Descubra porque os vinhos brancos são indispensáveis no ritual da boa mesa e voltam com força total no mundo inteiro
por Luiz Gastão Bolonhez
Falamos tanto sobre harmonização, e muitas vezes deixamos de lado alguns conceitos que devem ser levados em consideração. Baseados em muitos desses conceitos, não dá para entender porque o vinho branco sofreu uma baixa tão grande nos últimos anos. Na maioria dos países, seja de alto ou baixo consumo de vinhos, o vinho branco, que um dia já foi o líder mundial, tem o consumo entre 20 e 25%. Atualmente, no Brasil, por exemplo, em cada 100 garrafas de vinhos consumidos (não levando-se em consideração os espumantes, que ficam fora desse número), menos de 15 são de vinhos brancos.
Mas a boa notícia é que nos países mais desenvolvidos no consumo de vinhos, ou seja, que têm uma cultura que inclui o vinho como parte integrante de uma alimentação saudável, o vinho branco começa a esboçar uma reação. Em países como França, Itália, Espanha e Portugal, essa reação representa uma curva crescente e, para nossa felicidade, com força.
Vamos nos aprofundar um pouco mais nesse assunto e fazer algumas perguntas que nos direcionarão para algumas importantes conclusões em relação ao porquê dessa volta do vinho branco ao hit parade.
Em uma bela refeição podemos ir do começo ao fim com um conjunto de vinhos brancos? Sim. Isso é uma verdade! Agora vamos pensar no badaladíssimo vinho tinto. Poderíamos ter vinhos tintos de ponta a ponta em uma bela refeição? Em minha opinião, não. Seria uma refeição pesada e cansativa.
Vamos insistir nessa informação. Você pode imaginar iniciar uma refeição com um delicado linguado grelhado e acompanhá- lo com um Cabernet Sauvignon? Uma ostra fresca com um Malbec? Um "Plateau du Fruit de Mer" (prato de frutos do mar) com um Pinot Noir? Nada disso faz sentido e, muito menos, harmonia em sua "boca". Os apaixonados pela cozinha, além dos vinhos, concordam que não é possível ter um grande evento combinando vinhos e pratos bem elaborados sem a presença de, pelo menos, um branco à mesa. Principalmente se considerarmos que, em uma bela harmonização, a ordem dos pratos, em termos de intensidade, deve ser sempre crescente, ou seja, começamos com pratos e vinhos mais leves, como peixes e frutos do mar, e depois vamos rumando para as carnes "vermelhas" e tintos de expressão.
O que mais ocorre hoje em dia é uma sensação de culpa. Reflitam. Não se sintam culpados, pois existem grandes apreciadores de vinho que desprezam o vinho branco. Temos que corrigir essa injustiça. O vinho branco na vida de um apreciador da cultura enogastronômica é fundamental. É fato a pujança e o espaço que o vinho tinto conquistou em nosso paladar, coração e alma, mas viver sem um branco é impossível.
Só como provocação, e para quem ainda não sabe, a maioria dos queijos combina mais com brancos do que com tintos. No livro Queijos Franceses, de Kazuo Masui e Tomoko Yamada, guia com mais de 350 tipos de queijo com sugestões de vinhos para harmonizações, os brancos estão à frente dos tintos como melhores combinações, principalmente com os "grandes" queijos. Há duas ou três décadas, quando éramos convidados para um "Queijos e Vinhos", associávamos sempre queijos a vinhos tintos. Um pequeno deslize que devemos corrigir nos dias de hoje.
Muitos países têm vocação na produção de vinhos brancos e, para nossa fortuna, muitas novas regiões estão nascendo e mostrando ao mundo a magia desse vinho fundamental em uma boa mesa.
Quando falamos de tradição não há como negar que temos na França, Alemanha e Áustria, os grandes destaques do mundo na produção de grandes vinhos brancos. Não deixando de levar em consideração que algumas regiões da Itália, França, Espanha e Portugal têm grandes destaques quando o assunto é vinho branco.
