O que muda nos vinhos com o aquecimento global? As altas temperaturas podem influenciar diretamente a região de Champagne
por Aguinaldo Záckia Albert
As mudanças climáticas pelas quais o mundo passa afetam de forma decisiva o estilo dos vinhos das várias regiões produtoras. Climatologistas e especialistas em meio ambiente são unânimes ao afirmar que nosso planeta se tornará cada vez mais quente, causando degelo de calotas e desertificação de amplas áreas. Tais transformações devem mudar dramaticamente as características dos vinhos nos próximos anos, segundo concluíram estudiosos reunidos na Universidade da Borgonha, em Dijon, em março de 2007, no simpósio denominado "Réchauffement climatique, quels im-pacts problables sur les vignobles". É preciso pesar os prós e os contras para avaliar se as mudanças serão, ou não, maléficas no caso dos vinhos, porém, podemos ter como certo que as modificações climáticas acarretarão transformações radicais no estilo dos vinhos.
Irrigação, antes proibida na França, agora é oficial |
Para regiões muito frias, como o sul da Inglaterra (que vem retomando a produção vinícola) e outras áreas mais setentrionais da Europa, as condições para o plantio da videira, sem dúvida, melhorarão. Já as zonas mais quentes sofrerão conseqüências negativas. O aumento das pragas, devido ao aumento das temperaturas, é uma delas. Outra é o crescimento da irrigação dos vinhedos devido às secas, prática que, indubitavelmente, crescerá, abrangendo regiões européias na qual ela não é permitida, ou então restringida.
A canícula que assolou a Europa em 2003, com temperaturas senegalesas, poderá se repetir mais freqüentemente. Ela foi positiva para as regiões do norte, mas problemática para localidades meridionais. Devido ao problema, a irrigação já se tornou oficial na França. Um decreto - de 6 de dezembro de 2006 e publicado em fevereiro de 2007 - permite a irrigação no alto verão, entre 15 de junho e 15 de agosto, embora esta prática ainda seja proibida durante todo o ano. Métodos de plantio também poderão ser modificados. O especialista em vinhedos espanhóis, Gemma Mollevi, preconiza a possibilidade de plantar as vinhas mais rentes ao solo, de forma a melhor preservar a umidade e proteger as uvas dos raios solares.
Mudanças climáticas podem alterar os terroirs |
Os produtores australianos de todos os tipos de lavoura se mostram bastante preocupados com o aumento das temperaturas em uma região já hoje bastante quente. Um ou dois graus a mais parecem pouco, mas afetam bastante a produção agrícola de modo geral. "Com relação ao aquecimento global, a indústria do vinho é o canário na mina de carvão, porque é um dos indicadores mais sensíveis da mudança climática", afirma o viticultor e autor de livros sobre o cultivo da uva, Richard Smart. Ele teme também pela queda de qualidade dos vinhos da Austrália.
Pode-se prever que regiões que produzem os "vinhos de terroir" - zonas tradicionais em que as castas se adaptaram lentamente de modo a encontrar uma maior afinidade entre a terra e o "climat" - sofrerão mais, pois o estilo de seus vinhos (consagrados internacionalmente), sem dúvida, mudará. Como será um Gevrey Chambertin do século XXII ? Ainda será elaborado com a uva Pinot Noir? Essas e outras questões se colocam agora para a reflexão dos enófilos. E o que será de nosso champagne, que deve parte de seu caráter às frias temperaturas dessa região setentrional da França? Seu clima frio produz vinhos-base ásperos e leves, ideais para a elaboração desse espumante. Associado a isso, o solo calcário permite que os aromas se desenvolvam longamente durante o período de envelhecimento do vinho.
A elevação da temperatura, com períodos de calor cada vez mais longos, modificará seriamente a acidez e o teor de açúcar das uvas, afetando decisivamente as características do vinho e seu potencial de envelhecimento. Em 2003, a Europa teve o verão mais quente de que se tem notícia. A colheita foi feita sob temperaturas superiores a 35ºC, chegando aos 40ºC por um período de duas semanas! Além disso, choveu pouco, agravando o processo de ressecamento prematuro das uvas e aumentando significativamente o teor de açúcar dos bagos.
Um champagne precisa ter um bom nível de acidez para que possa envelhecer de forma equilibrada e desenvolver seus aromas. Para tentar driblar o problema, a colheita em Champagne foi feita o mais cedo possível, em final de agosto, ou seja, três semanas antes da época habitual. Como resultado, obteve-se uma produção 50% menor que nas safras normais.
As temperaturas altíssimas da canícula de 2003 não chegaram a se repetir de forma tão intensa nos anos seguintes, pelo menos até 2007, mas elas têm estado mais altas do que o normal. Tudo leva a crer que estamos entrando em um período de aquecimento climático global de longo prazo. Se isso se confirmar, é mais do que certo que a qualidade e o sabor do champagne serão afetados.
Petit Trianon da Moet & Chandon, em Épernay, na França. Região pode sofrer com aquecimento |
O físico e estudioso do champagne francês, Gérard Liger-Belair, em sua interessantíssima obra "Effervescence! La Science du Champagne", afirma: "Cientistas da Universidade de Oxford lançaram a hipótese de que, se a mudança climática se mantiver, as cepas atualmente cultivadas sob o doce clima da Gironda (Bordeaux) poderão se aclimatar daqui a até 50 anos na Grã-Bretanha, onde a vinha tem dificuldade em se implantar. Certas regiões do sul da Inglaterra possuem um bom solo calcário (...) comparável ao da região de Champagne. Não é, portanto, ilusório assistir à emergência dos vinhos espumantes na Grã-Bretanha".
Só nos resta torcer para que as projeções mais pessimistas não se realizem e que possamos continuar desfrutando, ainda por muitos e muitos anos, da elegância e do frescor do incomparável vinho espumante da Champagne.
Especialista fala em plantar vinhas mais rentes ao solo para preservar a umidade e proteger as uvas dos raios solares |
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