Contra a corrente, um grupo de vitivinicultores mostra que o vinho chileno ainda tem muitos caminhos a percorrer
por Patricio Tapia
Durante o mês de junho, em Santiago, organizou-se um evento que passou despercebido pela indústria do vinho chileno. Um grupo de produtores se juntaram em um restaurante para mostrar suas garrafas. Isso, claro, não é nenhuma novidade. O diferente eram os vinhos que esses produtores estavam apresentando. Essa diferença foi o importante e o que definitivamente não passou despercebido para as mais de 150 pessoas que compareceram a essa degustação.
Sim, apenas 150 pessoas, um número que parece bastante reduzido, não? Mas a verdade é que para a realidade chilena, para o mercado tão pequeno que temos e para os conservadores que tendemos a ser em relação aos vinhos (e em muitas coisas mais), essas 150 pessoas são um sucesso. Um enorme êxito.
O grupo se autonomeou “Chanchos Deslenguados” (Algo como “Porcos sem língua”). Sebastián Alvear, o organizador do evento e proprietário de uma pequena distribuidora em que se pode conseguir alguns desses vinhos (www.vinonatural.cl), conta que a ideia de agrupar todos para se apresentarem em público foi mostrar vinhos diferentes dos demais. “Vinhos arriscados, sem tabu”, disse.
Trata-se, com certeza, de um grupo díspar em termos de visão sobre o vinho. Desde produtores muito artesanais, como González Bastías, um pequeno produtor que faz quantidades mínimas da cepa País ou Moscatel Negro, passando por produtores consagrados e que já estão há décadas na cena chilena, como Villard, até iconoclastas que impulsionaram a ideia de fazer vinhos diferentes e de costas para o mercado, como o francês Louis-Antoine Luyt – a quem se deve, no Chile, o redescobrimento da casta País, a mesma que trouxeram os conquistadores espanhóis para a América e que, por séculos, foi uma uva esquecida, relegada a vinhos de baixíssima categoria.
País
É precisamente o francês Luyt a alma desse movimento e foi ele quem levou seus membros a mostrar o que fazem em eventos como o do “Chanchos Deslenguados”. E também é Luyt o pioneiro em um tema como o dos vinhos naturais, assunto de que pouco ou nada se falava no Chile antes de sua chegada, na segunda metade da década passada. Luyt trabalha com uma liberdade pouco usual no meio chileno. Seus vinhos, várias cuvées de vinhedos distintos e feitos com a País, como também seus Carignan e seus Pinot, encontram-se entre os mais singulares (e saborosos) que se pode degustar no Chile.
No entanto, o que até o momento era algo completamente fora do comum, agora já está ramificado. Na degustação também se pôde ver vinhos de Julio Donoso para Montsecano, um Pinot Noir excelente, um fiel reflexo de seu terroir em Casablanca, ou o trabalho dos irmãos Porte, dos franceses que trabalharam um pequeno vinhedo de Pinot Noir nas costas de Río Bueno, em Osorno, muito ao sul de Santiago.
Também se destacou na mostra o trabalho de Baptiste Cuvelier – encarregado da propriedade familiar Cuvelier de Los Andes em Mendoza. Ali, essa vinícola é parte do Clos de Los Siete, sob a influência muito clara de Michel Rolland, com vinhos superconcentrados e extremamente maduros e modernos. No Chile, enquanto isso, sua Cuvée del Maule é um tinto multivarietal (inclui Cabernet, mas também Carignan ou País) que se aproxima muito mais do lado da fruta, refrescante e ligeiro. Este vinho é feito com ajuda de Luyt e é estranho comparar ambos os vinhos, dois mundos completamente opostos.
O monopólio do gosto não é bom para o vinho; não é bom que todos os vinhos sejam iguais, se façam da mesma forma, com as mesmas técnicas, com a mesma meta de agradar ao crítico da vez ou ao mercado
Louis-Antoine Luyt (à esquerda) e Julio Donoso são dois dos que estão buscando algo diferente nos terroirs do Chile |
Esta comparação entre Cuvelier de Los Andes e Cuvelier del Maule também poderia se aplicar ao que começa a acontecer no sul da América. Tanto na Argentina quanto no Chile começam a surgir novas vozes, novas visões que já não têm tão presente o gosto do mercado (uma tirania, para muitos), que portanto fazem o que sentem ou o que o vinhedo lhes entrega, não importando se isso é ou não do gosto das massas.
E é muito bom que isso ocorra. O monopólio do gosto não é bom para o vinho; não é bom que todos os vinhos sejam iguais, se façam da mesma forma, com as mesmas técnicas, com a mesma meta de agradar ao crítico da vez ou ao mercado que os compra. É bom, finalmente, que haja um cenário independente no vinho latino-americano que mostre mais. Os “Chanchos” (porcos) estão fazendo isso no Chile.
O grupo “Chanchos Deslenguados” é díspar em termos de visão sobre o vinho, com a participação desde produtores artesanais até marcas já bastante conhecidas, mas todos querendo fazer vinhos diferentes do que o mercado está acostumado