Falando da França, origem das três uvas "brancas" de maior destaque no mundo, a rainha Chardonnay (com berço na Borgonha), a elegante Sauvignon Blanc (com berço no Vale do Loire e com muita força em Bordeaux), e, por último, a grandíssima - e hoje voltando com muita presença no cenário mundial - Riesling.
Para um enófilo que quer começar com brancos e não errar é só seguir esse trio, mas atenção: para comprar um "Puliginy Montrachet" ou um "Mersault" (ambos 100% Chardonnay) da Borgonha, um bom "Poully Fumé" ou um "Sancerre" (os dois 100% Sauvignon Blanc) do Loire ou um especial "Riesling Gran Cru" da Alsácia, você vai precisar ter uma boa verba em mãos, pois esses vinhos quase sempre são muito caros (apesar de normalmente valerem cada centavo pago!). Temos outras grandes uvas "brancas" na França que fazem furor. A gloriosa Chenin Blanc é também originária do Vale do Loire e produz opulentos brancos tanto secos como doces. Também no Loire temos a Muscadet, com seus brancos bem secos. A Semillon, de berço Bordolês, que produz excelentes vinhos brancos secos, é base de um dos doces brancos mais famosos do planeta, os Sauternes. Ainda na França temos as deliciosas Roussane (mais nobre que a Marsanne) e Viognier, que reinam no vale do Rhône e, por último, as coadjuvantes da Riesling, na Alsácia, a aromática Gewürztraminer e a poderosa Pinot Gris, responsáveis por vinhos absolutamente diferenciados. Para fechar, o sul da França, tanto Provence e Languedoc (sudeste), quanto Madiran e Tursan (sudoeste), produz brancos de excelente custo-benéfico. No sul, os brancos de destaque são do sudoeste, produzidos a partir de uvas locais como Courbu, Gros e Petit Manseng ("Pacherenc du Vic Bilh") e Barroque ("Tursan").
França encanta com muito mais uvas "brancas", mas essas são as que realmente se destacam.
A Alemanha e a Áustria também são verdadeiras máquinas na produção de brancos muito especiais. Na Alemanha, a Riesling continua seu reinado absoluto, mas tem a companhia da Grauburgunder (a Pinot Gris) com bons vinhos e a Muller-Thurgau (cruzamento da Riesling com a Sylvaner). Essa última é capaz de produzir bons vinhos, mas, por privilegiar, na maioria das vezes, o alto volume, acaba comprometendo a qualidade. Essa uva é a responsável pelos Liebfraumilch, quase sempre de qualidade duvidosa. São aqueles de garrafa azul que infestaram o Brasil há anos e que para muitos pode ser somente um passado negro de nossa história. Mas acreditem, esses vinhos têm seu valor na introdução do vinho na vida de muitos brasileiros.
As regiões da Alemanha que produzem os melhores vinhos são Franken (Franconia), Rheingau e Rheinhessen (regiões à beira do Rio Reno) e Mosel- Saar-Ruwer (às margens do Rio Mosel). No Brasil, pela cultura do Liebfraumilch, o vinho alemão caiu em descrédito e, por isso, não temos muitos exemplares de boa qualidade disponíveis por aqui.
A Itália, único país a produzir vinhos em todas as suas regiões e com uma infinidade de uvas autóctones, nos provê também de excelentes brancos. Os mais destacados são os brancos do Friuli (denominações Collio e Colli Orientali del Friuli) que tem uma vocação especial para produzir excelentes Sauvignon - não levam a marca Sauvignon Blanc como no mundo todo, mas apenas Sauvignon -, profundos Tocais Frilanos e muitíssimos, e já consagrados, Pinot Grigios. O Vêneto, representado pelos vinhos da denominação Soave e produzidos a partir da uva Garaganega, e os da Úmbria, com a uva Grechetto como carro chefe, todos até aqui do centro da Itália para o norte. Mais ao sul, temos a região da Campânia como uma força, e de lá temos duas uvas muito interessantes, a deliciosa e fresca Fiano di Avelino e a sutil Greco di Tufo. Por último, há, na Sicília, excelentes brancos à base da internacional Chardonnay, além de muitos outros produzidos com as locais Inzolia e Catarrato.
