Enquanto isso, com a Sangiovese, encontramos desde vinhos ralos e sem expressão até verdadeiras "massas musculares" como alguns varietais puros e Brunellos de estirpe. A Sangiovese é mesmo muito versátil e, diferentemente da Nebbiolo, vai muito bem em blends (mistura de castas). Pode-se encontrar alguns cortes com Nebbiolo e outras uvas, mas é certo que não existem grandes destaques, ao contrário da Sangiovese, que casa sobremaneira com as francesas Cabernet Sauvignon e Merlot, produzindo grandes tintos de corte.
Até alguns anos atrás, os grandes tintos à base de Nebbiolo se mantinham quase imutáveis e eram, na maioria das vezes, de maturação muito tardia, enquanto os vinhos à base de Sangiovese chegavam ao mercado cada vez mais modernos e, com isso, foram ganhando destaque. A boa notícia é que até os tradicionais produtores dos Barolo e Barbaresco mais impressionantes do mundo começaram a perceber que em sua volta havia um movimento silencioso visando uma mudança predestinada. Antes, para se apreciar um bom Barolo ou Barbaresco, era necessário esperar até algumas décadas. Hoje, vários produtores tanto de Barolo quanto de Barbaresco colocam vinhos no mercado já acessíveis desde sua juventude.
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Ampelografistas, botânicos especialistas em videiras e parreiras, acreditam que a Nebbiolo é uma uva vinífera autóctone do Piemonte. Contudo, evidências sugerem que a casta pode ter origem também na Lombardia. Portanto, não há exatidão com relação à sua origem. A primeira citação explícita da Nebbiolo na região do Piemonte data de 1268. Lá, mais especificamente na DOCG de Ghemme, ela é localmente chamada Spanna. A casta também é denominada Chiavennasca na Lombardia, mais precisamente nas DOC Valtelina e DOCG Valtelina Superiore.
Já a Sangiovese teve sua primeira citação em 1590 em documentos escritos por Giovanvettorio Soderini. Nesses documentos, Soderini menciona que a uva Sangiogheto produzia bons vinhos. Não existe comprovação precisa de que essa variedade é a mesma que a Sangiovese de hoje. A Sangiovese, como é conhecida em Chianti, muda de nome em Montalcino, onde, além de receber o nome de Sangiovese Grosso, também é chamada de Brunello. Em Montepulciano, ela tem o nome de Prugnolo Gentile e, na costa da Toscana (Maremma), é chamada de Morellino. Na Ilha de Córsega, França, recebe o nome de Nieluccio.
Ao contrário da delicada Nebbiolo, Sangiovese vai muito bem em blends, especialmente com castas francesas
No Piemonte, mais especificamente nos arredores de duas pequenas cidades, Barolo e Barbaresco, tem-se um dos mais expressivos números de vinhos elaborados em vinhedos únicos (Single Vineyard) do mundo. Ao vermos o mapa dessa pequena região vitivinícola, notamos a enorme diversidade de vinhos produzidos com uma única uva, a Nebbiolo (o mesmo fenômeno ocorre na Borgonha, com a Pinot Noir).
Barolo, local dos vinhos mais ricos e profundos produzidos na Itália - conhecidos como "Vinho dos reis e Rei dos vinhos", era o preferido do rei Vittorio Emanuele II, o primeiro monarca da Itália após a unificação do país em 1861 -, é dividido em cinco grandes áreas: Barolo, Castiglione Falleto, Monforte d'Alba, La Morra e Serralunga d'Alba.
De Barolo temos inúmeros vinhos de vinhedos únicos, tais como Brunate e Cannubi. De Castiglione Falleto, os incríveis Bric del Fiasc, Monprivato, Rocche, Villero etc. Monforte d'Alba apresenta os fascinantes Bussia, Gran Bussia, Santo Stefano di Perno e Ginestra. La Morra tem os presentes Cerequio, Marcenasco e Brunate (vinha que tem parcelas tanto em La Morra quanto em Barolo). De Serralunga d'Alba vem os expressivos Francia, Lazzarito e Ornato.
Já Barbaresco têm como destaque os sublimes vinhedos únicos de Rabajá, Asili e Il Bricco. Coincidentemente são esses Single Vineyards, de Barolo e Barbaresco, ao lado dos grandes vinhos da Borgonha, os mais elegantes, complexos e diferenciados tintos do planeta.
Barolo é dividido em cinco áreas: Barolo, Castiglione Falleto, Monforte d'Alba, La Morra e Serralunga d'Alba
Além do Barolo, a DOCG de Barolo possui o Barolo Riserva. Esses vinhos estagiam por um período mínimo de três anos, dos quais pelo menos dois em barris de carvalho.
