Terra de vinhas velhas

Conheça Barossa, seus vinhedos antigos e um dos melhores Syrahs do mundo

Região australiana de Barossa é famosa pelos Shiraz de vinhas velhas, conheça um dos grandes terroirs do mundo

Barossa é o lar de alguns dos mais antigos vinhedos em produção contínua do planeta
Barossa é o lar de alguns dos mais antigos vinhedos em produção contínua do planeta

por Arnaldo Grizzo

Bem perto de Adelaide, na região centro-sul da Austrália, conhecida como South Australia, fica Barossa, a denominação de origem mais famosa do país, terra das videiras (em produção) mais antigas do hemisfério sul, e talvez do planeta.

A região vitivinícola é dividida em dois vales, Barossa e Eden, e os vinhos mais celebrados são os feitos com a variedade Shiraz de vinhas velhas. Mas são muitos os detalhes que fazem com que Barossa tenha se tornado uma das denominações mais aclamadas do território australiano.

A viticultura lá é quase tão antiga quanto sua fundação. Barossa foi fundada por um rico comerciante de navios inglês, George Fife Angas, logo após a colonização da Austrália do Sul em 1836. O primeiro Inspetor Geral da colônia livre, Coronel William Light nomeou o vale inspirado pela Sierra de Barrosa, região espanhola da Andaluzia, onde travou uma famosa batalha nas Guerras da Península de 1811. No entanto, devido a um erro no processo de registro, o nome ficou sendo Barossa, com dois “s” e não com dois “r”.

Quando voltou a Londres, Angas recebeu uma proposta de um líder luterano dissidente, o pastor August Kavel. Ele queria reinstalar seu rebanho de camponeses e comerciantes da Silésia no Novo Mundo.

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. A Indicação Geográfica engloba duas zonas e uma sub-região: Barossa Valley, Eden Valley e a sub-região de High Eden

Assim, a partir de 1842, os imigrantes luteranos, que estavam fugindo da perseguição religiosa em sua terra natal na Prússia, deram à região um caráter alemão (tanto que a Riesling, depois da Shiraz é uma das principais castas), investiram no cultivo de frutas – especialmente uvas – e, até a década de 1890, dezenas de vinícolas foram estabelecidas.

O inglês Samuel Smith navegou para a Austrália em 1847 com sua esposa e filhos, e depois de trabalhar para Angas por um tempo, comprou terras e plantou as primeiras vinhas de Yalumba em 1849. Da mesma forma, Johann Gramp, um agricultor da Baviera, chegou a Barossa em 1847 e se estabeleceu nas margens de Jacob’s Creek. Muitos outros colonos notaram que o vale era adequado para vinhas, então enviaram mensagem de volta à Alemanha para que enviassem mudas de Riesling.

Como os australianos bebiam basicamente vinhos fortificados (assim como os ingleses), Barossa tornou-se especialista nesse estilo. Com restrições estritas de quarentena e a introdução de um ato formal contra a filoxera em 1899, a praga nunca chegou ao sul da Austrália. Já em 1929, Barossa era responsável por 25% da produção de vinho australiano. Contudo, os anos de depressão foram de grande impacto para a indústria local.

O novo boom só viria a ocorrer a partir de 1940 quando Colin Gramp (descendente de Johann Gramp) visitou o Napa Valley, onde aprendeu as técnicas modernas de vinificação. Ao retornar, ele fez o primeiro vinho tinto seco em Barossa desde a década de 1860. Depois disso, a região começar a ganhar reputação global, especialmente com seus Shiraz.

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O vale de Barossa tem invernos frios e úmidos com verões quentes e secos

Mais recentemente, Barossa tem fervilhado, sendo palco das principais revoluções vinícolas da Austrália, liderada por enólogos visionários como John Duval e seu filho Tim, por exemplo, e também por produtores tradicionais com Seppeltsfield, Yalumba e Henschke.