Na Espanha, a região das Rías Baixas produz a partir da uva Albariño o vinho de mesmo nome. É um dos mais frescos disponíveis no mercado mundial. Esses vinhos são companhia sensacional para frutos do mar frescos. Ainda na Espanha, temos a região de Rueda com suas uvas Verdejo e Viura como pilares de brancos especias.
#Q#Em Portugal existem bons brancos em todas as regiões. No entanto, ao norte, quase na fronteira com a Espanha, na região do Minho, são produzidos os famosos Vinhos Verdes (que têm muita história aqui no Brasil). Ainda na terra de Cabral temos uma espetacular uva branca, que é base de grandes brancos da região do Dão: a Encruzado. Seguramente produz os mais especiais e potentes brancos de todo o país. Na região da "Terras do Sado" podemos encontrar deliciosos Chardonnays.
No Novo Mundo, muitos países têm bons brancos, mas dois se destacaram na produção de brancos de renome mundial. O primeiro que mostrou ao mundo sua vocação na produção de bons brancos é a Nova Zelândia, que acabou se especializando nos fascinantes Sauvignons Blancs. Hoje existem excelentes vinhos nesse país à base dessa uva, tanto na Ilha do Sul quanto na do Norte, mas é na ilha sul, mais precisamente em Marlborough, que temos os mais especiais Sauvignons Blancs produzidos fora da França. O segundo país que vem se aprimorando também em brancos, com destaque para os Sauvignons Blancs, é a África do Sul. Atualmente, nesse país, existem excepcionais brancos produzidos tanto em Stellenbosch (excelentes Chardonnays e deliciosos Sauvignons) e em Constantia, onde encontramos Sauvignons Blancs de maior prestígio e ainda excepcionais Semillons, confirmando o país como uma potência na produção de grandes vinhos brancos.
Os Estados Unidos se especializaram em fazer da Chardonnay uma marca. O Chardonnay amadeirado virou febre no país e por lá existe até o jargão "give a glass of chard". São muitos e muitos hectares plantados e as regiões que produzem os melhores Chardonnays dos EUA são os vales de Sonoma e Russian River.
O Chile tem descoberto novas regiões e mostrado ao mercado excelentes surpresas quando o assunto são bons e intensos brancos. O consagrado Vale de Casablanca produz extraordinários Sauvignons Blancs e Chardonnays. O novo Vale de Leyda segue os passos do Vale de Casablanca e produz vinhos especiais à base dessas duas uvas. Por último, vale destacar o novíssimo Vale de Limarí, que tem, talvez, os melhores Chardonnays de todo Chile.
A Argentina tem produzido, cada vez mais, melhores Sauvignons Blancs em Mendoza e apresenta uma boa vocação no manuseio e produção de excelentes e frescos Viogniers, na mesma região. No norte do país, em Cafayate, produz reluzentes vinhos com a aromática Torrontés, uma verdadeira especialidade de nosso vizinho.
Para finalizar essa volta ao mundo, chegamos ao continente australiano que traz como destaque seus potentes chardonnays. Os mais impressionantes à base dessa uva estão no oeste, mais precisamente nas regiões de Margret River e Swan Lake. Como novidade na Austrália temos maravilhosos Rieslings, tanto em Victoria quanto no Oeste (Western Australia) e a Semillon (em várias regiões, mas principalmente no Hunter Valley) que vem se consolidando com vinhos muito presentes e encorpados.
Essa matéria chega ao fim sem falar nos brancos fortificados (Vinho do Porto, Jerez, Manzanillas etc.) e espumantes (Champagnes e correlatos). Esses maravilhosos vinhos ficam para uma oportuna próxima edição.
Se ainda não te convencemos sobre o valor de um bom vinho branco, então prove um queijo de cabra fresco com um belo Sauvignon Blanc do Loire, um presunto cru San Daniele com um Tocai Friulano ou um Chardonnay do Chile com camarões grelhados e um toque de curry. Esteja certo, você vai se deliciar. Um brinde ao vinho que tem cadeira cativa em uma boa mesa. Saúde.
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