Duas degustações retrataram a Cabernet Sauvignon por sua origem e como seus vinhos podem envelhecer bem
por Por Patrício Tapia
O Chile – ao menos em se tratando de vinhos tintos – é muito mais do que Cabernet Sauvignon. Lá estão a Carignan ou a Carménère para provar isso. Mas também a Syrah e, às vezes, até a País e a Cinsault. Nas últimas duas décadas no Chile, vimos uma verdadeira corrida para tirar o protagonismo da ilustre cepa bordalesa ou, ao menos, buscar uma companheira para ela.
Aplaudo essas tentativas para dar diversidade ao leque de cepas tintas chilenas. Um país – talvez uma região, mas não um país – não pode se sustentar somente com uma casta. Isso não existe no mundo do vinho e leva inevitavelmente ao tédio. Uma cepa, nem mesmo a Cabernet, muito menos a Pinot ou a Malbec, pode dar sempre bons resultados. Nenhuma uva conhecida tem essa capacidade de se adaptar a todo tipo de circunstâncias geográficas, tampouco humanas.
Com isso em mente, por muito tempo o Chile foi visto como uma estupenda fonte de Cabernet e não muito mais do que isso. Logo apareceria a Merlot e, claro, a Merlot convertida em Carménère. Somente nestas duas últimas décadas se aproveitaram novas cepas (Syrah, Petit Verdot) ou resgataram uvas esquecidas (Carignan, País, Cinsault) como que para dar mais ar a esse leque varietal.
Dito isso, sigo pensando que o Chile consegue seus melhores tintos com Cabernet Sauvignon. Custará muito para que me tirem da cabeça a ideia de que, por exemplo, alguns Cabernets do Alto Maipo, nos pés da Cordilheira dos Andes, são os melhores que já foram feitos no Chile. E que ainda são. Porém, vejo que não se trata somente da qualidade desses vinhos, mas também especialmente do seu senso de origem: as notas herbáceas, os aromas a eucalipto, mentol, terra. As texturas suaves, a acidez levemente elevada, ainda que nem tanto. Esses Cabernets são únicos. Com um pouco de treino, é possível os reconhecer e diferenciar. Terroir? Sim, certamente.
No entanto, seguramente, a Cabernet Sauvignon não se limita somente à margem ao pé dos montes que se projeta até os Andes, em lugares como Maipo ou Rapel, contudo seus vinhedos também se estendem por todos os vales do Chile, literalmente. E a razão é óbvia. A Cabernet é uma cepa que vende, que agrada sempre. Os consumidores se acostumaram com ela e é um clássico.
Claro que nem sempre a Cabernet alcança grandes alturas, tampouco o Cabernet chileno é bom, por si só. Cabernet Sauvignon e qualidade-personalidade não são necessariamente sinônimos, porque há lugares onde a cepa não pode mostrar sua riqueza e finesse. Às vezes, sobre os solos graníticos do Maule pode-se sentir rústico demais; ou então sobre as argilas e debaixo do clima quente de Colchagua, tende a ser muito suculento e perder finesse.
Mas sempre há exceções. E isso foi o que vimos na degustação que a Casa do Porto e a revista ADEGA organizaram recentemente em São Paulo. Uma degustação retrospectiva de alguns dos melhores Cabernet chilenos, de norte a sul, desde o Aconcágua até o Maule.
Nesta edição, vocês poderão ver resultados mais detalhados a respeito da prova, mas, sem dúvida, a grande lição dessa degustação foi que a Cabernet Sauvignon segue sendo “a” cepa do Chile, e que pode viver em muitas regiões tão distintas quanto Aconcágua ou Maule. Em lugares tão diferentes, ela – produzida com cuidado, respeitando sua origem e caráter varietal – pode dar grandes vinhos que podem servir, por exemplo, para degustações como esta, uma viagem por todo o território do Cabernet chileno, detendo-nos em alguns de seus vinhedos mais importantes.
Também é certo que, se comparamos todos esses Cabernets top chilenos de regiões tão diferentes, inevitavelmente eu, pelo menos, chego à conclusão de que o que predomina é Maipo Alto, em direção aos Andes. Fui criado com esses vinhos, bebo-os desde que era quase uma criança, e é por isso que sinto-os como próprios do Chile, como o mais chileno que posso beber. Remontam-me a infância.
