A essência arquitetônica da uva símbolo da Bairrada
por Por Patricio Tapia
Primeiramente, uma advertência: o que vão ler a seguir é uma opinião pessoal pura e simples. É provável que não lhes pareça estranho se digo que, entre as três cepas tintas que resultam nos vinhos mais importantes do mundo, está a Pinot Noir. Lógico. Borgonha. Os grandes tintos da Côte de Nuits. Quem poderia duvidar que, naquele território de colinas suaves, de solos de argila e cal, não se encontram alguns dos vinhos mais transcendentais do mundo?
E o que lhes pareceria se nessa lista das três castas tintas mais importantes estivesse a Nebbiolo? Alguém se atreveria a dizer que em Barolo não estão alguns dos vinhos mais significativos do Velho Mundo, catedrais que duram por décadas, tintos tão complexos que as palavras inevitavelmente escasseiam quando temos que descrevê-los?
Existe uma teoria que diz que o Nebbiolo e o Pinot Noir são parentes, que se nos focamos somente na estrutura, na rede de taninos que sustentam os sabores, as semelhanças são evidentes: tratam-se de duas cepas tânicas, difíceis em sua adstringência e nas quais o desafio maior é alcançar a suavidade. Há outra variedade que compartilha tais características: a Baga, minha terceira cepa favorita no mundo.
É provável que as duas anteriores pareçam razoáveis em qualquer trio de grandes castas tintas do mundo, também é muito provável que a inclusão da Baga não seja tão logicamente plausível. É possível, também, que alguns sequer a conheçam, ou tampouco tenham ouvido falar dela. Como adverti, essa é só a minha opinião. A grande Baga da Bairrada, às custas de argilas e cal, ao norte de Lisboa.
Segundo Luis Pato, a Baga teria uma conexão com a Pinot Noir, pois ambas têm aromas complexos e elegância
De acordo com Luis Pato, um dos mais importantes produtores de Portugal e, seguramente, o grande divulgador da Baga no mundo, essa cepa também estaria conectada com a Pinot Noir. Segundo ele – um engenheiro químico de profissão –, ambas compartilham similar elegância e também complexidade aromática, mas dividem o problema da textura. E a Baga é uma casta tânica, adstringente até a morte. Os melhores vinhos dessa uva bebem-se depois de 10 anos, e muito melhor aos 20. Os ruins – que existem, e vários – nunca deixam de raspar a língua.
No pequeno concerto dos produtores de Baga, Pato é um modernista. Sua profissão o convida a experimentar com diversos recipientes de maturação, com distintos pontos de colheita para domar a casta e também com diferentes técnicas de vinificação (foi o primeiro na região a fermentar sem as hastes) para conseguir que essa conexão de que tanto se fala com a Pinot Noir seja clara. Pato não teme a modernidade enológica, mas sabe que sua grande riqueza está nas vinhas velhas que tem nas colinas de argila e cal. Aí é onde a Baga mostra realmente tudo o que tem.
Há diferentes tipos de solos, mas são os “barros” ricos em argila, e com componente calcário (solos quase brancos), os mais importantes, os que dão estrutura à Baga. Nas areias, a uva torna-se mais grosseira, monótona em sua adstringência, perde a delicadeza de seus sabores, queima-se. Vinha Pan, meu vinho favorito entre os Baga de Pato, vem dos “barros”, do vinhedo Panasqueira, onde ele também obtém (graças a colheitas antecipadas) um espumante entre os melhores de Portugal.
Se Luis Pato é considerado um modernista, Mario Sergio Alves, da Quinta das Bágeiras, é um tradicionalista
Vinha Pan, em bons anos, representa a quintessência da Baga, essa austeridade severa, como se fossem igrejas romanas sem maior decoração que as pedras ásperas, mas, por sua vez, com uma solidez que não há terremoto que faça-as desmoronar. Se precisasse recorrer à arquitetura para explicar a variedade, talvez a imagem desses edifícios construídos pela metade seria a analogia mais apropriada. Vinha Pan pode ser isso: nada de decoração, nada de porteiros com trajes impecáveis, nem piscinas, nem jardins recém-cortados; só essa construção austera e sólida, feita de cimento cinza. “Meu maior desafio é conseguir suavidade na Baga, mas sem acrescentar Touriga Nacional”, diz Pato – ou Merlot, ou Cabernet Sauvignon, ou Syrah, como a denominação permite, talvez incentivada pela internacionalização de seus vinhos, como ocorreu com outras regiões, nitidamente no Alentejo, uma pequena Austrália no meio de Portugal, com vinhos repletos de padronização. Não é o caso da Bairrada, pelo menos ainda.
Outro dos heróis da Baga é Mario Sergio Alves, o proprietário da Quinta das Bágeiras. Alves, sem dúvida, tem um enfoque um pouco diferente. Corresponde ao que poderíamos chamar de tradicionalista. Ele fermenta em velhos lagares de cimento, com cachos completos, e logo envelhece seus vinhos em grandes recipientes de madeira, de 2.500 litros. Velhos fudres que já não aportam nem sabores, nem aromas, mas que permitem ao vinho oxigenar levemente, ajudando na suavização dos taninos.
O Garrafeira é o tinto top da Quinta das Bágeiras e é também outra das grandes expressões da Baga na Bairrada. Um vinho corpulento, mas, mais que sabores, novamente aqui é o corpo, é essa estrutura de taninos que parece cimento, que domina. Se Vinha Pan é um pouco mais floral e delicado (floral e delicado no contexto da Baga), esse Garrafeira é mais austero, ainda mais impenetrável.
A Baga (como o Sagrantino de Montefalco) talvez não tenha a fama da Pinot Noir ou da Nebbiolo, mas é capaz de fazer vinhos impressionantes em complexidade. Enquanto todo mundo busca aromas e sabores, os amantes da Baga buscam arquitetura, formas anteriores à decoração. Para apreciar a Baga, como para apreciar em sua real dimensão a Pinot Noir e a Nebbiolo, é preciso um enfoque de arquiteto, não de perfumista. Deve-se bebê-los pensando em edifícios.
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