Argentina e Chile 2013 e além

Prova dos vinhos argentinos e chilenos para o guia Descorchados 2013 dá pistas de como a vitivinicultura desses dois países deverá evoluir

por Patricio Tapia

Não se trata de bater recordes de degustações, todavia deve-se aproveitar a oportunidade. Este ano, na versão 2013 de Descorchados, provei cerca de 2.600 vinhos da Argentina e do Chile, em dois meses de degustações que começaram em agosto, em Río Negro, na Patagônia argentina, e terminaram em Santiago.

Com tanto vinho a tiracolo, a pessoa, certamente, termina com a linha partida em dois pedaços, porém também com muita informação sobre o que está acontecendo nesses dois países, os mais importantes, em nível regional, na produção de vinhos. Tendências, caminhos, movimentos. Com 2.600 vinhos, aprende-se muito. Essas são algumas das coisas que aprendi este ano:

ARGENTINA
Malbec mais puros

Uma das coisas que mais me entusiasmou foi o surgimento de uma gama de Malbec que foge um pouco do molde dos tintos sobremaduros, com madeira excessiva e meio doces que a Argentina oferecia há vários anos. Com preços que rondam os US$ 25, com uvas de primeira qualidade e ocupando muito pouco ou nada de madeira, e, se a empregam, nunca é nova. Vinícolas como Bressia (Sylvestra Malbec 2012), Tres 14, do reputado enólogo Daniel Pi (Garage Malbec 2010) e Achaval Ferrer (Achaval Ferrer Malbec 2011) são os melhores exemplos de uma tendência que está provando o quão delicioso pode ser o Malbec. E, no meu caso, lembra-me dos primeiros Malbec que provei em minhas primeiras viagens à Mendoza, quando a ambição de conquistar mercados (especialmente o norte-americano) ainda não havia ocupado o espaço que hoje tem.

Amplia-se o mapa argentino
Em um futuro muito próximo, o panorama dos vinhos argentinos vai mudar drasticamente. E não é preciso ser vidente nem mago para se dar conta de que, às zonas mais clássicas como Mendoza, San Juan, Salta ou Río Negro, rapidamente se estão somando outros lugares onde pioneiros já plantam vinhedos e obtêm vinhos. Saldungaray, na província de Buenos Aires, Las Cañitas, em Córdoba, um novo projeto em Mar del Plata com Daniel Pi como consultor enológico ou, talvez o de maior expectativa até o momento, a Bodega Océano, na zona de Viedma, junto ao mar, na foz do Río Negro. Todos esses projetos falam de uma nova Argentina que já começou um processo de autodescobrimento. E, em boa hora, pois era realmente impensável que um país tão grande estivesse concentrado somente em algumas poucas regiões para produzir seus vinhos.

Mais vermelhas, menos negras
No mundo da descrição dos vinhos, as frutas vermelhas se associam a vinhos mais frescos, enquanto que os aromas de frutas negras tendem a relacionar- -se com tintos mais maduros, mais carregados, mais concentrados. O protótipo dos vinhos ambiciosos do Novo Mundo é regulado por essa última ideia: a superconcentração, a supermaturação. A fruta negra frenética. No entanto, o mercado hoje parece ir em outra direção e pede mais frescor, mais frutas vermelhas. E alguns dos grandes ícones argentinos, antes supernegros, hoje parecem mudar: Cheval des Andes 2008, Gernot Langers 2006 da Norton, Icono de Luigi Bosca 2008, Terrazas Single Parcel Los Cerezos 2008 e Aluvional El Peral 2009 são alguns desses vinhos que estão tomando a bandeira da maior elegância e frescor. Já era hora.

CHILE
Muito ao sul, muito ao norte
Faz poucas semanas que tive a chance de provar um Pinot Noir de Chile Chico, uma zona de uns 2 mil quilômetros ao sul de Santiago, no lugar mais extremo que se planta no Hemisfério Sul. O responsável por esse vinho foi Rafael Urrejola, enólogo da Undurraga, e, ainda que o vinho esteja em patamar de experimentação (colheram apenas uns 20 quilos, o que quer dizer, umas 15 garrafas), demonstra o interesse dos produtores chilenos em explorar. Da mesma maneira, a vinícola Ventisquero acaba de lançar uma linha de produção limitada chamada Tara. São três vinhos que vêm da região de Huasco, 800 quilômetros ao norte de Santiago, perto do mar e de solos calcários, como giz. É uma das grandes revelações deste ano, como também é o movimento que existe no novo Vale de Malleco, outra vez no sul, a 700 quilômetros da capital federal, onde a vinícola William Fèvre acaba de lançar sua linha Quino. O Pinot Noir é primoroso.

Colchagua se reinventa (outra vez)
Colchagua não é o que foi. Se já faz um tempo que vinha se expandindo até a costa (com Paredones) para produzir brancos e até a cordilheira (notadamente Los Lingues) para obter tintos mais frescos, hoje a orientação na zona central de Colchagua (a mais quente) é na direção das variedades mediterrâneas. Castas como Monastrell, Garnacha e Carignan começaram a ser ouvidas com cada vez mais força. A Viña Montes começou com seu CGM Outer Limits, um Carignan, Garnacha e Monastrell nada menos do que de Apalta, um lugar que até agora era território exclusivo da Carménère ou da Cabernet Sauvignon. Ventisquero também lançou, na linha Grey, uma mescla similar, e também de Apalta, enquanto vinícolas como Viu Manent e Luis Felipe Edwards estão experimentando seriamente essas cepas. E parece lógico, na verdade. Em um clima quente como o do centro de Colchagua, a Cabernet Sauvignon não tem muito o que fazer.

O Pinot Noir fica suculento
Pela primeira vez desde a criação do Descorchados (desde 1999 portanto), os finalistas na categoria Pinot Noir nunca tiveram tanto caráter varietal como neste ano. Pela primeira vez se sente a casta, se sente sua frescura, seu lado floral, mas também sua força, sua acidez, sua tensão de taninos. Há muitos bons exemplos desde Montsecano, que segue sendo o mais interessante. Porém Maycas de Limarí está fazendo Pinot estupendos e Tabalí também os faz. A nova linha Tara da Ventisquero (de Huasco, no norte do país) e também Quino de William Fèvre, no sentido sul. De todas as partes estão surgindo Pinot muito bons, tintos frescos, perfumados e não os lamentáveis exemplos com excesso de madeira e secantes do passado. Ainda não é a Borgonha, mas, ao menos, já não é a antítese.

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