Vale lembrar que Barossa é o lar de alguns dos mais antigos vinhedos em produção contínua do planeta, com Shiraz, Cabernet Sauvignon, Mataro, Grenache e Riesling, que remontam à década de 1840. O legado de vinhas velhas se tornou tão relevante que, em 2009, criou-se uma “Carta de Vinhas Velhas”, que visa reconhecer e preservar esse patrimônio.

Terroir

A região de Barossa está localizada a aproximadamente 70 quilômetros a nordeste de Adelaide. A Indicação Geográfica foi estabelecida oficialmente em 1997 e engloba duas zonas e uma sub-região: Barossa Valley, Eden Valley e a sub-região de High Eden.

O vale de Barossa tem invernos frios e úmidos com verões quentes e secos. Uma combinação de dias secos e ensolarados e noites frescas garante uma maturação consistente. A principal preocupação é a seca. O complexo sistema de vales e colinas sinuosas resulta em uma variedade de encostas. Em Barossa Valley, os solos variam muito, mas tendem a ser ricos e profundos e todos caem dentro de uma família de fertilidade relativamente baixa franco-argilosa até mais arenosa, de cor cinza, passando por marrom até vermelho. Como em grande parte do sudeste da Austrália, a acidez aumenta nos subsolos, o que restringe o crescimento e o vigor da planta.

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Um dos principais patrimônios de Barossa são as vinhas velhas

Já no vale do Éden, a altitude é um fator importante determinando o mesoclima. A uma altitude de cerca de 500 metros, os vinhedos do vale Pewsey, Heggies e High Eden no extremo sul são consideravelmente mais frios do que os de Henschke, mais ao norte, com uma elevação de 380 a 400 metros. As temperaturas são significativamente mais baixas do que as de Barossa Valley. Mas há múltiplos mesoclimas devido à variação de altitudes. Geralmente os dias são muito quentes e as noites frias, com longos períodos de sol durante a fase de crescimento.

O terreno variado significa que existem vários tipos de solo. Os mais comuns vão do cinza ao marrom, de areia argilosa. Também há cascalhos de rochas férreas, de quartzo e fragmentos de rocha na superfície. Esses tipos de solos rasos e rochosos são bem adequados para a viticultura não irrigada, mas existem também manchas de solos arenosos nas encostas, ladeadas por mica-xistos desgastados, que têm pouca capacidade de retenção de água.

Estudo de solos

Vale dizer que, desde 2008, desenvolve-se na região o projeto Barossa Grounds, focado em estudar como os diferentes terroirs influenciam no vinho local. Dividiu-se então Barossa em três “grounds”. Com altitudes entre 280 e 450 metros, Northern Grounds inclui vinhas ao redor da parte norte de Western Ridge e as cidades de Greenock e Stockwell, com vinhedos como Seppeltsfield, Marananga, Stone Well, Greenock, Moppa, Ebenezer, Stockwell e Kalimna. Os solos são predominantemente francos sobre argila vermelha. O vinho tende a ser encorpado, rico e de cor vermelho-púrpura profundo.

Já Central Grounds tem altitudes entre 180 e 280 metros e inclui vinhedos ao redor da parte sul do cume ocidental e das cidades de Tanunda e Nuriootpa, com vinhedos como Krondorf, Betânia, Tanunda, Gomersal, Vine Vale, Dorrien e Light Pass. Há uma grande variação nos tipos de solo, como os franco-arenosos. Esta variação resulta em vinhos de corpo médio a encorpado, vibrantes e profundos com cor vermelho-púrpura.

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Barossa tem o maior plantio de videiras pré-filoxera do mundo com plantas com mais de 100 anos

Por fim, Southern Grounds tem altitudes entre 112 e 220 metros com vinhedos ao redor das cidades de Lyndoch, Rowland Flat, Rosedale e Williamstown. Os solos variam de argila preta quebradiça a franco-arenoso sobre argila. O vinho é de corpo médio a encorpado, elegante, refrescante e de tons vermelhos profundos.

Dois terrenos menores, o Western Ridge e o Eastern Edge, também foram identificados como consistentemente dando características distintivas aos seus vinhos.