Há ainda os Cabernet do Alto Cachapoal, que é uma região andina pouco difundida, mas que tem grandes exemplares aos quais devemos dar muita atenção. Todos esses Cabernets nascem nos climas frescos, banhados pelas brisas da Cordilheira, um detalhe crucial quando se quer obter elegância. E elegância é a chave dos melhores Cabernets do Chile. Em todas as partes.
Grande qualidade dos Cabernets chilenos está no seu senso de origem, no terroir.
Veja também:
+ Os melhores rótulos de Cabernet Sauvignon do Chile
+ Da Espanha, ao Chile, ao Cabernet
Nesta viagem, com a Cabernet como copiloto, não foi a única degustação que me levou a São Paulo. Wines of Chile me convidou para coordenar uma prova de alguns dos mais importantes vinhos chilenos (a maior parte Cabernet ou blends que a incluía), mas em dois momentos diferentes. Uma safra nova e outra mais velha.
Essa era a premissa e propus imediatamente anos mais frios porque – de acordo com meu ponto de vista – oferecem uma melhor perspectiva de sua origem, falam com maior clareza de seu lugar e, acima de tudo, o maior frescor de sua fruta acaba por vencer esse grande elemento homogeneizador que é o excesso de maturação e álcool.
Nesta prova estiveram Don Maximiano de Errázuriz (2010-2000), Don Melchor de Concha y Toro (2010-1996), Casa Real de Santa Rita (2010-2002), Altaïr de Altaïr (2010-2002), Clos Apalta de Casa Lapostolle (2010-2002) e Folly de Montes (2010-2000)
Diferentemente da degustação de Cabernet, onde se procurava identificar as mudanças da cepa segundo sua origem, neste caso, o que se pretendia era responder a uma pergunta de mesmo calibre: Esses grandes vinhos chilenos têm capacidade de evoluir em garrafa?
A resposta foi sim. Hoje esses vinhos (todos de mais de uma década) não têm problemas, mostrando suas “cãs” com total dignidade. Talvez vinhos de outras regiões (Bordeaux, Côte Rotie, para buscar referências ao que foi degustado) teriam mostrado frutas mais vermelhas e, talvez, maior juventude depois de 10 anos (sobretudo em safras que se denominam “clássicas”), mas isso também corresponde a outras realidades, acima de tudo climáticas. O que se provou é que alguns vinhos chilenos (Altaïr 2002 e Don Melchor 1996 foram meus favoritos) se desenvolveram maravilhosamente em garrafa, cumprindo uma das máximas de todo grande vinho: para ser grande, tem que envelhecer bem. E saber fazer isso com dignidade.
AD 91 pontos
ALBIS 2004
Haras de Pirque, Maipo, Chile (Winebrands - não disponível). Aromas pronunciados e agradáveis de eucalipto e mentol envoltos por notas de frutas vermelhas e negras mais maduras, além de toques florais, tostados e de alcaçuz. Em boca, confirma essa fruta madura e opulenta, é cheio, estruturado, tem boa textura e final profundo e cheio, com um gostoso toque mineral. EM
AD 92 pontos
ALTAÏR SIDERAL 2006
Altaïr, Cachapoal, Chile. (Grand Cru – não disponível). Pronunciados aromas de frutas vermelhas mais frescas e notas minerais, além de toques herbáceos e florais. Frutado, estruturado, redondo, tem ótima textura, boa acidez e final mais longo que cheio, esbanjando finesse e frescor. EM
AD 93 pontos
CASA REAL RESERVA ESPECIAL CABERNET SAUVIGNON 2007
Viña Santa Rita, Maipo, Chile (Grand Cru R$ 350). Aromas de ameixas e cerejas frescas, bem como notas florais e herbáceas, além de toques tostados, terrosos e de tabaco. É frutado, estruturado, tem boa acidez, taninos finos e final persistente, chamando a atenção pela textura maravilhosa e pelo final suculento, mostrando grafite. EM
AD 93 pontos
CHACAI CABERNET SAUVIGNON 2009
