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Como funciona e uma visão crítica sobre as pontuações dos vinhos

As pontuações dos vinhos pode causar polêmica, mas, quando seriamente e bem feita, pode ser um excelente guia para a qualidade de vinhos distintos e de anos distintos

O mais importante das notas, servir o consumidor de vinho
O mais importante das notas, servir o consumidor de vinho

por Christian Burgos

As notas se converteram num importante instrumento de decisão na escolha do vinho. São vistas por muitos como imperfeitas por ultra simplificar a descrição de um vinho.

Não podemos discordar disso, mas temos que reconhecer que não inventaram forma melhor, uma maneira mais direta para atribuir um valor quantificável a características sensoriais complexas e seu potencial de evolução no tempo. Números que nos permitem comparar a qualidade de vinhos distintos e de anos distintos. Nosso conselho é usar as notas numéricas de entidades confiáveis e que você admire junto com a descrição dos vinhos, aliando assim o melhor de ambos os mundos.

A seguir, você vai entender como chegamos onde chegamos e nossa visão crítica ao sistema.

Conscientes da importância de nossas avaliações para nossos leitores e para o mercado, sempre discutimos sobre as notas e seu papel, da mesma forma que filósofos discutem interminavelmente sem chegar a uma conclusão final. Eduardo Milan, nosso editor de vinhos, sempre disse que as descrições eram mais importantes do que a nota e eu, apesar de concordar com a teoria, discordava na prática.

Acredito que a popularização das avaliações de 0 a 100 pontos foram uma das grandes contribuições de Robert Parker para a disseminação da cultura do vinho no mundo. Os consumidores podiam colocar vários vinhos em uma escala comparativa.

Hoje os pontos estão sendo bastante questionados. Na minha opinião, isso ocorre por uma falta de compreensão de causa e efeito. Tirando as críticas motivadas pela inveja, reconhecemos que, mal utilizados, por aspectos técnicos ou éticos, os pontos se tornam um problema ao invés de uma solução, e afetam a credibilidade de todo o sistema. Portanto, vale debater o tema em tópicos baseado em nossas premissas:

Independência e conflito

Desde o princípio, aplicamos um código de conduta em que nossos degustadores não podem trabalhar em, ou prestar consultoria para importadoras ou produtores. Parece óbvio, mas...

A quem servir

Em ADEGA, servimos ao leitor.  Acreditamos que este é um valor inalienável da imprensa e é a base fundamental de tudo que fazemos. Em seguida, queremos contribuir para a disseminação da cultura do vinho e o crescimento ético do mercado. E queremos que o consumidor encontre vinhos cada vez melhores e acessíveis.

Glamour

Felizmente, nossa profissão nos permite conhecer pessoas, lugares e vinhos fascinantes. Nossos amigos acreditam que vivemos uma vida de glamour. Mas como o bom sommelier, vivemos para servir. Evitamos selfies, não tietamos produtores, não somos a pauta central de nossas matérias.

Independência

Servir ao leitor significa não ser remunerado com emprego ou consultorias a produtores ou importadores ao mesmo tempo que se avalia vinhos. Os degustadores em ADEGA seguem este código de conduta.

Avaliação e jabá

Se alguém quer nos enviar vinho para avaliação não há nenhuma contrapartida econômica. Garantimos que todos os vinhos serão degustados, mas não garantimos que vamos publicar. Só publicamos os vinhos de que gostamos porque o leitor quer saber que vinhos comprar, e não “quais não comprar”.

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A popularização das avaliações de 0 a 100 pontos foram uma das grandes contribuições de Robert Parker

Além disso, acreditamos que publicar avaliações prejudiciais ao vinho é um desrespeito ao trabalho do produtor. Recebemos apenas uma garrafa por amostra e, hoje, graças ao Coravin, podemos degustar e devolver os vinhos mais caros que recebemos para que a garrafa possa ser usada pelo importador/produtor em outra atividade.

Os vinhos devem ser enviados para a editora, onde serão cadastrados no sistema e depois colocados à disposição da equipe de degustação. Exceções são os vinhos degustados em eventos ou viagens.

Os degustadores

O conhecimento técnico, padrão de degustação e a ausência de conflito são filtros difíceis de serem vencidos ao mesmo tempo.

Perfeição

Há diversas formas e focos na hora de degustar. Nas escolas de enologia, por exemplo, há grande atenção para encontrar e compreender problemas de elaboração ou defeitos no vinho. Acreditamos, porém, que às vezes a beleza está na imperfeição (nunca nos defeitos). Um vinho que foge ao padrão, mas mantém equilíbrio ou que tenha leves imperfeições pode compensar em autenticidade.

Técnicas

As técnicas são extremamente importantes. Após dominar a técnica, ela se torna natural. Após milhares de vinhos degustados passamos a executar menos conscientemente os passos da degustação. Passamos a comparar um vinho, não com um ideal teórico, mas com todos os milhares de vinhos que já degustamos e, inclusive, com ele mesmo degustado em outras ocasiões (seja da mesma safra ou diferentes). Daí atribuímos um valor baseado nessa régua comparativa.

Para onde vão as notas?

Nos últimos anos, temos visto uma profusão de vinhos nota 100, o que, para muitos, seria a epítome da perfeição. Mas o que isso significa? Uma questão positiva pode estar gerando uma distorção. Obviamente notas altas geram, em quem faz e vende vinhos, maior interesse em divulgar as pontuações.

Acreditamos que, na prática, o intervalo de notas de 94 a 100 pontos está congestionado. O problema passou a gritar quando os 100 pontos se tornaram muito comuns, ouso dizer que ainda mais comuns que os 99 pontos. Muitos vinhos recebendo notas extremamente altas não servem ao leitor, por duas razões.

A primeira está fundamentada no dilema de servir ao leitor em primeiro lugar. A alternativa seria reconhecer (e ser reconhecido) por um produtor. A segunda está baseada no excesso, afinal, num mundo onde todos são “perfeitos”, não há mais “perfeição”. Enfim, fica difícil o consumidor tomar uma decisão comparativa clara e efetiva baseada nessas notas.

Em nossa visão, cada ponto adicional é um crescimento exponencial e não linear, de forma que é mais fácil um vinho de 90 pontos se tornar um de 91 pontos do que o de 91 pontos subir de categoria – uma lógica parecida com a Formula 1 em que “tirar” 1 segundo adicional na volta é cada vez mais difícil.

Parece estranho, mas a régua também muda. E não é uma questão de gosto ou moda. Nas últimas décadas, a média da qualidade dos vinhos que degustamos, e dos vinhos produzidos no mundo em geral, evoluiu muito. O conhecimento, a tecnologia e as técnicas evoluíram tanto no manejo agrícola, como na vinificação. Tanto que, quando falamos de vinhos produzidos com técnicas ancestrais ou em valorizar a expressão do terroir, estamos trabalhando num nível de compreensão técnica infinitamente superior. E qualidade e autenticidade só cresceram com isso. Num ambiente como esse, precisamos ir movendo a régua para cima e exigindo cada vez mais dos vinhos que degustamos. Afinal é mais importante ajudar o consumidor a escolher melhor seus vinhos do que reconhecer a melhoria que os enólogos vêm fazendo.

Por essas razões, mantemos sempre nosso rumo e foco no leitor, e nossas notas são e devem continuar dentro do nosso padrão de exigência – portanto talvez menos elevadas do que muitas outras, mesmo quando atribuídas por críticos que respeitamos em conhecimento técnico.

Com a integração do Melhor Vinho ao site Revista ADEGA, você leitor, sempre nosso foco maior, agora possui as duas ferramentas em um só lugar. Aproveite!

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