Clones e cartas de vinhas velhas

Como um dos principais patrimônios de Barossa são as vinhas velhas, os clones ditos “Heritage” possuem um papel fundamental. Eles têm sido continuamente desenvolvidos a partir de seleções de vinhas velhas, mais especificamente Shiraz e Riesling. Vale apontar que muitas dessas vinhas antigas são cultivadas sem irrigação e em pé franco. As vinhas mais jovens tendem a receber irrigação por gotejo em solos mais rasos.

A uvas de vinhas mais velhas normalmente têm acidez mais alta e pH mais baixo, e podem produzir vinhos com maior profundidade. De baixo rendimento, as vinhas passam por um processo de amadurecimento mais consistente, produzindo uvas com muita intensidade e sabor, contribuindo para grande complexidade, estrutura e equilíbrio do vinho. Muitas vezes, contudo, os rendimentos são extremamente baixos.

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As variedades mais importantes da região são Shiraz e Riesling

A importância dessas vinhas foi formalizada com a introdução da “Carta de Vinhas Velhas”. Essa iniciativa foi pautada pela Yalumba Wine Company, que criou sua própria versão em 2007, antes de ser lançada regionalmente em 2009. Ela classifica as vinhas por idade em quatro categorias: “Vinhas velhas” (são as vinhas totalmente maduras com 35 anos de idade ou mais), “Vinhas sobreviventes” (com 70 anos ou mais), “Vinhas centenárias” (são pré-filoxera, com 100 anos ou mais) e finalmente “Vinhas ancestrais” (com 125 anos ou mais, consideradas as videiras em produção mais antigas do mundo). Só para lembrar, Barossa tem o maior plantio de videiras pré-filoxera do mundo com cerca de 250 hectares de plantas com mais de 100 anos.

Shiraz e Riesling, e outras

As variedades mais importantes da região são Shiraz e Riesling. Em Barossa Valley, a Shiraz representa 63% das vinhas, seguida pela Cabernet Sauvignon com 13%, Grenache com 5%, Chardonnay com 4% e Merlot com 3%. No Eden Valley, a Riesling impera com 30%, Shiraz em seguida com 27%, Chardonnay vem depois com 13%, Cabernet Sauvignon com 10% e Merlot com 3%. Mas mais de 40 variedades diferentes são cultivadas em toda a região.

Não dá para dizer que o Shiraz do vale de Barrosa tenha um estilo único, mas normalmente é encorpado, rico e robusto com fruta madura e taninos presentes. O clima quente e seco ajuda a trazer uma profusão de frutas ao vinho, mas com acidez equilibrada. Já os Shiraz do vale do Eden tendem a ser mais aromáticos e elegantes devido ao clima mais ameno, também menos encorpados. De lá surge o lendário Hill of Grace da Henschke, por exemplo.

Já os Riesling são muito frescos, com aromas de cítricos e muito intensos no paladar, com toques minerais. Logo em seguida, pode-se destacar os vinhos feitos com Grenache e Cabernet Sauvignon como os mais importantes da região, mas há trabalhos notáveis com Chardonnay, Sémillon e Mataro (Mourvèdre), por exemplo. E não devemos esquecer de uma tradição de Barossa, os vinhos fortificados, comumente feitos usando Shiraz, Mataro e Grenache. Sua fama é tamanha que, até hoje, alguns dos rótulos mais caros da região são desse estilo.

Barossa ainda tem um curiosa organização chamada de “Os artesãos de Barossa”, que compreende John Duval Wines, Spinifex Wines, Sons of Eden, Lienert Vineyards, Schwarz Wine Co., Purple Hands Wines, Hobbs of Barossa Ranges e Chaffey Bros. Wine Co. com sede localizada no extremo norte de Tanunda. As degustações no local trazem seleções dos oito vinicultores, cada experiência projetada para explorar amplamente o mundo do vinho de Barossa. O Signature Grenache Project e o Six Origins, por exemplo, fornecem informações únicas sobre a influência das técnicas de vinificação e da paisagem vinícola no sabor e no caráter do vinho. Mas há mais de 170 vinícolas nesta região que, acima de tudo, saber preservar suas maiores heranças.

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