Qualquer enófilo sonha também em degustar um Brunello di Montalcino. O Brunello, como "marca", é recente, tem pouco mais de cem anos. Mas, nesse período, tornou-se o vinho italiano de maior glamour e luxo, suplantando qualquer outro. Esse ícone da vitivinicultura mundial é produzido em um pequeno espaço de terra ao sul de Siena a partir da uva Sangiovese Grosso in purezza (a DOCG não permite que nenhuma outra casta entre na composição do Brunello). Essa variedade de maturação tardia é colhida em meados de outubro, produzindo um vinho escuro, já que é fermentado lentamente e por muito tempo em contato com as cascas da uva, para extrair o máximo de cor e sabor. Depois, é envelhecido em botes de carvalho.
Brunello costuma ser um símbolo de poder e riqueza, e no Brasil, mesmo os mais baratos, estão acima dos R$ 100. Algumas garrafas, contudo, custam mais de R$ 1 mil. E como ele é um vinho quase sempre muito caro, é preciso atenção para comprar uma garrafa, pois existem inúmeros Brunello sofríveis e de baixa qualidade. A dica é prestar atenção ao nome do produtor.
As normas da DOCG de Brunello di Montalcino exigem que o vinho estagie por um período de envelhecimento de pelo menos dois anos em barris de carvalho (qualquer dimensão) e pelo menos quatro meses em garrafa. Não pode ser colocado para consumo antes de 1o de janeiro do ano posterior ao estágio de cinco anos calculados considerando a data da safra.
Existe ainda o Brunello di Montalcino Riserva, que é disponibilizado para consumo depois de 1o de janeiro do ano seguinte ao estágio de seis anos calculados considerando a colheita, depois de passar no mínimo dois anos em barris de carvalho e pelo menos seis meses em garrafa.
Vinho de Brunello é produzido em um pequeno espaço de terra ao sul de Siena a partir da uva Sangiovese Grosso in purezza
Brunello de Montalcino certamente é o vinho mais famoso e prestigiado da Toscana, mas o mais tradicional continua sendo Chianti, região ao redor de Siena e Florença que possui a DOC mais antiga da Itália e uma das mais antigas do mundo, datando de 1716, quando o grão-duque da Toscana, Cosimo III, da dinastia dos Médici, demarcou a região.
No começo, não havia as regras rígidas e era possível utilizar uvas brancas como Trebbiano e Malvasia para compor o vinho de Chianti. Porém, em 1872, diante da falta de unidade do vinho, uma das famílias mais poderosas da região resolveu intervir. "No século XIX, todo mundo estava produzindo vinhos a seu próprio modo. O que Bettino Ricasoli fez foi adotar o que para ele era a melhor uva produzida em Chianti, e todos o seguiram", contou Francesco Ricasoli ao dizer como seu tataravô fez com que a Sangiovese se tornasse a parte central do vinho, com uma pequena quantidade de Canaiolo. Na época, ele ainda permitia o uso das brancas em vinhos jovens, o que foi proibido em 2006.
Antes disso, porém, houve diversas mudanças na legislação, com alterações de proporções de castas, até a inclusão de uvas internacionais em pequenas quantidades, mas sempre com a Sangiovese predominante. Com a baixa reputação do Chianti em meados do século XX, os produtores passaram a se rebelar contra as regras, plantando variedades estrangeiras e acrescentando-as ao corte do vinho. Foi assim que nasceram os Supertoscanos, que não podiam receber a denominação Chianti. Antinori, produtor do Tignanello, e Tenuta San Guido, do Sassicaia, são alguns dos pioneiros nesse quesito.
A zona mais central da região recebe o nome de Chianti Classico, enquanto as periféricas levam nomes como Colli Aretini, Colli Fiorentini, Colline Pisane, Colli Senesi, Montalbano, Montespertoli e Rùfina.
Chianti é a DOC mais antiga da Itália e uma das mais antigas do mundo, datando de 1716, quando Cosimo III demarcou a região
Em 1924, estabeleceu-se o Consorzio Vino Chianti Classico, com o símbolo do Gallo Nero, cuja lenda remonta à Idade Média, quando Siena e Florença batalhavam pela região, disputando fronteiras. Diz a lenda que os governantes, para dar fim às discussões, promoveram uma solução inusitada. Definiram que um cavaleiro partiria de cada cidade ao primeiro cantar de um galo. Onde os cavaleiros se encontrassem, seria demarcada a fronteira. Siena escolheu um galo robusto para ser seu "despertador". Já Florença optou por um galo preto, magro. Resultado da contenda: o galo florentino acordou cedo, pois tinha fome e cantou primeiro, dando larga vantagem ao cavaleiro de sua cidade. Com isso, a fronteira foi demarcada muito próxima à Siena.