William Fèvre, Maipo, Chile. (Domínio Cassis R$190). Frutas vermelhas e negras mais frescas envoltas por notas minerais, herbáceas e de eucalipto, além de toques especiados. Em boca, é fresco, mineral, tem ótima estrutura, taninos finos, mostrando uma fruta mais doce, mas muito bem equilibrada por sua boa acidez, tudo num final longo e agradável, com toques salinos. EM
AD 93 pontos
ENCLAVE 2010
Viña Ventisquero, Maipo, Chile (Cantu R$ 389). Aromas complexos de cerejas, ameixas e cassis maduros, bem como notas florais, herbáceas e de especiarias picantes, além de toques tostados, de tabaco e grafite. No palato, impressiona pela estrutura, pela fruta de ótima qualidade, pelos taninos finíssimos e pelo final profundo, tudo envolto por uma acidez refrescante, que traz vida e equilíbrio ao conjunto. EM
AD 91 pontos
ERASMO 2007
Reserva de Caliboro, Maule, Chile. (Franco-Suissa R$ 90). Aromas mais fechados, mostrando frutas vermelhas e negras mais frescas, notas herbáceas, especiadas e minerais, além de toques tostados e de tabaco. Em boca, tem ótima acidez, taninos de textura quase granulada e final persistente. Equilibrado, chama a atenção pela elegância. EM
AD 92 pontos
LABERINTO CABERNET SAUVIGNON 2006
Viña Ribera del Lago, Maule, Chile. (Casa do Porto R$ 158). Frutas vermelhas e negras mais frescas, notas herbáceas e florais, além de toques tostados, minerais e especiados. Em boca, é frutado, estruturado, tem boa acidez, taninos de boa textura e final persistente e elegante, com uma nota de chocolate no final. EM
AD 92 pontos
MAGIA NEGRA 2009
Leyendas de Familia, Maule, Chile. (Casa do Porto R$ 360). Notas herbáceas e de eucalipto mais pronunciadas, envoltas por deliciosas frutas vermelhas mais frescas, além de toques florais e tostados. Em boca, confirma a fruta do nariz, tem ótima acidez, textura granulada e final longo e profundo, com notas minerais e de chocolate. EM
AD 92 pontos
MANSO DE VELASCO 2009
Miguel Torres, Curicó, Chile (Devinum R$ 198). Aromas de frutas vermelhas e negras mais maduras, bem como notas florais, tostadas e de eucalipto, além de toques de grafite e de alcaçuz. Em boca, é frutado, estruturado, untuoso, privilegiando o volume e a textura, além de mostrar boa acidez e final cheio e longo. EM
AD 94 pontos
VIÑEDO CHADWICK 2010
Viñedo Chadwick, Maipo, Chile. (Vinci US$ 399). Aromas de frutas vermelhas mais frescas permeadas por notas minerais, herbáceas, florais e de especiarias picantes, além de toques de tabaco e de alcaçuz. Frutado, estruturado, tem ótimo volume de boca, acidez vibrante, taninos finos e de textura quase granulada e final longo. Preciso, equilibrado e muito elegante. EM
AD 91 pontos
Altaïr 2002
Altaïr, Cachapoal, Chile. (Grand Cru - não disponível). Apesar do ano mais frio, mostra uma fruta mais madura e opulenta, envolta por notas tostadas, de tabaco e de alcaçuz. Em boca, está vivo, mostrando textura e taninos exuberantes, boa acidez, fruta suculenta e final persistente e profundo, com notas tostadas e de chocolate amargo. Potente e profundo. Apesar da safra, ainda está jovem. EM
AD 92 pontos
ALTAÏR 2010
Altaïr, Cachapoal, Chile. (Grand Cru R$ 400). Aromas de frutas negras e vermelhas mais frescas, permeadas por notas herbáceas e minerais agradáveis, além de toques tostados, de tabaco e de especiarias doces. Em boca, é suculento, potente, estruturado, equilibrado, tem boa acidez, taninos finos e um final longo e persistente, com notas de grafite. EM
AD 94 pontos
CASA REAL RESERVA ESPECIAL CABERNET SAUVIGNON 2002
Viña Santa Rita, Maipo, Chile (Grand Cru - não disponível). Aromas de frutas mais frescas envoltos por notas de eucalipto e mentol, além de toques florais, tostados, minerais, de couro, de tabaco e de alcaçuz. Em boca, está vivo e exuberante, é estruturado, equilibrado, tem taninos finos e final mostrando traços salinos e de grafite, que aportam complexidade ao conjunto. Preciso e elegante. EM
AD 94 pontos
CASA REAL RESERVA ESPECIAL CABERNET SAUVIGNON 2010
Viña Santa Rita, Maipo, Chile (Grand Cru R$ 350). Aromas de frutas vermelhas envoltas por exuberantes notas florais, especiadas e herbáceas, além de toques minerais, tostados e de tabaco. No palato, é frutado, estruturado, equilibrado, elegante, sutil, fresco, tem taninos macios, boa acidez e final suculento e estruturado. Clássico, fino e austero. EM
AD 91 pontos
CLOS APALTA 2002
Casa Lapostolle, Apalta, Chile. (Mistral - não disponível). Vivo nos aromas, mostra frutas vermelhas e negras, bem como notas tostadas, de tabaco e de especiarias doces. Em boca, mostra essa fruta mais suculenta, privilegiando mais madurez e potência. Final persistente e cheio, com notas tostadas e de chocolate. EM
AD 94 pontos
CLOS APALTA 2010
Casa Lapostolle, Apalta, Chile. (Mistral US$ 199). Aromas de frutas vermelhas e negras mais frescas, bem como notas herbáceas e de especiarias picantes, além de notas florais, minerais, tostadas, de tabaco e de chocolate. Em boca, é austero, preciso, fresco, elegante e profundo, privilegiando uma fruta mais viva e vibrante, sem comprometer sua potência e persistência. EM
AD 91 pontos
DON MAXIMIANO 2000
Errázuriz, Aconcágua, Chile (Vinci Não disponível). No palato, apesar do ano também frio, percebe-se a presença de frutas mais maduras, num estilo quase compotado, tem boa persistência, taninos finos e mais suculência e volume de boca. É claro que os anos de garrafa fizeram muito bem, trazendo elegância. EM
AD 93 pontos
DON MAXIMIANO 2010
Errázuriz, Aconcágua, Chile (Vinci US$ 189). Aromas de frutas negras maduras, bem como notas florais, herbáceas, tostadas, além de toques minerais, especiais e mentolados. Em boca, é frutado, estruturado, equilibrado, tem taninos finos e de ótima textura, quase granulada, com boa persistência e mais profundidade que o 2000. EM
AD 95 pontos
DON MELCHOR 1996
Concha y Toro, Maipo, Chile (VCT - não disponível). Aqui as notas de evolução positivas são claras, trazendo notas balsâmicas, traços terrosos e de ervas secas, além de toques químicos e de cânfora. Em boca, confirma essa evolução mostrada no nariz. Está em plena forma, no ponto, tem taninos finos, boa acidez e final longo e elegante, muito agradável de beber. Em seu ponto ótimo de elegância e equilíbrio. EM
AD 94 pontos
DON MELCHOR 2010
Concha y Toro, Maipo, Chile (VCT R$ 420). Aromas de frutas vermelhas e negras envoltas por pronunciadas notas de eucalipto e mentol, além de toques florais e de especiarias doces. Em boca, é frutado, elegante, estruturado, tem ótima acidez, taninos muito finos e final persistente e suculento. Chama a atenção pela elegância e profundidade. EM
AD 90 pontos
MONTES FOLLY 2000
Viña Montes, Apalta, Chile. (Mistral - não disponível). Já tem algumas notas de evolução, mas mantendo as notas de grafite e ótima textura de taninos. Estruturado e potente, tem final persistente, com notas de café e chocolate. Claramente mostra um estilo que privilegia a untuosidade, o volume de boca e a fruta mais madura. EM
AD 93 pontos
MONTES FOLLY 2010
Viña Montes, Apalta, Chile. (Mistral US$ 179). Aromas de frutas vermelhas e negras mais frescas, bem como notas florais, tostadas, minerais e de especiarias picantes, além de toques defumados. Em boca, consegue aliar potência e intensidade, mas mantendo frescor, tudo com taninos muito finos, boa acidez e final profundo. Preciso e equilibrado. EM
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